domingo, 26 de dezembro de 2010

Um texto como domingo. Em tempo, é fim de ano...

Se um dia eu quisesse morder a maçã sem ser expulsa do paraíso, no outro sentiria remorso por ter acreditado que não houvesse mal em fazê-lo. E no terceiro procuraria outra macieira, até que desejasse um morango. Decidi oscilar, é um modo de vida.
Vou assumir que em alguns dias, como hoje, tenho um pouco de vontade de me arrepender pelas coisas que já fiz de errado nesta vida. (In)felizmente estas ocasiões me ocorrem justamente quando estou confusa sobre o que é certo e o que, de fato, pode ter sido errado.
E então, quando me encontrarem por aí, talvez digam que sou aquela que disse "sim" para tudo que lhe pareceu fantástico. Mesmo que nem tudo tenha sido.
Desculpe, domingo. Nasci para perturbar e ser perturbada. Essa perturbada que lhe vive como quem come maçã. E essa perturbada que oscila. Um abraço pra quem é coerente. Eu acho que loucura seria permanecer a mesma sempre...

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Tão dizendo que ele é nerd

Não sei se vem a ser por conta do layout cabelo-de-colírio-da-capricho-óculos-cara-de-intelectual, mas minhas amigas tão dizendo que ele é nerd. E que nós dois combinamos.
Ele sabe o significado de noventa por cento das palavras do meu vocabulário e se encarrega de descobrir os outros dez. Parece-me que foi criado a Danone, Sucrilhos e todas as novidades hi-tech do mercado de entretenimento. É, um nerd com cheiro de leite Ninho.
Tão dizendo que ele é nerd. Daqueles que, caso eu soltasse um "Sol é feito de Amor" riria freneticamente e insinuaria que eu preciso ter aulas de química e física, além de aconselhar a parar de enxergar amor em tudo, é claro. Um nerd que se divertiria com o meu instinto piegas, fazendo com que eu me divertisse também.
Tão dizendo que ele é nerd já que não curte sertanejo, ouve pouco os clássicos da MPB e não sabe quase nada a respeito de dar atenção em conversas online porque, paralelamente, está tentando capturar um pokemon legendário no seu jogo preferido.
Tão dizendo que ele é nerd. Do tipo de nerd que não menospreza minha inteligência e não subestima as coisas que me interessam. O celular dele tem mil e duas funções a mais do que todas as tecnologias aqui de casa juntas e o seu videogame portátil, ao pouco que me consta, tem o preço superior ao de uma cesta básica. Mas dizem que só um nerd entenderia o quanto estas coisas são imprescindíveis.
Tão dizendo que ele é nerd e leu um número significativo de livros, assistiu boa parte dos filmes para os quais eu dei de ombros e é fã dos Beatles. O cabelo dele vive arrumado e seu rosto - que é apenas uma moldura para dentes indubitavelmente brancos - tem meio ano a menos de linhas de expressão que o meu.
Tão dizendo que ele é nerd enquanto ele joga qualquer coisa no emulador retrô que eu também baixei, ou enquanto se ocupa dos mistérios que lhe tomam alguns sábados, ou ainda enquanto conversa com as meninas do ensino médio que eu finjo me fazerem ciúmes.
Tão dizendo que ele é nerd. A digitação dele é rápida, os ídolos dele jogam no futebol europeu e às vezes ele é tão, mas tão difícil, que chega a parecer o sexo frágil do nosso tipo de projeto de relação. Tão dizendo que ele é nerd. Insiste em inovar, ser minha maior exceção, rir das minhas piadas e dizer que gosta de mim "mais do que ontem". Talvez ele saiba que esta escala me agrada mais do que qualquer matemática.
Enfim, como você deve ter notado, minhas amigas tão dizendo que ele é nerd. E eu conto com boa argumentação nessa tese. Tão dizendo que ele é nerd, mas se um nerd como ele é capaz de me prender em um abraço, ser invariavelmente sincero, ligar pra dizer que sente saudade e me fazer sorrir, eu não me importo nada de concordar com elas.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Eternamente... Iolanda!

As mãos com unhas vermelhas sempre foram marca registrada. As mesmas mãos de unhas vermelhas sempre fizeram a melhor maionese de batatas no almoço de domingo e a melhor cuca de farofa dos cafés da tarde. Lembro das mãos assim, cozinhando, lembro das mãos jogando cartas, lembro das mãos atendendo aos pedidos do meu avô, lembro das mãos rezando terços, lembro das mãos segurando o queixo ao assistir partidas de futebol, lembro das mãos segurando xícaras de café e também lembro das mãos fumando cigarros enquanto, sentada com os joelhos dobrados no apoio da cadeira, ela observava o horizonte. E faça o esforço que fizer, lembro das mãos ocupadas, servindo.
Lembro da última semana. Enquanto chovia fraco, esse retrospecto de mãos comparecia em minha memória com acentuada frequência. No alto de um morro, no hospital da cidade, ou mesmo em seu quarto, aquelas mãos tão conhecidas aparavam a tosse fraca de uma saúde frágil. Não era fácil ver aquelas mãos, que beijei tantas vezes ao pedir bênçãos, agora muito pálidas e com os ossos aparentes, preocupadas com os canos do oxigênio. Sem esmalte e sem anéis, eu as vi emagrecer toda semana nos últimos tempos, torcendo de todo o meu amor - aquele amor por vezes tão egoísta - para que as suas queridas mãos não se cruzassem. E quando a esperança se esvaía por tímidos segundos eu temia o que pudesse ocorrer.
Mas se fosse para o seu bem, em nome de todas as infinitas coisas boas que aquelas mãos fizeram, o meu coração esperaria que a ordem natural das despedidas não comportasse exceções: Na partida, deve doer menos em quem parte do que em quem fica. E se agora dói tanto, tanto, tanto... Fica em nossos corações um conforto do teu descanso... Aceite essas palavras como as flores que tu gostavas. São a forma que encontrei para homenagear minha avó, meu amor, meu eterno exemplo de bondade e força. As tuas mãos com unhas vermelhas, sempre ocupadas, ficarão em minha lembrança. Assim como a tua dedicação e a tua ternura. Eternamente a mulher de fibra, a mãe e esposa zelosa. Eternamente doce. Eternamente Iolanda!


Esta canção não é mais que mais uma canção...
Quem dera fosse uma declaração de amor,
romântica, sem procurar a justa forma
do que lhe vem de forma assim, tão caudalosa.
Te amo, te amo, eternamente te amo.
Se me faltares, nem por isso eu morro...
Se é pra morrer, quero morrer contigo.
Minha solidão se sente acompanhada...
Por isso às vezes sei que necessito teu colo.
Teu colo... Eternamente teu colo.
Quando te vi, eu bem que estava certo
de que me sentiria descoberto...
A minha pele vais despindo aos poucos
Me abres o peito quando me acumulas...
De amores, de amores. Eternamente de amores!
Se alguma vez me sinto derrotado
Eu abro mão do sol de cada dia...
Rezando o credo que tu me ensinaste.
Olho teu rosto e digo à ventania:
Iolanda! Iolanda! Eternamente... Iolanda!
(Chico Buarque)

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Troféu

Encostei o nariz no teu e fiz charme com a boca que sorria entreaberta. Não demoraria mais que alguns segundos para que você vacilasse inclinando a cabeça mais para o lado direito do que deveria e acabasse com todo o mistério. E eu já deveria saber que aquele primeiro se repetiria, ou não. E eu já deveria saber que aquele último não teria gosto de último. E ao não ter gosto de último ficaria nele a sorrateira espera por outro que fizesse dele o penúltimo. E de novo, e de novo.
E aquele momento do nariz encostado no teu, por menos surpreendente que fosse, conseguiria se transformar por mutações alcoólicas, por mutações tediosas, por mutações cotidianas, em tantas outras coisas que dele e de ti me fariam lembrar.
Eram os segundos que antecediam o nosso beijo, apenas. E eu tinha a honesta impressão de que eram os louros da vitória. Um troféu, honrando a história que eu esperava ser capaz de construir. Parece-me que, no fim das contas, também por aquilo você estaria habilitado a se tornar inesquecível. Os sorrisos com a boca entreaberta são sempre os mais sinceros.

sábado, 4 de dezembro de 2010

No alarms and no surprises, let me out of here... [Radiohead.]

"Eu queria ir pra um lugar onde eu tivesse uma sensaçãozinha,
ilusória que fosse, de que tinha alguém prestando atenção em mim."
Caio F.

Prendi a respiração para firmar o pulso e terminar de fazer o risco fino de delineador no olho direito, que sempre fica por último. Sorri para o espelho, só para notar se eu ainda ficava bem fazendo aquilo assim, quase sincera. Não sabia bem o que estava fazendo. Não sabia, com exatidão, o que me levava a mudar completamente de rumo em tão pouco tempo. Não sabia o motivo do meu desânimo com aquela história, da minha rebeldia. Ou sabia, mas era tão vergonhoso que eu não me permitiria confessá-lo. Não sabia que rumo aquela noite, aquela madrugada, todas as manhãs seguintes deveriam tomar. Supunha que deveria insistir, porque é bonito insistir, que deveria ser doce, porque ser doce era o que eu fazia de melhor - mas nem sempre eu quis o melhor, nem sempre eu conquistei o melhor. Então por que dessa vez? Por que atirar-se em uma história em que eu não estava consolidada como escritora? Sim, pois eu não saberia outro modo de me entregar a uma história sem ter as certezas de ser dona de mim, do outro, do nosso roteiro. Esse era um jeito de não sofrer, ou de sofrer menos.
O problema, contudo, consistiria sempre na falta de surpresas. Quem escreve o destino de próprio punho raramente encontra outra aventura que não parcas linhas, meio tortas, ou o fim da folha de papel, dos dias... Quem escreve o seu destino escolhe sempre o seu rumo. E por mais que a confissão seja desesperada, não quereria escrever meu destino sozinha. Nem do sozinha de solitária, mas principalmente não do sozinha acompanhada. Quereria escrevê-lo a quatro mãos. E eu me entregaria tantas vezes, e eu não me importaria com tantas esperas, e eu não ligaria para tanta distância, e eu me doaria sem hesitar, e eu procuraria em todos os lugares, formaturas, carros, ruas, becos, salas, janelas e avenidas aquele que me acompanharia. E eu faria se tivesse certeza que não fosse sentir tudo isso... Todo esse oco no peito, toda essa sensação de fracasso, todo esse estar só de falta de proteção, de falta de reciprocidade, de falta de entrega, de falta de atenção, de falta de dedicação, de falta de cuidado, de falta de um pouco mais que menos da metade.

Queria só te dizer: O olho acabou marcado, chamativo, delineado, na vista, inconfundível. E era como eu queria que as minhas vontades estivessem. Não me custaria perder o fôlego.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Os olhos de agora

Os olhos de antes eram doces. Qualquer meia dúzia de cenas ensaiadas, de gestos planejados e de promessas os fariam sorrir. Os olhos de antes sempre se contentaram com pouco porque nunca souberam qual medida usar por parâmetro para ver. Pouco e quase nada é, ainda, algum detalhe a ser observado. E disso parece que eles sempre souberam - porque eram doces e sorriam. Eles se enchiam com alguns. Alguns de encher os olhos. Deve ser por isso que não hesitariam em suplicar, silenciosamente, que eu afastasse o corpo a uma distância peculiar de hipermetropia, para que esses olhos encontrassem, compreendessem e definissem aos meus sentidos as sensações, em certa feita. Deveras, os olhos se comunicam. E talvez precisem dos centímetros que um tronco reclinado para trás por alguns segundos pode proporcionar para ter noção de familiaridade com a ocasião. Proporcionaram. Era uma cara toda sorrindo em lábios fartos, alertando-me aos olhos a que vinha. Detectar sinais, sabe-se lá de quê. Para isso, por sorte, eles serviram. Meus olhos de antes enxergaram tudo o quanto foram capazes ou, talvez, tudo o que eu desejava ver com os olhos que tinha. Procuraram por longo tempo outros pares de olhos que pareciam existir só para esbarrar consigo. E esbarraram tantas vezes, de tantas formas e de tantas outras histórias desde então, que se cansaram de não ver o que não viam. A rebelião dos meus olhos foi natural, despreocupada. Meus olhos de antes cansaram de camuflar a verdade e se transformaram nos olhos de agora. E enxergam tudo com uma definição de alta qualidade, assombrosa, nítida, superlativa e sintética. Perdeu-se em doçura, ganhou-se um pouco em cinismo. Os olhos de agora querem o novo, e ao dar com aqueles olhos que esbarravam nos olhos de antes, não piscam. Ao ter de encontrar, não vacilam. Ao ter de esquecer, não ficam rasos d'água. Ao ter de distanciar, não dilatam de excitação no escuro do quarto. Apenas se calam. Simplesmente. Mudos. Nem cheios de si, nem vazios de mundo. As sobrancelhas discretamente franzidas de ironia, logo acima dos olhos de agora, é que então sussurram: Tolice não se divertir lembrando das inverdades que os olhos de antes fingiam se esquecer de possuir... Justo porque há um certo conforto em admitir que as loucuras de antes ainda ardem, absolutas, nos olhos de agora.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O benefício da entrega

(...) Num deserto de almas também desertas,
uma alma especial reconhece de imediato a outra
Caio Fernando Abreu

Ele já não me era mais completamente estranho como fora um dia. Pra ser honesta, ele não me era mais nem minimamente, nem de longe, nem que se esforçasse, uma pessoa estranha. Aos muitos - sim, aos muitos e em pouquíssimo tempo - como se fosse meu, como se fosse velho conhecido, ele tomou tal importância e invadiu com tamanho ímpeto os meus pensamentos que quase não pude acreditar. Era mesmo assim que ele era: Invasor de sonhos. Dos mais doces aos reconhecidamente voluptuosos, que envolviam cinturas e cafunés. Um protetor resoluto da minha capacidade de acreditar na existência das pessoas especiais, dispostas a criar tanto quanto se envolver com algum tipo de sentimento diferente, novo, surreal, intenso.
Sua não-estranheza, agora já confessa, convidava-me a lembrar do que sempre agradou tanto: A sensação de segurança em um mar de surpresas e incertezas. A maré insistia em me levar pro cais, que é tão dele, a cada dois minutos de pensamentos... Então insisto também, eu. Sinceramente, eu insisto nos sentimentos, nos impulsos, nas paixões. Insisto em acreditar nos romances ideais que funcionam, a mim, como um ímã, e que nesses inícios guardam consigo sempre um pouco de receio, de frio na barriga. Uma porção generosa de alegria convertida em risos a qualquer hora do dia.
Digam o que disserem... Razão nenhuma prepondera perante a sintonia que as almas não-desertas de Caio Fernando me sugerem. Suponho que qualquer um já deva ter entendido que nunca deixo uma alma não-deserta passar por minha vida, em branco, sem convidá-la para escrever entrelinhas comigo. Eu sou da tribo dos ingênuos, por mais que isso me contradiga. Dos ingênuos que, como eu, acreditam: Nos sentimentos, apostando neles. Nas pessoas especiais, apostando nelas. Arcamos com as consequências. Respondemos sempre pelo revés da entrega. Mas também por todos os seus infindos benefícios...

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

A dois passos do impossível: Anjos, futuros amores e portas de vidro.

"Quem és tu que me lês? És o meu segredo ou sou eu o teu?"
Clarice Lispector

Apareci na porta de vidro e o fitei por longos 5 minutos, sem que ele percebesse. Lindo vê-lo daquela perspectiva. Agrada saber-me um sem fim de imprevisibilidade, mesmo depois das revelações no telefone. Queria ser criativa para deixá-lo admirado, e aparecer naquela porta, aquela hora, era tudo o que me ocorria. Precisava vê-lo. Meu coração precisava se aquietar ou pularia fora do peito. Parece-me que o meu estoque de esperanças sentimentais nunca se acaba... E ele parecia adorar tudo aquilo tanto quanto eu. Parecia perfeitamente sintonizado na minha frequência de entrar no jogo sem saber onde é que vai parar. Nossos olhares se cruzaram. Sorri. Tinha vontade de entrar lá e pedi-lo dois minutos do seu tempo para ensinar-lhe o caminho de volta para mim, a fim de que ele o fizesse sempre que desejasse. Tinha medo de sufocá-lo com as minhas expectativas. Guardei certa distância, segura. Me contive em mirá-lo de longe, com a delicadeza de quem tem os lábios entreabertos esperando para ser surpreendida. Talvez... Bem, talvez nossa história um tanto quanto confusa e desajeitada - como todas que a precederam - fosse o ponto de partida ideal para uma história linda, exatamente do jeito que eu esperava - ou, como insistia Joana - precisava viver. Porque ele insistia em merecer. Por Deus, como ele merecia. Todos os dentes um pouco maiores do que o normal me encantavam. As camisetas multicoloridamente estampadas me enchiam os olhos. Os bilhetes que ele me enviaria duas horas depois me mereciam ontem. Os olhos castanhos e a voz meio rouca me mereciam ontem e o resto do mês. Do ano. Achei que ele estivesse com o mesmo cabelo de sempre, mas ele havia me dito que aquele era o "penteado descuidado", para que eu opinasse. Estava lindo, incontrolavelmente divertido, o que produzia um efeito muito semelhante às cócegas que um dia, certamente, ele me faria, enquanto esperássemos os meus pais me buscarem num fim de domingo de verão. Daqueles fins de domingo de verão onde tudo parece parar, desde que na companhia de um futuro amor. Minha alma sorria, aliviada. Naquela noite, ele existia apenas para cuidar de mim. De longe, com os olhos, conseguia ser protetor. Imagine de perto! Um anjo. Talvez fosse o que ele era: Um anjo me reensinando a sair do chão com suas asas, ou meu futuro amor. Para além dos meus sonhos interrompidos, para além dos nossos medos, para além do céu, para além daquela porta de vidro. Quis confessar minha alegria e agradecê-lo por existir, mas não tive tempo... Meu sorriso distante confessava por mim tudo aquilo que, mais tarde, eu repetiria sem titubear - embora nem precisasse dizer...

domingo, 14 de novembro de 2010

Surpresa canina!


Há uma semana, chegou sem avisar. Jamais esperei que permanecesse em minha vida. Permaneceu. Roubou todo tempo, todas as horas de pensamentos nesses sete dias. Se instalou. Tão jovem, tão cheio de manha, tão seguro de si. Quis atenção. Nunca tive muito pra perder. Éramos a combinação ideal de desapego. Tem me arrancado suspiros, curado carências e correspondido às expectativas. E me olha no fundo dos olhos, e seus sons me parecem sempre perfeitos. Coisa boa dar oportunidade pra uma emoção acontecer sem saber onde é que ela vai desaguar. Sem coleiras, sem amarras, sem compromisso. Apenas a liberdade de se querer perto - na medida certa e sabe-se lá até quando. Esteve livre pra chegar, estará livre pra partir. Não me queixo de lhe dar um nome próprio, um pouco da minha loucura e algumas horas das minhas madrugadas. Não me importo de me atrever e ousar pra depois desistir ou me enfadar, ou começar a me apaixonar. Nenhum tempo é perdido com algo que arrisca, que pulsa, que vibra, que vive e que faz viver. Adoro o que me tira do sério e do tédio, porque minha versão mais apaixonada nasce apenas nos desafios. Provoque! Provoque minhas reações mais adoráveis, o que houver de melhor em mim. E então me converto em um ser pequeno, doce, disponível, que não hesitará em se compartilhar contigo.

sábado, 13 de novembro de 2010

Sexta-feira quase 13

Estive adiando a hora de escrever isso. Estou adiando. É agora. Amo essa expectativa. Detesto o gosto de estar entregue. Ninguém é capaz de mensurar com palavra a minha vontade de gritar. São dez pra duas. É quase três. Sexta prestes a virar sábado. Já virou. Mas tá longe de ter sol. Deu vontade de escrever, porque escrevendo é quando mais me entendo. Tem cinco verbos novos no meu vocabulário, que não me deixam em paz. O que não me deixa em paz é um certo moço. E o seu rosto. A ponta do anelar, da primeira dobra, me toca o lábio superior. Sinto o cheiro de quem nunca abracei. Temo, lacônica. Temo perder a propriedade do contrato artificial, que não fiz. E não sei a que vim sem querer desvendar onde estarei. Engana-me o frio na barriga, ou consola? Ameniza. Todo dia, um novo tom. Ai de mim. Toda hora, um novo tom. Com quanta impulsividade se faz uma alegria? Com quanta euforia contida se faz uma mulher de fibra, que conquista? Queria me deliciar da descoberta. Percorre-me um leve arrepio da madrugada, frio, qualquer coisa entre os tornozelos e os joelhos, os cotovelos e os punhos e a nuca. Solitária e insólita. Sorrateira. Secreta. Sinto um pouco de medo de existir, a meu modo.

***

Eu cansei de ser assim / não posso mais levar / se tudo é tão ruim / por onde eu devo ir?
A vida vai seguir / ninguém vai reparar / aqui neste lugar / eu acho que acabou
Mas eu vou cantar pra não cair / fingindo ser alguém / que vive assim / de bem
Eu não sei por onde foi / só resta eu me entregar / cansei de procurar / o pouco que sobrou
Eu tinha algum amor / eu era bem melhor / mas tudo deu um nó / e a vida se perdeu
Se existe Deus em agonia / manda essa cavalaria / que hoje a fé me abandonou.
Los Hermanos

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Quando C quer dizer Cinderela

O telefone tocou 9h e eu lembrei logo de Cinderela... E de nossa conversa de ontem à noite. Impossível que minha amiga já tivesse novidades... Sim, eu sou amiga de Cinderela e, sabe, essa menina é estranha. A fada-madrinha da Cinderela que eu conheço entrou no efeito reverso e caiu no sono profundo da Bela Adormecida. Se esqueceu de entrar em ação. Veja você que a coitada ficou desmadrinhada, um show de azar, medido pela vez em que se despediu de um príncipe e ele virou um unicórnio... O que, na prática, não significa muita coisa, porque Cinderela é uma princesa singular.
Também beijou uns dois lobos maus, e um sapo que não se transformou. Mas esse histórico é muito breve e não convém ao que quero lhes contar. Minha conversa de ontem foi bem mais interessante: Ela me contou que resolveu levar outra vida. Se libertou da madastra, que salvo engano se chamava Saudade, e está prestes a se apaixonar pelo irmão da Barbie. E que ela está se divertido muito com essa situação. E que ele quer seduzi-la.
Gargalhei com gosto da impulsividade de minha amiga e das confusões nas quais se mete. Perguntei se Cinderela estava ficando maluca. Ela me respondeu que já havia conhecido muitos personagens, tantos quantos nem sabia se lembrar do número, e que, infelizmente, havia se decepcionado com a maioria. Era hora, portanto, em seu raciocínio, de dar chance para o inesperado e... quem sabe... perder o sapatinho em lugares novos. Assenti sorrindo, invejando sua disposição em se apaixonar. Admirei C de Cinderela, sinceramente, sem modéstia. O brilho em seus olhos e o sorriso cheio de dentes parecia indicar que era tempo de confiar nos próprios feitiços.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Encontros e despedidas

"Mande notícias do mundo de lá, diz quem fica.
Me dê um abraço, venha me apertar, tô chegando...
Coisa que gosto é poder partir, sem ter planos.
Melhor ainda é poder voltar. Quando quero.
Todos os dias é um vai-e-vem:
A vida se repete na estação.
Tem gente que chega pra ficar,
tem gente que vai pra nunca mais...
Tem gente que vem e quer voltar;
Tem gente que vai e quer ficar;
Tem gente que veio só olhar...
Tem gente a sorrir e a chorar.
E, assim, chegar e partir.
São só dois lados da mesma viagem:
O trem que chega é o mesmo trem da partida..."
Milton Nascimento|Fernando Brant


Hoje eu decidi deixá-lo imerso no sossego de uma vez por todas. Deixar em paz, se você preferir. Quis dar fim à semana conturbada que tivemos com o abraço espontâneo que combinamos retribuir na próxima vez que nos víssemos. Tentei, em vão, uma última vez, te encontrar de propósito. A contragosto, não fui capaz de lhe achar, exatamente como você alertou que seria. Todos os amigos indispostos ou sem gasolina. Os outdoors em minha mente anunciaram imprecisos: Você! A 50, 120 ou 200km, em uma pizzaria, na China, na casa dela, na sua ou no Alaska. O que eu precisava saber já sabia. Estava ocupado, caímos na caixa postal do número da operadora antiga, do celular antigo, do amor antigo. Caímos eu e as minhas intenções piegas.
Era hora de adentrar a casa, vestir aquele pijama preto de alças, curto, confortável. Que você adorava. E respirar fundo. Foi quando olhei o retrato caído na última prateleira do armário, escondido entre a caixa verde (onde ainda guardo todos os presentes) e as roupas de dormir. Sorríamos sinceramente, com o coração. Nostalgia. Não demorou muito mais que 10 segundos para que eu desviasse os olhos ao espelho e entendesse: A menina da fotografia que lhe arranca sorrisos não sou mais eu. E tudo fico claro, claríssimo...
Que tolice a minha, depois de tanto tempo ainda crer - insistir-em-crer-gostar-de-crer - que você esperaria de uma pessoa a prática do uso correto do mas e do mais, das quatro formas de escrever por ques, a valorização da própria criatividade em detrimento das tentações do plágio em depoimentos. Que tolice a minha, crer que você admiraria em alguém as pequenas censuras sinceras: no duplo sentido de recados enviados, numa pureza honesta, numa virgindade a zelar, num pai rígido a respeitar, em horários para chegar.
Quanta inocência a minha, acreditar que tu procurarias em alguém o que esperou de mim. Que equívoco pueril crer que o amor, o gostar, o querer-bem, o "ser feito feliz" depende de critérios tão específicos quanto os que um dia lhe atraíram, porque eu os possuía. Nós não nos apaixonamos pelas pessoas que cabem na nossa forma definida de alma gêmea, não, embora até muito pouco tempo atrás eu relutasse em depositar esperanças no contrário.
Você não vai "voltar" a me amar porque sou melhor ou mais polida. Os teus encantos, em especial, advém do rearranjo de virtudes: Ora porque deseja - com a consciência - determinada característica, ora porque fecha os olhos para outras feiúras da personalidade que, em outras condições, você repudiaria.
Até muito pouco... não. Serei mais precisa: Até a noite de hoje, quis muito crer que seria possível ser amada no todo, com a tolerância aos piores atos e atribuição de rótulos heróicos às melhores condutas, como o confessar que te amo. Mas não é bem assim que funciona, na prática. Ama-se apenas por tudo que fica ao alcance da vista, nas vitrinas que só um relacionamento-fornecedor proporciona ao "consumidor".
Pus na cabeça e no coração que vou guardar comigo a segurança de ter te amado muito e a certeza de que o rio-amor, imenso, extenso, avassalador, não acabou e não acaba por aqui. Apenas mudou, mudaste, mudamos. Não sei mais de onde será a tua partida, tampouco a que horas se dará a tua chegada. O que digo, aliviada, é que o dia de hoje me trouxe uma porção generosa de sossego, já que com ele nasceram duas certezas:
A de que outro oceano provará o doce de tuas águas;
E a de que a mim sobrará, ainda e sempre, a nobre tarefa de agradar - espontânea - a quem vê pouca graça na constância, imutável, que nada arrisca por medo de sofrer.

Você, vocês?
Não sei, não vi.
Eu, permaneço aqui:
Com a mesma paz com que te deixo ir.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Quer vir pra festa, venha.

Sempre adorei festas, e as minhas festas sempre foram cheias de palavras. E as palavras, por si só, sempre foram recheadas dessas certezas momentâneas que vem e que vão tão precisas quanto chuva em dia de verão. Porque as palavras sempre adoçaram o amargo de estar só ou a solidão de estar mal acompanhada. E, em paradoxo, sempre deixaram ardente o que era doce demais. Uma proeza particular, porque há palavras que adoçam a vida, a priori, sozinhas ou acompanhadas de melodia. O problema é que as minhas festas de palavras começaram a receber gente inexperiente, desavisada dos meus carnavais. Gente que não estava preparada para o alto teor de embriaguez que as palavras dão ao meu festim. E, principalmente, gente que não era convidada. Mas eu não tenho vocação para expulsar penetra, não. Quer vir pra festa, venha. Mas pague o preço do ingresso, e não reclame se levar um pouco das minhas palavras nos bolsos, na memória, inoportunas. As palavras me custam caro. Sem demora, nesse esbanjo do que é tão meu, nesse leva e traz do que me compõe, eu poderia me cansar e parar de escrever. Assim, para agradar. Pra agradar quem quer que pudesse se sentir inseguro/espantado/atordoado de palavras. Mas ninguém é capaz de guardar certezas no bolso pra sempre. Então festejo.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

O próprio caminho


"Por que hás-de tentar ser como os outros, se estás condenado a ti? Para que hás-de rir, se, quando ris, a tua própria alegria sincera é falsa, por que nasce de te esquecer de quem és? Para que hás-de chorar, se sentes que de nada te serve, e choras mais as lágrimas não te consolarem, que porque as lágrimas te consolem? Se és feliz quando ris, quando ris venci; se então és feliz porque te não lembras de quem és, quão mais feliz serás comigo, onde não mais te lembrarás de nada? (...) Vem ao meu carinho, que não sofre mudança; ao meu amor, que não tem cessação! Bebe da minha taça, que não se esgota, o néctar supremo que não enjoa nem amarga, que não desgosta nem inebria. Contempla, da janela do meu castelo, não o luar e o mar, que são coisas belas e por isso imperfeitas; mas a noite vasta e materna, o esplendor indiviso do abismo profundo! Nos meus braços esquecerás o próprio caminho doloroso que te trouxe a eles."

(Fernando Pessoa)

sábado, 30 de outubro de 2010

Cartas pra você - "Me diz, o que é pouco tempo..."

Hoje faltou luz por uns vinte minutos. Perto da meia-noite. Tava sozinha em casa, então me pus a pensar e parece que, como diz aquela outra música, toda vez que falta luz o invisível nos salta aos olhos. Acendi uma vela com cheiro doce das que ficam de adorno na estante e que a gente pensa que nunca vai ocupar, mas ocupa. Foi o que bastou para encontrar um caderno e começar a escrever à moda antiga...

Gosto de você, e acho que isso é um ótimo começo para partirmos à análise de qualquer coisa. Descobri comendo um X-calabresa, há cerca de uma semana. Nunca tinha descoberto como se devia amar alguém enquanto comia hamburgeres e digeria presuntos-pepinos-milhos-queijos e pães e calabresas, mas foi assim que ocorreu. Tava sentada na lanchonete da praça, de frente pro rio, quando ouvi dizer que, quando gostamos, devemos valorizar o que o cara tem de bom, dando ombros para as imperfeições. Foi o início dessa semana tão agitada, que eu jamais poderia prever que fosse acabar tão tranquila, tão bem. Parei de chorar. Tudo tinha razão de ser.
Na segunda, achei que você devia saber que ainda te amo. Acordei inspirada e te fiz um texto de bem mais que uma página destas. Sincero. Na terça, teu coração, quase comovido, achou irresistível vir falar comigo, e eu, apressada, nem soube como responder. Na quarta te dei um tempo de mim e analisei cada ensaio de beijo que se foi pra nunca ser. Na quinta te senti distante, na sexta tive certeza. Hoje pela manhã chorei, choramos. É que o teu chorar ultra-agiu, e eu senti no meu choro todos os choros que você derramou desde que parti. Eu sou você, às vezes.
Hoje à tarde, pensei em duzentos jeitos de te provar que eu quero ser tua outra vez, confiante, honesta, de mãos limpas. E já de noite, escrevi. Faltou luz, sobrou amor. Agradeci aos trovões e à companhia elétrica por poder te confessar pelas letras, quase em tom de segredo - às sombras da chama que ainda queima - que te quero bem mais do que pode explicar o meu parco léxico. Sei dizer que a nossa história daria um livro. De romance. Dos bons.

Muito obrigada por ler. Obrigada por escrever e ler.
São semi-intenções de dizer que te amo. Sou feliz, imenso, por você existir.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Meia volta, volver.

Estamos de tal forma... não, unidos não é a palavra.
Estou a tal ponto ligada que dei para admitir que o que era para ser eu virou você, de forma recíproca. Não espero que você entenda. Só me deixa dizer que de repente, bem mais que de repente, invertemos tudo aquilo que nos era permitido tornar contrário. Falhamos no teste fundamental do manter-se vivo na ausência, o que me parece inteligível de sua parte mesmo a certa distância. Principalmente com essa distância. Eu, mestre em quase todas as ironias, não sei o que me provoca essa vontade de te mostrar que eu posso ser melhor, e se apostar em algo, ainda que ironicamente, estarei mentindo.
Mas anota no teu caderninho: Faltou escrever que eu recuperaria essa capacidade de chorar a qualquer tempo. Faltou assumir minha desonestidade com o teu querer, faltou gritar que eu não descanso um minuto de te rememorar tão longe, e faltou dizer que eu acreditei todas as vezes, em cada instante em que você me dizia que amava pra sempre, às vezes. E é por isso que te amo e que te espero voltar. Porque você dizia com a boca e eu te sentia com o olho.
Não entendo nada de amor, nada, nada mesmo, percebo agora. Entretanto, se é que um dia entendi, foi por tua causa, tua mea culpa, mea tua culpa, mea culpa tua. Aprendi que se deve ser paciente e esperar por si, em si. Se eu mudar de endereço, daqui a uns anos, vou lhe avisar. Não precisa querer, assim, como quem quer muito alguma pessoa ou alguma coisa, mas queira um pouco saber de mim e, principalmente, me dê ouvidos. Estou esperando de braços descruzados, sentada no meio-fio, pedindo carona, torcendo para que ninguém me dê.
É que você pode não saber o dia de amanhã, mas eu quero prevê-lo crendo que um dia você voltará. Ou espero que volte, quero crer que vai querer voltar, e incrédula eu perguntarei se foi o amor que te trouxe. Você dirá que foi a dúvida, o caminho incompleto, o querer-ser do quase - pois se houvesse qualquer resquício de certeza, você não me perdoaria - e eu vou levantar e te dizer que sou nova, muito nova, muitas vezes, novíssima, e que você tem quantos séculos desejar para descobrir o que é capaz de nos unir, o que uniu e o que unirá. Mas talvez você logo não queira. Aí não tenho o que fazer.


Quando ele vier, porque é certo que vem,
de que modo vou chegar ao balcão sem juventude?
A lua, os gerânios e ele serão os mesmos
- só a mulher entre as coisas envelhece.
De que modo vou abrir a janela, se não for doida?
Como a fecharei, se não for santa?
Adélia Prado

sábado, 23 de outubro de 2010

Mas que merda! Chega dessa palhaçada!

Não se ofenda.
Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.

Um dia me abduziram, sabe? (Claro que sabe. Não se faça de tonto, não) Disseram que eu pertencia à Terra, esse lugar onde as pessoas de 12 a 25 anos (às vezes mais) não se importam com nada. Nada mesmo. Não se importam com nada, nem com o que lhe diz respeito. Um universo de pessoas que querem curtiiiiiir qualquer coisa ou pessoa, uhuuuuul, animaçããããão, aproveitaaar muitoooo, bebidas, sorrisos embasbacados, beijos em bocas mais ou menos rodadas, futilidades, ou talvez, o que é pior: amores mágicos da noite pro dia, mas tudo em larga escala.
Me trouxeram pra esse lugar onde ir para a cama com alguém não significa absolutamente nada, onde usar qualquer droga é como comer feijão com arroz, onde ser burro como uma pedra não faz diferença nenhuma. O negócio é beijaaaar, ou daaaaaaar, ou namoraaar muitas pessoas, qualquer uma, ou bebeeeeeer, ou fingir que tudo está óóóóóóótimo sempre. Muito bem.
O problema é que esqueceram que no meio dessa zona toda tô eu. E que eu sou de Marte. E que lá o negócio é diferente. As pessoas aqui na Terra parecem se esquecer que eu não quero ouvir quantos elas beijaram em uma noite de Oktoberfest (e foram mais de DEZ!), que eu não quero ver fotos de gente bêbada muito feliz com suas caras de feliz a qualquer preço (custe o que custar!), que eu não quero ser a outra, que eu não quero que minha companhia seja dispensável em detrimento da moça que é dada ou que oferece certa demasia em estabilidade, que eu não quero vomitar de tanto álcool, que eu não quero voltar de uma festa fedendo a fumaça que jogam pro alto pra provar que são sabe-se-lá-o-que, que eu não quero estar perto de gente que acha o máximo usar regata pra mostrar a tatuagem e os músculos, que eu não tenho saco pra conversa mole de oi-como-tu-te-chamas-quer-ficar-comigo, que eu não admiro gente vazia, que eu não aguento cena de gente porca e medíocre, que eu não quero ter que me contentar com pouco porque o mundo todo ri às pampas de tudo que eu não acho graça.
Eu não sou assim, ainda que não seja fácil não ser assim numa madrugada com o cabelo fedendo a cigarro, as unhas roídas e uma lista de contatos babacas, acéfalos, comprometidos, desinteressantes ou ocupados demais com pequenezas terráqueas. A Terra, percebo muito a contragosto, é desses meia-bocas. Um marciano legítimo se inquieta com meia-bocas, pois sabe que a galáxia é muito maior. E, infelizmente, os marcianos estão em extinção. Só sei que não se acabaram porque, longe dos espelhos, EU ainda me sinto uma alienígena nata.
Outro dia se espantaram com os meus tantos meses de solidão. E os humaninhos idiotas, já seguros de si, me dirão que a culpa é minha. E é verdade. Talvez eu tenha pedido para ser abduzida, como poucos o fazem. Em todo caso, para efeitos de redenção, proponho uma embaixada de Marte aqui na Terra para todos os rubroplanetários que andam enojados de todas as coisas, cansados dessas estrangeirices, espantados com a tolice manifesta da exacerbada maioria da população desse planetazinho de quinta que quer nos naturalizar pela pressão.
Queria saber me camuflar no senso comum, mas é na minha vontade de isolamento que a palavra MARTE se imprime em letras garrafais em minha testa enquanto vago no meio das gentes. Que seja assim, então. Nada como uma órbita depois da outra.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

O que era? O que era?

Era colorida porque essa é a cor das luzes de festa. Condensada, eu podia vê-la. Vista de longe, tinha infindos atributos e variações. Azul-céu, vermelho-batom, roxo-vinho. Caleidoscópica. Tinha o cheiro do perfume importado que escolhera para atrair qualquer maluco que se dispusesse ou não a encontrar a mulher dos sonhos antes da meia-noite. Era ouvida porque os decibéis da música popular brasileira esgotavam o admissível sempre que se sentia só no meio das virtudes. Era sentida, não sem certo remorso, ao tatear as mãos sem sinal de compromisso.
Eu já tinha elementos suficientes. Podia ser só sua.
Fui descobrir, em tempo, que ela era ingrata, quando perdeu o rumo e contornou-me o nariz encontrando a língua. Era salgada. Distante, os leigos poderiam chamar do que quisessem. Talvez chegassem todos em uma conclusão de três sílabas. Por ironia, começariam com a mesma letra. Mas a resposta da charada era una, pois inconfundivelmente minha e consoante a mais. Não tinha dúvida. Só eu sentia o gosto. Não era lágrima. Era liberdade.

João, Maria e Martha

Minha vida amorosa tá bem pra história de João e Maria: Sair sozinha procurando sabe-se lá o que, se perder na floresta, procurar as migalhas deixadas pra voltar. Infeliz de uma passarinha, comeu. Enxergar no bruxo do abrigo feito de doçuras uma esperança razoável. Continuar, pois, aprisionada. Contudo, se engana quem pensa que o felizes para sempre é a última página.

Então ela desfez-se da arrogância: “Nem sei com que pernas cheguei até sua casa, achei que não teria coragem. Mas agora que estou aqui, preciso que você saiba que cada música que toca é com você que ouço, cada palavra que leio é com você que reparto, cada deslumbramento que tenho é com você que sinto. Você está entranhado no que sou, virou parte da minha história. Eu gostaria de viver com você, mas não foi por isso que vim. A intenção é unicamente deixá-lo saber que é amado e deixá-lo pensar a respeito, que amor não é coisa que se retribua de imediato, apenas para ser gentil. Se um dia eu for amada do mesmo modo por você, me avise que eu volto, e a gente recomeça de onde parou, paramos aqui."
Martha Medeiros



(...) Se despediu brevemente, evasivo.
Foi quando fechei os olhos e meu coração sorriu: Ele, é claro, também sentia.

domingo, 17 de outubro de 2010

Rumo, má fé e (in)validade

Certo dia seria perguntada sobre uma coisa muito difícil de se responder. Eu perdendo o rumo? É a má fé de Sartre em pessoa. E dando tudo pra ter uma consciência de si mesma que, sabe-se lá se, um dia, eu tive. Perder o rumo é, incertamente, ter certeza que algumas coisas precisavam ser ditas mas o prazo de validade delas já expirou há muito (ou pouco?) tempo!

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Escapismo/Dinamismo

Não sei de fato para o que servem os feriados estendidos e os dias santos no meio da semana. Sou capaz de fazer algumas suposições. Talvez sejam destinados a companhia da família, a festa no interior do interior (com direito a aniversariante vestida de princesa e gentes de todas as tribos), a saber novidades da tia Carmen, comer sorvete na panificadora do Scheller, desligar o celular, rir com gente querida. Mas acho que tudo faz mais sentido ouvindo o jornal com as notícias sobre mineiros esperançosos no Chile, um dicionário em distância estratégica ao alcance das mãos, uma musiquinha baixa tocando, as vozes das visitas, uma formatação do trabalho da amiga...

Uma suposição incontestável de que devia abandonar as coisas que me acompanham há quase meio ano e que não vão mudar, porque vêm das suas mais de duas décadas. Vamos encarar as coisas com otimismo. Ao menos, não consigo mais chorar. Ao mais, vocês sorriem na janela permanentemente aberta - e sorriem de um jeito todo especial, para mim. Digo rindo que vocês são feitos para durar... Ops! Acho que me repeti, mas penso que você não vai se importar.

Pobre de quem não consegue escapar do lugar-comum que é rotular pessoas...
...como monótonas...
... quando elas são verdadeiramente previsíveis.

Dois dois

Acho que vou morrer na ignorância. Bela evolução dos tempos estão me oferecendo. Querem acabar com os arrepios espontâneos na espinha, os desejos saídos sabe-se lá de onde, de contrariar as leis da física e fazer com que dois corpos ocupem o mesmo lugar no espaço; querem acabar com as entrelinhas, as expectativas, o dar-se por inteiro, seja lá como for. Deixem em paz os meus vinícius, pessoas, quintanas, florbelas e drummonds. Eu não quero a modernidade entrando goela abaixo com seus impulsos mecânicos, desejos fabricados, artificialidade de farmácia. Deixem-me na antiquação dos que preferem pular na piscina sem saber se tem água, correndo o risco de se afogar ofegante numa paixão mal resolvida, a criar um sentimento testado e aprovado pelo Ministério da Saúde. Repito Caio F. Abreu: "Não sei, deixo rolar. Vou olhar os caminhos, o que tiver mais coração, eu sigo." por Nathalia Duprat

sábado, 9 de outubro de 2010

Escrever e Vomitar

Vomitar. Palavra feia. Mas já falei de ser mosca, não me custa falar sobre vômito. Escrever é muito parecido com vomitar. Repito isso há dias. Es-cre-ver é como vo-mi-tar. Digo porque vai-se embrulhando o estômago e os sentidos até chegarmos em um ponto de uma espécie de náusea tonteante a qual, enquanto não se escreve, engasga-se feito azeitona de empada entre a faringe e o esôfago! Cada um reage de um jeito. Eis algumas das maneiras mais habituais: Ou vomita, ou se acomoda, admitindo que não é tão ruim ter uma sensação de desconforto dentro de si. Há também, por conseguinte, aqueles que engasgam pra nunca mais desengasgar. Ou ainda os que nasceram engasgados e assim morrerão.
Aos vomitadores de plantão, afirmo que compadeço do distúrbio, como bem se nota. Primeiro vem a ânsia, e depois a constatação de que os componentes do alimento não poderão ser digeridos com facilidade. Danou-se, preciso vomitar e reestabelecer a sensação de alívio do jejum. E mastigamos mal tanta coisa... Impossível não reparar. Sorvemos inteiros, como água, cotidianamente, os pedaços gigantes de coisas de outros. Comemos coisas de outros e seu gosto parece razoável. Por isso, embora não me orgulhe, considero que é impossível vomitar algo cem por cento nosso. E mais... Raras exceções, você sempre olha para as porções de bolo alimentar com suco gástrico e sente vergonha por ter posto aquilo pra fora. Vezenquando chega a negar autoria de assombroso comportamento. Vomitar pode parecer feio. Eu - para ser franca - só não sei é como alguém pode sobreviver, nos dias/noites/madrugadas de hoje, abstendo-se da bulimia de redações, do regurgitar quase imediato. Acho válido objetar. Alguns dirão que sou caduca e os caducos como eu concordarão:
No vômito e na escrita, você mira no impossível e lança (habitualmente) algumas parcelas que se convertem em uma. Para se sentir limpo, aliviado, livre, novo. Lança torcendo para que o odor não seja de todo ruim, ou, quando seja, não fique impregnado em você, nos outros. Para que ele não tenha efeito "vinculante" sobre seus próximos vomitares. Mas não adianta! Quando não fica o cheiro, fica o gosto. Quando não o gosto, o esgoto lembra. Alguém sempre lembra. Vale memorizar.
E é por esta e as outras que escrever, para mim, hoje, é como vomitar. Pode se esquecer do quando, do onde e do como... Nunca do por que.

Caio sempre!


“Mas não vou ceder. Foi a ultima paixão. Paixão é o que dá sentido à vida. E foi a última. Tenho certeza absoluta disso. Agora me tornarei uma pessoa daquelas que se cuidam para não se envolver. Já tenho um passado, tenho tanta história. Meu coração está ardido de meias-solas. Sei um pouco das coisas? Acho que sim. Tive tanta taquicardia hoje. Estou por aí, agora. Penso nele, sim, penso nele. Mas não vou ceder. Certo, certo: ninguém tem obrigação de satisfazer ao teu desejo, pela simples razão de que você supõe que teu desejo seja absoluto. Foda-se seu desejo, ora. Me dói não ter podido mostrar minha face. Me dói ter passado tanto tempo atento a ele — quando ele nunca ficou atento a mim. E eu passei tanta coisa dura. Rita Lee canta “são coisas da vida…”
(Caio F. Abreu)

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Título: Eu queria ser uma mosca doméstica comum

Querida professora! A senhora perguntou que bicho eu queria ser e eu estou aqui pra lhe responder que eu queria ser uma mosca. Como o termo bicho, na minha concepção, é um pouco mais abrangente do que animal, as moscas parecem estar compreendidas neste conjunto. É bem verdade que pode parecer estranho uma menina como eu não escolher borboletas ou coelhinhos (aliás, por que a senhora não botou as moscas no exemplo pra gente escolher?) e é sabido que aos olhos da maioria as moscas são relativamente feias. Deve ser por isso que todos perseguem elas com mata-moscas, livros, almofadas e até umas fitas amarelas coladas no texto com cheirinho atraente. Mas enfim, eu queria ser uma mosca.
A segunda pergunta, que eu devo responder no segundo e terceiro parágrafo, é "por quê", tudo isso com base no meu conhecimento adquirido na disciplina de ciências. Bem, eu vou tentar explicar. As moscas me parecem formidáveis. Pequeninas, são ligeiras ao esquivar-se da perseguição de alguns humanos. E elas voam, como a senhora sabe. Eu me imagino voando. E elas cabem em qualquer lugar; Todo mundo já viu uma mosca presa entre as janelas abertas. Elas não se importam com a falta de espaço ou coisas supérfluas e luxuosas. Aliás, aonde é a casa das moscas? Eu não sei. Suponho que elas não se preocupem com isso, porque são livres. E eu ambiciono a completa liberdade de uma mosca. Ah! E já ia me esquecendo... As moscas tem uma visão muito ampla do mundo, mas não enxergam obstáculos. Pode parecer ridículo uma mosca confrontar um espelho, mas eu admiro muito a persistência. Elas também são simples, pois comem migalhas e não estão nem aí pra isso. Esta última informação até me faz querer esclarecer uma coisa: Queria ser uma mosca doméstica comum, porque moscas verdes me deixam um pouco nauseada. Sei que ambas se satisfazem de coisas que eu não me alimentaria, mas se eu fosse mosca e tivesse nascido mosca, acho que estaria acostumada. O problema é o verde. Minha vaidade não me permitiria vestir verde todos os dias. De fato, eu quereria ser uma mosca doméstica comum, preta básica.
Apesar de individualistas, as moscas podem achar companhia de outras moscas em qualquer lugar com um pouco de calor do mundo, a qualquer momento. Não tem consciência e, portanto, não são seletivas. Deve ser agradável ter despreocupações sociais, culturais, alimentares, reprodutivas - seja lá o que isso quer dizer. As moscas simplesmente vivem e não se preocupam com muita coisa, eu suponho. Isso me faz lembrar que eu perguntei a dois amigos o que eles responderiam nesse texto que a senhora pediu. O Luis Gustavo, que senta do meu lado, disse que ele queria ser qualquer coisa que voa e come carne, e eu pensei que nós dois poderíamos ter nascido moscas. Depois refleti melhor e acho que ele deseja alçar voos mais altos. Mas ignorante que sou, eu não conheço um outro bicho bonito e inteligente que voe e coma carne. Que seja. Já a Franciele, que senta atrás de mim, disse que queria ser um cachorro malandro e despreocupado, e quando eu pensei que se eu fosse mosca eu sobrevoaria o cocô dela, isso me fez desistir de querer saber a resposta dos meus outros amigos e, convicta, permanecer fiel aos meus princípios de querer ser o bicho que escolhi.
Por último, vou confessar à senhora que acho as moscas uns bichos muito autênticos. Este é o maior pró de suas existências. Sou muito curiosa e me agradaria não ter que disfarçá-lo. Adentraria cozinhas dos restaurantes que agora frequento, irritaria a senhora e todos os chatos que eu não gosto enquanto servissem o almoço para as visitas, pousaria sorrateira nas seções secretas dos pais dos meus conhecidos e, finalmente, colocaria a máxima do Carpe Diem para funcionar em sentido integral. O mundo teria nojo de mim e eu sorriria faceira com minha boca de mosca, sabendo estar representando primorosamente a minha espécie. Tudo isso porque, não raro, eu viveria esta vida incerta em torno de um mês. O que, convenhamos, é tempo suficiente para se desfrutar todos os prazeres de ser uma mosca doméstica comum. FIM.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

"O dia" ou: Os maravilhosos mistérios da madrugada


Contudo, um dia seu coração vai... Sei lá, apertar. Ficar maior que o seu peito. Exatamente como tem ficado há dias, sem que se dê conta. Vai passar a euforia, o início vai virar meio. Você vai perceber que por mais que você tente enxergar em outro rosto e procurar em outro gosto, o meu tom é inconfundível. Sem as modéstias falaciosas, ninguém vibra na minha frequência. O meu lugar já muito pequeno, tímido, esquecido, mas ainda insubstituível. Ternura. Perceberá uma parcela considerável de ternura que não se sabe de onde vem. Você pensará para trás e não a verá. O passado, como sabemos, é escrito a caneta e, por isso, é impossível que tudo aquilo se repita ou apague. Eu sei. Você saberá melhor do que eu, quando chegar a hora. Enquanto não, vamos vivendo. Assim, imitando a paixão que um dia tivemos, o amor que um dia fizemos, o sentimento arrebatador que vivemos. E talvez, quando você me encontrar por acaso, se for uma madrugada fria e atípica de outubro/novembro/dezembro, seu coração, bem talvez, ligue o alarme. Sirenes. Sinais. Não precisa me contar, não, basta sentir. Você sentirá. Comemoraremos a falta silenciosa que lhe fazem todos os mistérios que só você desvendou em mim. E a ausência das minhas pernas, dos meus abraços, os meus cabelos, o meu sorriso. Não é mais o meu sorriso. Não tem mistério. Não são os meus olhos. Basta você fechar os seus para descobrir. E é inquietante, não se acomoda. Com efeito e ênfase. Inquietante que não se acomoda. Desviarei a visão pro fundo da sua alma que abriga um coração apertado e terei a plena certeza de que chegou o nosso dia. Quando sangra, instantaneamente, o corte parece não produzir grandes efeitos. Mas com o tempo, embriagados pela assustadora sensação que traz a madrugada, não há ferimento indolor, que não doa, que não tenha doído, que não doerá. Um dia, vai chegar o nosso dia.

Ligue, ligue, ligue, ligue, ligue para mim.
Diga, diga, diga, diga, diga que me ama
que eu não vou mais implorar...
Se quer saber, deixa estar
Digo que não ligo, mas não vivo sem você!
Eu falo, não me calo, tiro sarro
só pra ver se eu consigo despertar o seu amor
Deixa estar...
Eu sei,
que na verdade eu não consigo entender o nosso amor
Que o teu silêncio fala alto no meu peito
E que nós dois estamos juntos na distância
discrepância do destino...
Ziguezagueando zonzo de te procurar,
eu tranco no meu pranto canto alto de euforia
que eu queria te cantar.
Guardo pra mim, deixa estar...
Sei que fez um mês entre vocês, de união
Pouco, muito pouco, quase nada
Nesta estrada você está na contramão
E a solidão? Deixa estar...
Vocês vão aprender que nessa vida
não se pode mais errar
Vão descobrir que entre as estrelas
e o chão
existe o mar...
Aí então a euforia, um belo dia, vai passar
E cairá sobre seu mundo, num segundo, a traição.
Deixa estar!
Los Hermanos

sábado, 2 de outubro de 2010

Perguntas

Chovia. Eu tava doida pra te perguntar uma coisa, pouca coisa, qualquer coisa. Mas o que? Afinal, o que é que eu ainda precisava saber a seu respeito? Como? Onde? Com quem? Talvez não exatamente. Estes eram questionamentos que não me levariam muito longe.

Perguntaria se você ainda me lê. Isso. Impactante. Assim mesmo:
- Você ainda me lê? Mas, sem mais, sem menos, você poderia me responder que o "ainda" está desconexo do contexto, vagando nas minhas frases. Ora, ainda o que - não é? - se nunca fomos! Depois arriscaria, mentalmente, uma pergunta nova:
- Foi de verdade? Mas que tempo verbal mais traiçoeiro, dizer que "foi" é quase admitir que "não é", quando pra mim o presente pode existir. E isso seria demais pro meu orgulho. Ou quem sabe:
- E quando chove e você ouve as músicas que eu gosto, lembra de mim? Mas é claro que, ainda que lembrasse, você não assumiria. Pensei mais longe:
- Você me amou? Mas que pergunta mais idiota! É óbvio que não é necessário saber nada disso. E mais... Quem usa a palavra amor como quem troca de roupas, nessa história, sou eu e não você. Um tanto prolixa, possivelmente eu fizesse a tentativa de indagar:
- Está me evitando porque não é importante preocupar-se por tão pouco, ou propositalmente, pra me ferir? Ruim. Quando crendo na afirmativa, eu engasgaria no segundo termo da proposição. Simplifiquei:
- Você tá feliz? É claro que tá. Essa pergunta é batida no repertório de quem espera uma resposta surpreendente e nunca a tem.
- Se arrependeu? Não, isso eu não posso questionar, porque se você for honesto eu vou morrer na sua frente, com causa mortis "sincericídio agravado por decepção".
- E saudade? Você tem saudade de ter minha atenção? Mas antes, eu precisaria conseguir definir esse termo tão complexo, impossível.

No fim, nunca resta muito a saber. Não sobra espaço para perguntas e nem tempo para as respostas. Ambas, aliás, desnecessárias. A gente se sabe de cor. Sabe tudo. Salteado. Inteiro. Previsível. Com todas as dúvidas. Observe: Fugimos da interrogação enorme que nos causamos. E, além disso, chove.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Uma madrugada doentia e um (breve) relato meramente desnecessário

De saco cheio. Expressão que designa um estado psicológico de falta de ânimo frente à necessidade de insistência em determinada ação.

- ópera -

São quase duas da manhã e todos dormem. Estou estudando para uma prova de Psicologia Jurídica. Fiquei impressionada com as últimas notas abaixo de nove e decidi me doar pra valer a esse negócio nomeado faculdade, o que inclui passar madrugadas "em claro". Até o fim do semestre quero retomar os dez'es com três ou quatro estrelas a que estou habituada, por meritocracia (como andam dizendo os políticos) e, enfim, a dedicação faz parte desse show. Mas, meu caro, antes este fosse o motivo do post. Só que: O problema é bem outro. Estudando para a minha prova de logo mais à noite, descobri que estou doente. Muito doente. Chama-se transtorno de personalidade limítrofe, ou Borderline. Preencho muitos critérios do texto imenso que consta na Wikipedia. Diria boa parte das frases citadas lá como "Pensamento Borderline", se você quer mesmo saber. Isso é sério. Oscilação intensa de humor. Má conduta. E, alguns parágrafos abaixo (nem cheguei à guia "Tratamento") descubro um agravante: Transtorno de personalidade histriônica. Lá vem a Wikipedia relatar, com precisão, muitos dos meus sintomas. Agora já são duas doenças. Começo a tossir sentindo a imunidade debilitada. E digo mais! O hyperlink "Narcisista" constou do estudo. E eu via a minha cabeça no corpo do Hermafrodita de Mazarini, logo depois de ler que isto também é um estado patológico, e não mera condição. Volto à pagina inicial. Google e a imagem em comemoração ao cinquentenário dos Flintstones. Digito "Freud pai da"... E agora? Psicologia ou Psicanálise? Vacilante, deleto tudo e escrevo outra vez: Só "Freud", nesta última. Inovações-divã-cocaína. Até aí, ainda que ok. Ok o que? Libido não tem acento? Nunca precisei escrever libido em editores de texto com correção ortográfica. E os humanos nascem polimorficamente o que? Perversos!? Chega de Freud. Já estou doente mesmo... Não quero saber que nasci poliformicamente... Droga. É polimorficamente. Você entendeu. Google. Gestalt. As figuras dos slides da professora convidando a clicar em imagens. Resisto. Wikipedia. Psicologia da forma. Wundt. "Uma cadeira é mais do que quatro pernas, um assento e um encosto." What? Não me venha com imagens subliminares. Quero estudar para a minha prova. Lembrei da caixa dos ratinhos. Skinner. Behaviorista. Eita palavra difícil de encontrar pronúncia pacífica! Não sei a origem dela. Anotação mental: Procurar origem geográfica do Behaviorismo. Enter. O que? Esse cara se chama Buhrrus? Assim, tão parecido com burros? A fonte etimológica é mesmo fundamental. Anotação ao lado de "Procurar origem geográfica de Behaviorismo" = Importante. Muito bem. Podemos prosseguir. A vida de Skinner. O cara se confessou rebelde declarado no último ano de faculdade? Não acredito. Prossegue. Elementar, meu caro Watson. Behaviorismo tem tudo a ver com o tal do Watson. Vou precisar lembrar disso na prova. Seguida. Experimento com pombos. Esses caras realmente acham que vão entender sobre mim por um experimento com um pombo!? E, mais do que isso, a professora disse que a caixa era com ratos, não mencionou penas e asas. Descoberta importante. A caixa de Skinner tinha luzes e comida, e pombos. Críticas. Referências. Ver também. Hm, ver também com link para Behaviorismo parece adequado. Clica. Termo americano, termo inglês. Comportamentalismo. Parece mais fácil de lembrar, apesar das dezoito letras, se é que a minha matemática está funcionando. E introspecção é um bom termo. Para relacionar a psicologia, por exemplo. Ok. "Abandonar, ao menos provisoriamente, o estudo dos processos mentais para o comportamento observável". Vamos encarar a casquinha como objeto de estudo em detrimento do recheio. Arriscado. Neobehaviorismo mediacional. Nome complicado. Coisa pra psicólogo. Pula o item. Um rato sabe o caminho para o alimento em uma caixa de Skinner. Ratos ou Pombos? Questão controversa. Maldita fonte de pesquisa. Amaldiçoada seja a democracia wikipediana. Vou pela professora, que falou em ratos. Mas acho que ela disse acho. Acho que eram ratos. Parece tão confiável quanto a Wikipedia. Que seja. Google. Olhadela na tela de contatos do msn. Interessantes offline, interessantes com status "dormir", interessantes... Prova de Psicologia. Bipolar. Sempre quis saber mais sobre isso que eu digo que sou toda hora, sem diagnósticos. Digito. Dessa vez, o primeiro resultado é um site novo. Psicosite. Parece ruim. Imagem mal editada. Anúncio de um livro sobre Transtorno Borderline. Lembro da minha doença e as pálpebras pesam, talvez por isso. Leitura. "Provavelmente nos próximos anos surgirão novos subtipos de transtornos afetivos". Raios. Já não me basta ter de estudar tão adoentada, e nos próximos anos o meu conhecimento estará obsoleto? Ninguém merece. Bipolar não é o que eu pensei que fosse. Insistirei em usar o termo a meu modo subjetivo, em todo caso. Espiada na caixa de entrada do Gmail. Nada. E quem seria louco psicologicamente transtornado de me enviar um e-mail às quase três da manhã de uma quinta-feira como essa? Por quê? Nem Freud explica. Maldita libido sem acento. Ctrl+Schift+N. Janela anônima do Chrome. Qualquer novidade a respeito... Nada. Tentativa frustrada. Eu te odeio, não me abandone. Pensamento Borderline. Alt+F4. Google. Psicologia Moderna. Termos gregos. Muitos. Personalidade. Depressão. Comportamento. Mais do mesmo. Resumão da madrugada. Estruturalismo. Funcionalismo. Perspectiva. Perspectivas. Alcanço o caderno do criado-mudo. Acho o termo criado-mudo estranho. Abro. "A psicologia surge com as ciências humanas para examinar, medir, analisar e classificar os diferentes dispositivos organizativo-administrativos que individualizam os homens - seres sensitivos, perceptivos, emocionais e volitivos." Não entendi nada. E acho que vou vomitar. Deve ser a doença. Revisando Galton, Lombroso e Pinel. Google. Pinel. Bingo! Há relação entre o termo vulgar, no Brasil, e o sobrenome do cara. Como era de se esperar. Google. Patologias psicológicas. Brasil Escola ponto com. Susto. Já tive oito das catorze patologias citadas. Ou pelo menos achei que tive: Ansiedade, Bulimia, Claustrofobia, Depressão, Doenças psicossomáticas, Hipocondria, Histerias, Neuroses, Síndromes maníacas, Transtorno bipolar. Pera aí, são dez. São dez, algumas no plural, acrescidas das já detectadas ao longo deste aprofundado, meticuloso e imparcial estudo.

- resumo da ópera -

São quase quatro da manhã, agora. Talvez eu sobreviva até a próxima noite para responder questões discursivas
, talvez não. Talvez surte de vez, tão enquadrada em tantos posicionamentos teóricos contrários que eu estou. Wundt, Watson, Galton, Skinner, Lombroso, Freud-pai-de-todos, o mindinho e até o fura-bolo. Estes e todos os outros. São muitos os transtornos que eles criaram para mim, e inclua-se na lista a bendita prova que - no auge das minhas enfermidades - parece agora insignificante. Ironias à parte eu descubro, para me repetir nas metáforas, que estou para a Psicologia Jurídica (e para todas as infinitas outras áreas de atuação de um psicólogo) como um cavalo marinho está para o deserto.
Destarte, me fecho para toda teoria. E abraço. Minha idiossincrasia.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Matando coelhos com paragrafadas

Ei de lhes contar, pois, a minha proeza da noite passada. Preste atenção. Eu estava deitada de bruços com os olhos semiabertos. Desvio, mínima, os pensamentos para o resto do quarto e a espinha gela. Afasto largamente as pálpebras e, em grau assombroso de dilatação de pupila, avisto – iluminado por um feixe difuso de luz – o algoz daquela experiência. Meu coração começa a bater mais forte e eu giro a barriga para o alto, confusa, a fim de refletir a respeito da olhadela dada. Paro para pensar no ser cruel e estranho que me tornei, achando normal toda aquela composição da cena nitidamente assustadora.

Foi a centésima vez que notei sua presença noturna e, pasme, não me importo mais com isso. Já não o vejo mais como da primeira vez, respeitosa de sua imponência, temerosa de sua compreensão propositadamente dificultada, curiosa de sua história. Eu o vejo como um monstro a ser devorado, ou um dragão a ser vencido, um jeito de se dar bem na vida: Com duplo sentido. Dito de outro modo – vi agora, já, nessa noite, em várias outras, o que programadores veem ao ligar suas máquinas, o que costureiras veem ao sentar em suas cadeiras, o que cabeleireiras veem ao tatear suas gavetas, o que mecânicos veem ao abrir suas maletas: Um meio de chegar ao sucesso. Uma forma de prosperar. Uma ferramenta. Que será trocada quando for conveniente, mas que antes desgastará, puirá, anacronizará, envelhecerá. Hoje olho nos olhos do vigor – físico – que ele não ostenta e só pondero sua eficácia, sua legitimidade. Eu sou como “os meus”, afinal.

Ah! E também enxergo nele o veneno com o qual meus oponentes tentarão me fazer convalescer. E o carrasco está tão descaradamente presente, dessa vez! Ele me ocupa pelo menos um dia da semana. Poderia estar entre os outros, é bem verdade, disfarçado de comum, jogado às traças. Poderia estar dentro do armário, ou junto com os mais importantes. Mas nessa noite, nem uma coisa nem outra. Estava lá, sorrateiro, iluminado por precário resquício de iluminação pública vinda da rua, encarando minha vã filosofia pré-sono na madrugada, velando os meus pensamentos em todo o muito que eu era há uns sete meses atrás. E no pouco que sou agora, em sua presença.

Olha lá, mire bem, mas veja com frieza!!! Você precisa concordar. Com efeito, é óbvio que tão somente eu o fito nessas circunstâncias atuais, à noite, a sós, indefesa. Mas desejaria que você pudesse enxergá-lo sob a luz de tudo que vivi nos últimos tempos. Aposto que também perceberia, arrisco dizer com muita clareza, que ele é uma das causas e efeitos de todos os testes vocacionais que nem fiz. Um produto. Da minha vontade de reviver a semana de boas-vindas no ingresso à faculdade, minha expectativa para ir à primeira festa acadêmica, minha euforia ao subir as escadas da Unidavi como quem sobe um palácio, minha ideia de que poderia ter sido diferente, minha saudade de ser a novata estupidamente preocupada com absolutamente tudo que eu fui, com orgulho (até para o que eu não precisava) nas primeiras semanas. Vendo-o com os óculos de agora ele significa só um símbolo distorcido da inocência com que eu o respeitava até certo tempo. Ele ali, estático, cheio de palavras repetidas e a mercê das minhas interpretações, só denota que tenho saudades, de ser caloura, por exemplo, nos cem mil sentidos genuínos que a palavra pode possuir.

Estou falando que o que eu senti ontem à noite foi dúvida misturada com nostalgia. Talvez você tenha se enganado logo de início, esperando emoções lascivas ou aventuras amorosas. Nada mais e nada menos a relatar sobre, contudo. Está concluído o raciocínio: Ele não é, nem de longe, um Johnny Depp com síndrome de maníaco do parque, me olhando dormir, nas trevas, esperando para atacar. Quando muito, ele é um Código Civil na mesa de cabeceira. Desafiador. Isso mesmo. Está dito. Só um Código Civil. Mas me fazendo pensar... O que muda a coisa de figura.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

"E que a minha loucura seja perdoada..."

"Pretendeis misturar o fogo com a água, pois a Loucura e a Prudência não são menos opostas que esses dois elementos contrários. — Não obstante sentir-me-ei lisonjeada por vos convencer disso, desde que continueis a prestar-me vossa gentil atenção. Se a prudência consiste no uso comedido das coisas, eu desejaria saber qual dos dois merece mais ser honrado com o título de prudente: o sábio que, parte por modéstia, parte por medo, nada realiza, ou o louco, que nem o pudor (pois não o conhece) nem o perigo (porque não o vê) podem demover de qualquer empreendimento. O sábio absorve-se no estudo dos autores antigos; mas, que proveito tira ele dessa constante leitura? Raros conceitos espirituosos, alguns pensamentos requintados, algumas simples puerilidades — eis todo o fruto de sua fadiga. O louco, ao contrário, tomando a iniciativa de tudo, arrostando todos os perigos, parece-me alcançar a verdadeira prudência. "
Elogio da Loucura - Erasmo de Rotterdam

terça-feira, 21 de setembro de 2010

"Minha técnica negativista"

Acordei atrasada. Estudei coisas que, excepcionalmente, não entravam na minha cabeça. Não almocei, e choveu. Concomitantemente. Tive uma tarde longa, e entristeci. Quando tudo já parecia péssimo, mas eu mantinha o equilíbrio sobre as botas, veio a noite, derradeira, quando Matheus me disse: "Você já teve argumentos melhores" e eu desabei. Não no choro, embora desejasse, mas no desespero. Ele sabe pouco sobre mim, só que sabe o suficiente pra compreender que não se é rude por puro cansaço. E que não se ri abusadamente, solitária, sem motivo, a menos que se esteja em cacos. E Matheus sabe disso não porque é especial, embora seja, mas porque há coisas que todos nós sabemos sem esforço. "É que já estive apaixonada", respondi. Ambos sabíamos o que aquilo significava. Estar apaixonada é um estado de graça. E, repito, ambos sabemos. Que eu não estou. Mas só eu tenho convicção de que isso não pode ficar fora dos meus planos ou as coisas perdem o sentido. Só eu sei o quão catastrófico é não ser a companhia da festa, e só eu sei o quão entristecedor é não ter alguém pra ficar sonhando acordada enquanto se olha o quadrinho de beijo com bordas de ilusionismo. E me resta o sono, tão confortante, tão acolhedor. Passado um dia tão ruim, ficou um gosto amargo de estar praticando a "técnica negativista" de Gustavo ao contrário. Ficou uma expectativa além da medida. Ficou o desespero. Ficou também a nota 8 que não é do meu feitio, um oco no estômago, um amigo sincero me dizendo sinceridades e um nó na garganta. Sem esquecer da certeza de que eu já fui melhor, é claro! Faltou dizer que ficou, por último, o anseio de gritar que quero a minha vida feliz, de direito, de volta. Apesar de não acreditar muito em truques de mágica.

Mas deixa estar, que essa tal técnica negativista não há de me falhar - ainda que tome dos meus olhos largas parcelas dos sorrisos.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Cachorros e faltas.

Estou aqui pra me redimir da metáfora imprópria sobre os cachorros na noite de ontem. Na real, minha história com cachorros é diferente, não posso reduzi-los ao azar que, aliás, nunca me causaram.
O último do qual adquiri lembranças mais ternas foi o cachorro da vizinha, na última cidade em que moramos, há cerca de dois anos. Como a porta "deles" ficava mais perto das escadas do que a nossa, o carteiro, uma visita ou os meus pais não conseguiriam chegar ao 202 - que era nosso apartamento no fim do corredor - sem antes provocar a fúria do cão que, sem ver uma única vez, apelidei de Campainha. Campainha latia enfurecidamente, dioturnamente, e não me assustaria sabê-lo um Rottweiler. Até que um belo dia a vizinha se mudou e o cachorro foi com ela.
Saluque, com sílaba tônica no ú, um cachorro da raça(?) bassê (com aparência de linguiça mesmo), marrom (como era de se esperar), é memória da infância. Ficava no quintal da avó Cecília e do avô Nelson e era um membro efetivo nos almoços de domingo. Me lembro das tias todas em casa, solteiras e assíduas frequentadoras de Otacílio Costa. E digo isso pra frisar que lembrar do cãozinho me faz rememorar o clima que a família possuía naquela época e da casinha de Saluque em um local estratégico. Um belo dia, ele morreu de velhice. Anos depois, seria substituído por Escube (com grafia própria, assim consagrada no registro de tinta verde impresso em sua casinha há algumas semanas).
Amigo, um dos cães que a avó Landa e o avô Moacyr já tiveram, ganhou o nome pela companhia que prestava, conhecendo o ronco do carro do avô muito de longe e indo ao seu encontro. Creio que fosse vira-latas, mas não saberia precisar sua aparência muito mais do que dizer que ele era branco com algumas pintas marrons. Lembro que, quando do seu falecimento por atropelamento, todos se entristeceram com a ausência temporária de Amigo, apesar de a morte garantir que ele não mais engravidaria Lala, a pinscher (ou pincher?) que a Thayane tem há muitos anos e sempre foi com a minha cara (ou, ao menos, com as minhas canelas). Amigo provocou uma lacuna ocupada por Mancha, que levou esse nome por conta de uma mancha mesmo, perto do traseiro.
E no entre-meio houveram também os meus cachorros. A primeira, apesar do esforço, eu não lembro do nome. Talvez Lilica, de Lilica Ripillica, a famosa marca de roupas infantis femininas. Mas não há indícios muito concretos em minha memória de que seja esse, de fato, o nome dela. Sei bem certo que ela era vira-latas e que eu pedi aos meus pais se poderia ficar para fazer companhia à Dorotéia - a Dot (dos Animaniacs), que era minha tartaruga - no rol dos animais de estimação da nossa família. Eles consentiram mas não durou muito porque ela logo contraiu(?) pulgas e tornou-se muito desobediente aos meus comandos com voz imperativamente falha dos 5 ou 6 anos. Meu pai a doou para um amigo antes que ela engravidasse e nos desse Liliquinhas desobedientezinhas.
Mais tarde, Lilica seria sucedida por Tigor. O último da minha extensa lista de dois cães ao longo da vida. Escolhido entre três ou quatro cachorrinhos por ser o "mais calminho", custou uns 80 reais aos bolsos do meu pai, que tinha tanto gosto quanto eu naquela compra. Meu primeiro contato visual com Tigor foi por uma janela de fundo de casa, onde o antigo dono os mantinha. Ele era o que tinha a cor dos pêlos mais parecida com a Lassie, do filme. Tigor era um Collie ainda filhote, não devia passar de 30 centímetros de altura quando foi morar em nossa casa e recebeu o nome de uma marca de roupas para meninos (que, por sinal, fazia par com a Lilica Ripillica. Bem se vê, por conseguinte, que a hipótese de um dos meus futuros filhos se chamar Colcci, Dolce ou Triton não está plenamente descartada).
Tigor era distração. Uma distração que latia à noite de saudades da cadela-mãe, fugia pelo menos 5 vezes por semana e sabia muito bem os piores pontos da grama para fazer cocô. Que eu é quem limpava, é claro. Aprendeu que não podia entrar em casa, e paralelamente, descobriu a estante de calçados, o que provocou certo ânimo desmedido àquele cachorro que só fazia crescer. Destruiu infindáveis pares de chinelos, sandálias e sapatilhas. E o que não foi destruído, ficara com marca de dentes. Passados muitos meses, meu pai se deu conta de que ele havia ficado grande demais para sua casinha, para nosso pátio, para brincar comigo, para tudo. Aliada a vez que caí nas escadas e fiz uma ferida que tomava conta de uns 60 por cento do meu joelho e, na primeira semana, foi coberta de pêlos durante um banho-de-verão no Tigor. Um nojo. E ele crescia e crescia, e comia e comia. Decidimos que ele merecia partir. Lá pelas tantas, cheguei da aula e descobri que meu pai havia doado Tigor ao pai de Joana. Lembrei-me do seu pêlo macio, dos passeios nos quais ele me conduzia, das fugas históricas de encontrar um dia depois, e me dei por mim de que Tigor não voltaria nunca mais.
Hoje, ao visitar Joana e ouvir latidos do cão - que apoiado às patas de trás é notavelmente maior que eu - não deixo de sentir certo pesar por não ter podido acompanhar seu crescimento de perto. Mas não olho muito pra onde ele está, já que nunca tive a decência de dizer adeus. Que seja. Seja por motivo de mudança, substituição, por partidas "para sempre" ou perda de controle da situação, todos os cães da minha vida se foram, e eu sempre evitei despedidas muito demoradas porque nunca fui boa com elas. Desviar os olhos da presença, - do Tigor - por mais imaturo que pareça, há muito se tornou o meu jeito de lidar com a imensa falta que os cachorros trouxeram.
E com a de alguns humanos, também.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Entre aspas

"Tem me acontecido uma coisa estranha. Cada vez que penso na expressão jogar tudo pro alto, imagino a coisa jogada se espatifando no chão e sinto um pouco de dó. Mas não é uma dó que me motivaria a estender a mão para os fragmentos: Antes o contrário. Imagino que precisa haver motivos muito sensatos, coerentes e incontestáveis para a tal da jogada. E se há? Bem, se realmente há, em todos os sentidos, que pena que me dá."

Achei que esse devaneio ficaria bem entre aspas.

sábado, 4 de setembro de 2010

E antes de dormir... ou: Coerência nunca foi o meu forte

"A verdade é que eu gasto tempo e energia demais querendo mostrar pra você que eu não tô afim de porra nenhuma, quando na verdade eu sou um sim gigante. Um sim enlouquecido para correr e abraçar um gênero, uma nomenclatura. Eu teatrizo um não do tamanho do sistema solar, com todas as falas de menininha sem ciúmes e aquele ar de idiotamente indiferente, quando na verdade, gêneros me interessam. Festinhas do seu avô me interessam. Te apresentar para o meu pai, dormir de conchinha, fazer cosquinha, beijos de olhos fechados, coração de chocolate, mãos dadas no sofá, uma música pra chamar de nossa, me interessam.
Todo mundo fala, que eu preciso gostar de mim pra gostar de você. Mas eu não consigo deixar de olhar pra dentro e ver uma metade de nós. E quer saber? Que se danem os divãs e os livros de auto-ajuda. Eu sou mesmo uma metade da gente, mesmo sem o outro pra ocupar o lugar do nós, mesmo sem gêneros, mesmo sem complementos quando eu falo que você é meu e que se dane, coerência nunca foi meu forte." Mariana Vasconcellos

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Sobre choro, fugas e coxinhas

Devia passar das oito e quarenta daquela noite quando a angústia ultrapassou os limites do incontrolável e os olhos se encheram de lágrimas umas quatro ou cinco vezes enquanto tentava me concentrar na dialética, na dicotomia, nas maçãs e pizzas ou no raio que o parta. Fechei os olhos, abri e olhei pra dupla de lâmpadas fluorescentes tubulares porque tinha certeza que olhar para os taquinhos fétidos ou para os rodapés teria sido ainda mais prejudicial. "O seu cérebro reagirá de maneira a ficar mais triste se você inclinar a cabeça pra baixo", foi o que o meu professor de educação física disse quando eu ia na sexta série, depois de ralar os joelhos e desabar em um pranto compulsivo e solitário com os braços cruzados e a cara amarrada. Eu não sei em que filosofia/biologia/ciência ele se apoiava, mas creio haver alguma relação entre a cabeça baixa e um choro que teria sido capaz de destruir minha imagem em termos de maquiagem e minha imagem em termos de reputação de senhora de si, construída a base de muita tristeza engolida naqueles meses.
Eu precisava de um álibi e minha carteira vermelha fora escolhida para comparsa-facilitadora-da-fuga. Passos apressados até a terceira repartição do banheiro feminino do segundo andar, em frente à sala 200 e lá vai pedrinhas. Me encostei na porta garantindo o sinal de ocupado e disse em voz baixa: - Merda. Eu sabia o que aquele merda significava melhor do que o par de garotas do lado de fora que discutia sobre um louro de camiseta vermelha que haviam encontrado no corredor. Eu sabia que um merda pode ser sinônimo de a minha sexta-feira fracassou, e eu sabia que aquele - mais do que todos os outros merdas - apontava para minha franqueza sobre a minha fraqueza. Me escorreu uma lágrima de rímel, ligeira, que eu tratei de limpar assim que saí do meu esconderijo, seguidamente aos retoques de pó compacto. Pois bem, murmurei. Se ninguém compreende uma pseudo-diva, também não compreenderá um urso panda na forma humana e gênero feminino.
Titubeei em virar para a esquerda ou para a direita na saída. E essa dúvida carregava a decisão entre espairecer ou morrer chorando de cabeça baixa no meio do tédio. Cruzei o hall do bloco E até a área azul como quem cruza um campo de batalha. Breve, lacônica, certeira. Foi o tempo que bastou. - Frito ou assado? O senhor da cantina me perguntaria. "Frito", respondi, na precisão de que era a pior das escolhas - quanto mais, se eu acompanhasse este "frito" com uma coca-cola de proporção assombrosa quando comparada ao meu pequeno apetite.
Me sentei em um lugar estratégico: De lado para uma ex-amiga, de frente pra um grupo de uns oito garotos que me veriam se sujar com alguns farelos enquanto devorava uma coxinha de frango sem usar guardanapos, por vontade própria. Aquela era a situação mais patética em que eu já havia me enfiado publicamente - e de propósito - em menos de dois semestres de faculdade. Eu quase era capaz de rir imaginando os comentários no mesmo instante em que eu me levantasse, dizendo qualquer coisa sobre eu ser uma maluca depressiva ou um projeto de gordinha tensa. Era com esses olhos que a senhora da limpeza olharia pra mim ao me ver devolver o frasco de mostarda e regressar tomando o último gole com os canudinhos que já faziam o inconfundível barulho de acabou, baby. (Não falam, mas se falassem era exatamente isso que diriam).
Não sei se é muito sensato dizer que o preço para redescobrir a coragem e a confiança em si é menos de $5 na cantina do Tio Willy, mas direi mesmo assim. Um cartão para adquirir uma coxinha pode não ser um passaporte para ingressar no país das maravilhas, mas isso muito pouco importa quando a única coisa da qual se precisa é sair de trás do véu de delineador da Avon pra provocar emoções ridiculamente novas. Devia passar das dez quando, de estômago cheio, desfiz a trança do cabelo com maestria e desejei lavar o rosto como quem diz ao mundo: Estou aqui pra isso mesmo e me basta saber que sempre haverá a chance de um recomeço.

***

" (...) Pois bem, quando eu consigo fingir, não é por muito tempo. Pasmem: sou colorida, cheia de vida e amor pra dar, mas estou longe de ser uma pessoa alegre a vida toda. Durante o dia, meu raciocínio frita, meus hormônios borbulham, o coração dá nó, os olhos incham e meu humor oscila durante vários turbulentos momentos. Tom-sobre-tom? Inexiste. Meios termos? Desconheço. Quando sou feliz, sou admiravelmente feliz. Quando estou mal, me deixa, eu choro rios. E eu me permito ficar mal. Valorizo cada dorzinha do lado esquerdo do peito, cada vácuo que surge, assim, involuntariamente, no meio de uma noite de sexta-feira sozinha em casa. Valorizo e me permito, principalmente, passar uma noite de sexta-feira sozinha em casa. Eu e eu. Suficiência e pausa. Dois hiatos mudos que só eu sei sobre. A minha felicidade é feita por momentos, não um estado de graça que dura 24 horas no controle remoto. Eu não vou ficar sustentando sorrisos embasbacados nem guardar uma mágoa que um dia vai me dar um câncer. Se eu quero sofrer um pouco, não há santo que me tire do muro das lamentações, se eu não estou a fim de sorrir, não há beliscão da minha mãe que me faça ser simpática. Realmente é muito fácil ser feliz com a vida que eu tenho. Só faço o que eu quero e tenho tudo que eu gosto. Claro que o contrário não se encaixa, nem sempre faço tudo o que eu gosto e não tenho tudo o que eu quero. Mas, com tanta porcaria aí nos noticiários, é fácil desligar a televisão, evitar o soco no estômago e continuar sendo feliz. Difícil mesmo é ter uma sensibilidade berrando (...) Eu poderia, claro que poderia, estar aqui mostrando meu lado alegre, rodeada de amigos, festas, bebidas, amores, brincalhona, engraçada, mas optei pelo caminho inverso. Oi amigos, eu sou assim. Lamentando ou não, querendo ou não, eu sou assim. A vida é curtinha, eu não vou perder meu tempo levantando a bandeira do masoquismo e tentando ser quem eu não sou. Tenho maturidade, jogo de cintura, espírito de liderança, personalidade formada? Minha mãe diria que não. Ela quer me ver longe de qualquer tumulto, qualquer intriga, qualquer exposição. E pensando bem, asas são quentinhas. Mas se eu preferisse a comodidade não tinha levantado da cama desde o dia que (...) confundi desamor com pouco amor. O que eu sei é que eu não nasci assim, mas também não cheguei ao ápice da boa forma de um adulto. Eu sei aonde quero chegar, mas não sei como fazer para não deixar partes de mim pelo caminho. Eu sei o que eu quero e o que eu gosto, mas talvez eu ainda não tenha aprendido como conseguir, pedir, latir, gritar para ganhar. Eu só sei que eu quero. Quero agora, nesse segundo, com os olhos, boca, fígado e coração implorando." Mariana Vasconcellos

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Não esqueça...

A conduta ideal para extinguir um encantamento (meu):
( ) Preocupar-se demais, não disfarçar nem um pouco.
( ) Não gostar do meu teatro, não disfarçar nem um pouco.
( ) Não sentir minha falta, não disfarçar nem um pouco.
(x) Todas as anteriores, quando unidas, são letais.

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***
....que podia ter sido diferente.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Dias de montanha-russa

Por volta das 7:30h, talvez mais, talvez menos, fui acordada pelo meu pai, que avisaria sobre não almoçar em casa. Repetiu duas vezes para ficar acertada a informação e eu limitei a fazer um "uhum" preguiçoso, e não perguntei o motivo de sua ausência, dadas as circunstâncias. 30 minutos depois meu celular despertaria, irritante. Eu demoraria cerca de 15 minutos, os que seguiriam o alarme, para de fato fazer os primeiros movimentos no sentido de acordar, que consistiriam em ler uma mensagem de boa noite recebida no adormecer passado e respondê-la; e depois ajeitar os dois travesseiros contra a cabeceira da cama em qualquer posição entre o sentar e o "deitar-com-a-cabeça-na-vertical". Sem ideia de tempo, passei longos minutos formulando conspirações imediatistas para logo mais, com a certeza de que a ação não dependeria apenas da minha intenção, o que me intrigava. Conspirar pouco adiantaria, pois. Romantizei mentalmente um monólogo jusitificando a atitude, em vão, já que nem eu estava plenamente convencida, e por isto as chances de persuadir outrem se reduziriam para quase nulas. Enrolei os cabelos com a mão, em uma metodologia estranha que ensaiava um nó, exatamente do jeito que faço quando a situação me parece fora de controle. Alcancei o livro do Caco Barcellos na cabeceira, e percebi que o esmalte dos indicadores precisava de retoque. Devorei dezenas de páginas, tentando esquecer que o espaço da folha em branco entre um capítulo e outro bastaria para desviar a atenção muito além da história do traficante Juliano VP. A calça cor de rosa, de moletom, e a blusa vermelha estampada que serviram de pijama pareciam harmonizar perfeitamente com o ambiente tão conhecido, que se resumiria em alguns móveis rosa claro e objetos pessoais. Eram 10:30h quando abri as janelas do quarto para o ar de setembro invadir os pulmões e saudar o vizinho de chapéu de palha varrendo o quintal. Foi quando decidi que nenhuma história é monótona o suficiente para ser esquecida e que até o tédio e a indecisão, inofensivos, são matéria do que escrever.
*
Sentada no banco de madeira com acabamento em cimento, olharia para os carros estacionados longe do portão principal e sorriria, tímida, esperando o telefone nas mãos tocar. A chamada seria previsível como as outras, movida pela mesma intenção e eventualmente pelos mesmos gracejos e codinomes. O destino próximo, conhecido há poucas semanas, pareceria aguardar silenciosamente pela visita que intuia ser breve, breve como as costumeiras perguntas de como foi a semana e breve como a inusitada e descabida explicação: - Cinco minutos para a doçura, Cinco pra você me ouvir. - Diria. Despreparado e sem respostas prontas, como ela previra, ele faria alguma gracinha para amenizar o clima tenso. Eram semanas na iminência de que aquilo ocorresse. Pediu calma e usou, como de hábito, de pequenas doses de zombaria e risos que a subestimavam para garantir que fora apenas mais um surto e de que passaria em instantes, como os outros. Segura, ela o alertaria para o fato de que dois dos seus minutos preciosos, capazes ou não de convencê-la, já haviam transcorrido. O que faria - em tese - com que ele acreditasse na franqueza da conversa de alguém tão irredutível. Os três minutos seguintes são de fato como um espaço em branco, possivelmente surpreendentes, possivelmente enfadonhos. De qualquer forma, a segunda parte do plano estava muito clara, onde declararia a decisão da manhã anterior e esperaria a reação dele, da qual fosse derivar a explicação detalhada e teatral de suas causas, ou a pura simplicidade da despedida ensaiada. - Sentirei sua falta. - Pronunciaria, com um sorriso satisfeito e soberano de quem tem absoluta certeza da recíproca ser verdadeira. Calado e atônito, ele a observaria afastar-se sem olhar pra trás e lamentaria, a cada segundo de carência daquele instante e calmaria dos meses seguintes, por não ter pago qualquer preço que uma montanha-russa humana - tão inconstante - fosse capaz de exigir para permanecer em sua vida.

sábado, 28 de agosto de 2010

Ecos de quinta - Ou: Loucamente dinâmica

"Acho que você não percebeu que o meu sorriso era sincero.
Sou tão cínico às vezes!
O tempo todo estou tentando me defender...
Digam o que disserem, o mal do século é a solidão.
Cada um de nós imerso em sua própria arrogância,
esperando por um pouco de afeição
." Renato Russo
-

Quinta-feira derrubei o saleiro da cozinha.
A quem interessar possa, os supersticiosos creem que isso é mau agouro e má sorte.
Mas... viram dois caras cheirando cocaína no banheiro do barzinho na noite passada e me contaram e eu não consigo achar isso plausível, e os meninos e meninas da minha geração parecem ter dois parafusos a menos, e enquanto uns divagam sobre a saúde do presente e do futuro das crianças ou das mulheres ou dos homens ou das minorias a maioria parece não se importar, e o preço da farinha subiu, e minha avó tá internada e eu tenho medo de perdê-la, e um conhecido tá com depressão sabe-se lá porque, e eu preciso estudar pra ser alguém na vida seja lá o que alguém na vida é, e eu preciso trabalhar porque gente de bem trabalha, e eu perdi a chave da minha casa e tive de pular a janela mínima que dá pra escadaria, e meu segundo ossinho tá doendo, e eu preciso pesquisar e programar a pós-graduação, e eu engordei, e minha unha não para feita, e eu não me sinto bonita, e as noites de sexta-feira não são tão boas como antes, e os banhos precisam ser curtos porque a água do planeta vai acabar, e a vizinha não me quereria em sua família, e o melhor pedreiro da cidade tomou veneno, e se instaurou uma cpi movida a fofoca a respeito de sua vida conjugal, e o programa eleitoral tá pior do que nunca, e a tv não me alimenta, e nada me distrai, e eu não choro mais, e tá todo mundo nem aí pra essa vida loucamente dinâmica que eu levo, e quem quero bem já tem alguém. E eu não posso sair gritando tudo isso por aí. Bem se vê que não se trata, tão somente, de azar, causado por um punhado de sal derrubado no chão. Trata-se de eu parecer a única pessoa que enxerga determinadas coisas. Trata-se de eu estar operando em uma frequência diametralmente oposta aos demais. Mas... custo a admitir que não há causa e nem motivo.
Os açucareiros que se cuidem.