quinta-feira, 24 de agosto de 2023

Calor de agosto

Você pode fazer silêncio o quanto quiser, algumas coisas ainda gritarão. Um conforto de espaço na cama inteira com o lençol limpo gritará, altíssimo, mesmo com um sanduíche de travesseiro com sua cabeça no meio. O cansaço noturno permanente também. Uma fantasia de si mesma que talvez se realizasse no automático. E ainda que o elefante preto da prosperidade esteja cuidadosamente posicionado em relação à porta de entrada, o branco não vai sair da sala. O branco te persegue no banheiro, no quarto, na cozinha. Em silêncio. A menos que sejam manifestadas as coisas que há para serem ditas. Aí me lembro vagamente de alguém dizendo que eu era precoce. Será que me adiantei pra ficar velha? Isso é ansiedade ou a ordem natural das coisas? Será que acomodei com a impressão de que tudo de mais importante já estava feito e conquistado? Será que o meu instinto vinha do desespero? Eu lembro de sentir, duas horas atrás, que tudo estava em paz. Não era essa fluidez que eu pretendia. Queria fluir de uma coisa boa a outra, e não de poça a abismo. De mancha de camisa a meia molhada. De infiltração na parede a chuva de pedra. Ou de conforto a prestação. Faltou pedir que o futuro me reservasse mais certezas. Será que os homens sabem antes? Nascem sabendo ou fingem bem. Mas os melhores não farão nada a respeito. Eles se entreolham e sabem: não dá pra fugir das quatro paredes. Nem quando falta frio em agosto. Mas falta mais que isso. Eu posso fazer silêncio o quanto quiser, e algumas coisas ainda gritarão.