domingo, 26 de dezembro de 2010

Um texto como domingo. Em tempo, é fim de ano...

Se um dia eu quisesse morder a maçã sem ser expulsa do paraíso, no outro sentiria remorso por ter acreditado que não houvesse mal em fazê-lo. E no terceiro procuraria outra macieira, até que desejasse um morango. Decidi oscilar, é um modo de vida.
Vou assumir que em alguns dias, como hoje, tenho um pouco de vontade de me arrepender pelas coisas que já fiz de errado nesta vida. (In)felizmente estas ocasiões me ocorrem justamente quando estou confusa sobre o que é certo e o que, de fato, pode ter sido errado.
E então, quando me encontrarem por aí, talvez digam que sou aquela que disse "sim" para tudo que lhe pareceu fantástico. Mesmo que nem tudo tenha sido.
Desculpe, domingo. Nasci para perturbar e ser perturbada. Essa perturbada que lhe vive como quem come maçã. E essa perturbada que oscila. Um abraço pra quem é coerente. Eu acho que loucura seria permanecer a mesma sempre...

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Tão dizendo que ele é nerd

Não sei se vem a ser por conta do layout cabelo-de-colírio-da-capricho-óculos-cara-de-intelectual, mas minhas amigas tão dizendo que ele é nerd. E que nós dois combinamos.
Ele sabe o significado de noventa por cento das palavras do meu vocabulário e se encarrega de descobrir os outros dez. Parece-me que foi criado a Danone, Sucrilhos e todas as novidades hi-tech do mercado de entretenimento. É, um nerd com cheiro de leite Ninho.
Tão dizendo que ele é nerd. Daqueles que, caso eu soltasse um "Sol é feito de Amor" riria freneticamente e insinuaria que eu preciso ter aulas de química e física, além de aconselhar a parar de enxergar amor em tudo, é claro. Um nerd que se divertiria com o meu instinto piegas, fazendo com que eu me divertisse também.
Tão dizendo que ele é nerd já que não curte sertanejo, ouve pouco os clássicos da MPB e não sabe quase nada a respeito de dar atenção em conversas online porque, paralelamente, está tentando capturar um pokemon legendário no seu jogo preferido.
Tão dizendo que ele é nerd. Do tipo de nerd que não menospreza minha inteligência e não subestima as coisas que me interessam. O celular dele tem mil e duas funções a mais do que todas as tecnologias aqui de casa juntas e o seu videogame portátil, ao pouco que me consta, tem o preço superior ao de uma cesta básica. Mas dizem que só um nerd entenderia o quanto estas coisas são imprescindíveis.
Tão dizendo que ele é nerd e leu um número significativo de livros, assistiu boa parte dos filmes para os quais eu dei de ombros e é fã dos Beatles. O cabelo dele vive arrumado e seu rosto - que é apenas uma moldura para dentes indubitavelmente brancos - tem meio ano a menos de linhas de expressão que o meu.
Tão dizendo que ele é nerd enquanto ele joga qualquer coisa no emulador retrô que eu também baixei, ou enquanto se ocupa dos mistérios que lhe tomam alguns sábados, ou ainda enquanto conversa com as meninas do ensino médio que eu finjo me fazerem ciúmes.
Tão dizendo que ele é nerd. A digitação dele é rápida, os ídolos dele jogam no futebol europeu e às vezes ele é tão, mas tão difícil, que chega a parecer o sexo frágil do nosso tipo de projeto de relação. Tão dizendo que ele é nerd. Insiste em inovar, ser minha maior exceção, rir das minhas piadas e dizer que gosta de mim "mais do que ontem". Talvez ele saiba que esta escala me agrada mais do que qualquer matemática.
Enfim, como você deve ter notado, minhas amigas tão dizendo que ele é nerd. E eu conto com boa argumentação nessa tese. Tão dizendo que ele é nerd, mas se um nerd como ele é capaz de me prender em um abraço, ser invariavelmente sincero, ligar pra dizer que sente saudade e me fazer sorrir, eu não me importo nada de concordar com elas.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Eternamente... Iolanda!

As mãos com unhas vermelhas sempre foram marca registrada. As mesmas mãos de unhas vermelhas sempre fizeram a melhor maionese de batatas no almoço de domingo e a melhor cuca de farofa dos cafés da tarde. Lembro das mãos assim, cozinhando, lembro das mãos jogando cartas, lembro das mãos atendendo aos pedidos do meu avô, lembro das mãos rezando terços, lembro das mãos segurando o queixo ao assistir partidas de futebol, lembro das mãos segurando xícaras de café e também lembro das mãos fumando cigarros enquanto, sentada com os joelhos dobrados no apoio da cadeira, ela observava o horizonte. E faça o esforço que fizer, lembro das mãos ocupadas, servindo.
Lembro da última semana. Enquanto chovia fraco, esse retrospecto de mãos comparecia em minha memória com acentuada frequência. No alto de um morro, no hospital da cidade, ou mesmo em seu quarto, aquelas mãos tão conhecidas aparavam a tosse fraca de uma saúde frágil. Não era fácil ver aquelas mãos, que beijei tantas vezes ao pedir bênçãos, agora muito pálidas e com os ossos aparentes, preocupadas com os canos do oxigênio. Sem esmalte e sem anéis, eu as vi emagrecer toda semana nos últimos tempos, torcendo de todo o meu amor - aquele amor por vezes tão egoísta - para que as suas queridas mãos não se cruzassem. E quando a esperança se esvaía por tímidos segundos eu temia o que pudesse ocorrer.
Mas se fosse para o seu bem, em nome de todas as infinitas coisas boas que aquelas mãos fizeram, o meu coração esperaria que a ordem natural das despedidas não comportasse exceções: Na partida, deve doer menos em quem parte do que em quem fica. E se agora dói tanto, tanto, tanto... Fica em nossos corações um conforto do teu descanso... Aceite essas palavras como as flores que tu gostavas. São a forma que encontrei para homenagear minha avó, meu amor, meu eterno exemplo de bondade e força. As tuas mãos com unhas vermelhas, sempre ocupadas, ficarão em minha lembrança. Assim como a tua dedicação e a tua ternura. Eternamente a mulher de fibra, a mãe e esposa zelosa. Eternamente doce. Eternamente Iolanda!


Esta canção não é mais que mais uma canção...
Quem dera fosse uma declaração de amor,
romântica, sem procurar a justa forma
do que lhe vem de forma assim, tão caudalosa.
Te amo, te amo, eternamente te amo.
Se me faltares, nem por isso eu morro...
Se é pra morrer, quero morrer contigo.
Minha solidão se sente acompanhada...
Por isso às vezes sei que necessito teu colo.
Teu colo... Eternamente teu colo.
Quando te vi, eu bem que estava certo
de que me sentiria descoberto...
A minha pele vais despindo aos poucos
Me abres o peito quando me acumulas...
De amores, de amores. Eternamente de amores!
Se alguma vez me sinto derrotado
Eu abro mão do sol de cada dia...
Rezando o credo que tu me ensinaste.
Olho teu rosto e digo à ventania:
Iolanda! Iolanda! Eternamente... Iolanda!
(Chico Buarque)

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Troféu

Encostei o nariz no teu e fiz charme com a boca que sorria entreaberta. Não demoraria mais que alguns segundos para que você vacilasse inclinando a cabeça mais para o lado direito do que deveria e acabasse com todo o mistério. E eu já deveria saber que aquele primeiro se repetiria, ou não. E eu já deveria saber que aquele último não teria gosto de último. E ao não ter gosto de último ficaria nele a sorrateira espera por outro que fizesse dele o penúltimo. E de novo, e de novo.
E aquele momento do nariz encostado no teu, por menos surpreendente que fosse, conseguiria se transformar por mutações alcoólicas, por mutações tediosas, por mutações cotidianas, em tantas outras coisas que dele e de ti me fariam lembrar.
Eram os segundos que antecediam o nosso beijo, apenas. E eu tinha a honesta impressão de que eram os louros da vitória. Um troféu, honrando a história que eu esperava ser capaz de construir. Parece-me que, no fim das contas, também por aquilo você estaria habilitado a se tornar inesquecível. Os sorrisos com a boca entreaberta são sempre os mais sinceros.

sábado, 4 de dezembro de 2010

No alarms and no surprises, let me out of here... [Radiohead.]

"Eu queria ir pra um lugar onde eu tivesse uma sensaçãozinha,
ilusória que fosse, de que tinha alguém prestando atenção em mim."
Caio F.

Prendi a respiração para firmar o pulso e terminar de fazer o risco fino de delineador no olho direito, que sempre fica por último. Sorri para o espelho, só para notar se eu ainda ficava bem fazendo aquilo assim, quase sincera. Não sabia bem o que estava fazendo. Não sabia, com exatidão, o que me levava a mudar completamente de rumo em tão pouco tempo. Não sabia o motivo do meu desânimo com aquela história, da minha rebeldia. Ou sabia, mas era tão vergonhoso que eu não me permitiria confessá-lo. Não sabia que rumo aquela noite, aquela madrugada, todas as manhãs seguintes deveriam tomar. Supunha que deveria insistir, porque é bonito insistir, que deveria ser doce, porque ser doce era o que eu fazia de melhor - mas nem sempre eu quis o melhor, nem sempre eu conquistei o melhor. Então por que dessa vez? Por que atirar-se em uma história em que eu não estava consolidada como escritora? Sim, pois eu não saberia outro modo de me entregar a uma história sem ter as certezas de ser dona de mim, do outro, do nosso roteiro. Esse era um jeito de não sofrer, ou de sofrer menos.
O problema, contudo, consistiria sempre na falta de surpresas. Quem escreve o destino de próprio punho raramente encontra outra aventura que não parcas linhas, meio tortas, ou o fim da folha de papel, dos dias... Quem escreve o seu destino escolhe sempre o seu rumo. E por mais que a confissão seja desesperada, não quereria escrever meu destino sozinha. Nem do sozinha de solitária, mas principalmente não do sozinha acompanhada. Quereria escrevê-lo a quatro mãos. E eu me entregaria tantas vezes, e eu não me importaria com tantas esperas, e eu não ligaria para tanta distância, e eu me doaria sem hesitar, e eu procuraria em todos os lugares, formaturas, carros, ruas, becos, salas, janelas e avenidas aquele que me acompanharia. E eu faria se tivesse certeza que não fosse sentir tudo isso... Todo esse oco no peito, toda essa sensação de fracasso, todo esse estar só de falta de proteção, de falta de reciprocidade, de falta de entrega, de falta de atenção, de falta de dedicação, de falta de cuidado, de falta de um pouco mais que menos da metade.

Queria só te dizer: O olho acabou marcado, chamativo, delineado, na vista, inconfundível. E era como eu queria que as minhas vontades estivessem. Não me custaria perder o fôlego.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Os olhos de agora

Os olhos de antes eram doces. Qualquer meia dúzia de cenas ensaiadas, de gestos planejados e de promessas os fariam sorrir. Os olhos de antes sempre se contentaram com pouco porque nunca souberam qual medida usar por parâmetro para ver. Pouco e quase nada é, ainda, algum detalhe a ser observado. E disso parece que eles sempre souberam - porque eram doces e sorriam. Eles se enchiam com alguns. Alguns de encher os olhos. Deve ser por isso que não hesitariam em suplicar, silenciosamente, que eu afastasse o corpo a uma distância peculiar de hipermetropia, para que esses olhos encontrassem, compreendessem e definissem aos meus sentidos as sensações, em certa feita. Deveras, os olhos se comunicam. E talvez precisem dos centímetros que um tronco reclinado para trás por alguns segundos pode proporcionar para ter noção de familiaridade com a ocasião. Proporcionaram. Era uma cara toda sorrindo em lábios fartos, alertando-me aos olhos a que vinha. Detectar sinais, sabe-se lá de quê. Para isso, por sorte, eles serviram. Meus olhos de antes enxergaram tudo o quanto foram capazes ou, talvez, tudo o que eu desejava ver com os olhos que tinha. Procuraram por longo tempo outros pares de olhos que pareciam existir só para esbarrar consigo. E esbarraram tantas vezes, de tantas formas e de tantas outras histórias desde então, que se cansaram de não ver o que não viam. A rebelião dos meus olhos foi natural, despreocupada. Meus olhos de antes cansaram de camuflar a verdade e se transformaram nos olhos de agora. E enxergam tudo com uma definição de alta qualidade, assombrosa, nítida, superlativa e sintética. Perdeu-se em doçura, ganhou-se um pouco em cinismo. Os olhos de agora querem o novo, e ao dar com aqueles olhos que esbarravam nos olhos de antes, não piscam. Ao ter de encontrar, não vacilam. Ao ter de esquecer, não ficam rasos d'água. Ao ter de distanciar, não dilatam de excitação no escuro do quarto. Apenas se calam. Simplesmente. Mudos. Nem cheios de si, nem vazios de mundo. As sobrancelhas discretamente franzidas de ironia, logo acima dos olhos de agora, é que então sussurram: Tolice não se divertir lembrando das inverdades que os olhos de antes fingiam se esquecer de possuir... Justo porque há um certo conforto em admitir que as loucuras de antes ainda ardem, absolutas, nos olhos de agora.