quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Cachorros e faltas.

Estou aqui pra me redimir da metáfora imprópria sobre os cachorros na noite de ontem. Na real, minha história com cachorros é diferente, não posso reduzi-los ao azar que, aliás, nunca me causaram.
O último do qual adquiri lembranças mais ternas foi o cachorro da vizinha, na última cidade em que moramos, há cerca de dois anos. Como a porta "deles" ficava mais perto das escadas do que a nossa, o carteiro, uma visita ou os meus pais não conseguiriam chegar ao 202 - que era nosso apartamento no fim do corredor - sem antes provocar a fúria do cão que, sem ver uma única vez, apelidei de Campainha. Campainha latia enfurecidamente, dioturnamente, e não me assustaria sabê-lo um Rottweiler. Até que um belo dia a vizinha se mudou e o cachorro foi com ela.
Saluque, com sílaba tônica no ú, um cachorro da raça(?) bassê (com aparência de linguiça mesmo), marrom (como era de se esperar), é memória da infância. Ficava no quintal da avó Cecília e do avô Nelson e era um membro efetivo nos almoços de domingo. Me lembro das tias todas em casa, solteiras e assíduas frequentadoras de Otacílio Costa. E digo isso pra frisar que lembrar do cãozinho me faz rememorar o clima que a família possuía naquela época e da casinha de Saluque em um local estratégico. Um belo dia, ele morreu de velhice. Anos depois, seria substituído por Escube (com grafia própria, assim consagrada no registro de tinta verde impresso em sua casinha há algumas semanas).
Amigo, um dos cães que a avó Landa e o avô Moacyr já tiveram, ganhou o nome pela companhia que prestava, conhecendo o ronco do carro do avô muito de longe e indo ao seu encontro. Creio que fosse vira-latas, mas não saberia precisar sua aparência muito mais do que dizer que ele era branco com algumas pintas marrons. Lembro que, quando do seu falecimento por atropelamento, todos se entristeceram com a ausência temporária de Amigo, apesar de a morte garantir que ele não mais engravidaria Lala, a pinscher (ou pincher?) que a Thayane tem há muitos anos e sempre foi com a minha cara (ou, ao menos, com as minhas canelas). Amigo provocou uma lacuna ocupada por Mancha, que levou esse nome por conta de uma mancha mesmo, perto do traseiro.
E no entre-meio houveram também os meus cachorros. A primeira, apesar do esforço, eu não lembro do nome. Talvez Lilica, de Lilica Ripillica, a famosa marca de roupas infantis femininas. Mas não há indícios muito concretos em minha memória de que seja esse, de fato, o nome dela. Sei bem certo que ela era vira-latas e que eu pedi aos meus pais se poderia ficar para fazer companhia à Dorotéia - a Dot (dos Animaniacs), que era minha tartaruga - no rol dos animais de estimação da nossa família. Eles consentiram mas não durou muito porque ela logo contraiu(?) pulgas e tornou-se muito desobediente aos meus comandos com voz imperativamente falha dos 5 ou 6 anos. Meu pai a doou para um amigo antes que ela engravidasse e nos desse Liliquinhas desobedientezinhas.
Mais tarde, Lilica seria sucedida por Tigor. O último da minha extensa lista de dois cães ao longo da vida. Escolhido entre três ou quatro cachorrinhos por ser o "mais calminho", custou uns 80 reais aos bolsos do meu pai, que tinha tanto gosto quanto eu naquela compra. Meu primeiro contato visual com Tigor foi por uma janela de fundo de casa, onde o antigo dono os mantinha. Ele era o que tinha a cor dos pêlos mais parecida com a Lassie, do filme. Tigor era um Collie ainda filhote, não devia passar de 30 centímetros de altura quando foi morar em nossa casa e recebeu o nome de uma marca de roupas para meninos (que, por sinal, fazia par com a Lilica Ripillica. Bem se vê, por conseguinte, que a hipótese de um dos meus futuros filhos se chamar Colcci, Dolce ou Triton não está plenamente descartada).
Tigor era distração. Uma distração que latia à noite de saudades da cadela-mãe, fugia pelo menos 5 vezes por semana e sabia muito bem os piores pontos da grama para fazer cocô. Que eu é quem limpava, é claro. Aprendeu que não podia entrar em casa, e paralelamente, descobriu a estante de calçados, o que provocou certo ânimo desmedido àquele cachorro que só fazia crescer. Destruiu infindáveis pares de chinelos, sandálias e sapatilhas. E o que não foi destruído, ficara com marca de dentes. Passados muitos meses, meu pai se deu conta de que ele havia ficado grande demais para sua casinha, para nosso pátio, para brincar comigo, para tudo. Aliada a vez que caí nas escadas e fiz uma ferida que tomava conta de uns 60 por cento do meu joelho e, na primeira semana, foi coberta de pêlos durante um banho-de-verão no Tigor. Um nojo. E ele crescia e crescia, e comia e comia. Decidimos que ele merecia partir. Lá pelas tantas, cheguei da aula e descobri que meu pai havia doado Tigor ao pai de Joana. Lembrei-me do seu pêlo macio, dos passeios nos quais ele me conduzia, das fugas históricas de encontrar um dia depois, e me dei por mim de que Tigor não voltaria nunca mais.
Hoje, ao visitar Joana e ouvir latidos do cão - que apoiado às patas de trás é notavelmente maior que eu - não deixo de sentir certo pesar por não ter podido acompanhar seu crescimento de perto. Mas não olho muito pra onde ele está, já que nunca tive a decência de dizer adeus. Que seja. Seja por motivo de mudança, substituição, por partidas "para sempre" ou perda de controle da situação, todos os cães da minha vida se foram, e eu sempre evitei despedidas muito demoradas porque nunca fui boa com elas. Desviar os olhos da presença, - do Tigor - por mais imaturo que pareça, há muito se tornou o meu jeito de lidar com a imensa falta que os cachorros trouxeram.
E com a de alguns humanos, também.

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