terça-feira, 10 de novembro de 2020

Pirâmides

Nunca fui ao Louvre. Mas se me pego pensando na França agora me lembro dele antes até de me lembrar da Torre. É um fenômeno engraçado. Alguns monumentos me sensibilizam mais que outros, assim como as pessoas. Ficam na memória como um caco de vidro por baixo da digital do polegar. Pra ser honesta, eu não sei bem se o que eu espero de tudo não coincide com este despertar de alguma sensibilidade, mas eu acho que sim, e só às vezes me esqueço. Eu não entendo nada de engenharia ou arquitetura ou história da arte, então penso sempre apenas poeticamente no quase encontro entre a pirâmide convencional e a pirâmide invertida do Louvre. Eu sei sentir uma ponta apontada para a outra. É quase físico. Há uma catástrofe que esse encontro concreto poderia ocasionar, não fosse um ponto estar suspenso, que eu conheço muito bem. O antagonismo que representam, deixando um pequeno espaço para a comparação das forças diametralmente opostas que são capazes de simbolizar, dentro de mim e fora. Na reflexão se este contraponto entre a vida real e física, que possibilita toda a estrutura, e uma vida divagada, inventada e analítica, que na verdade complementa a primeira, encontra lugar no cotidiano ou só muito nos inícios. Talvez comparações como esta não sejam mesmo nada saudáveis, mas desde o princípio eu não pude evitá-las, dadas as circunstâncias. É no espaço vão entre ambas as pirâmides que eu penso quando imagino tudo que me falta agora e em tudo que sobraria na escolha oposta, e vice-versa. As pirâmides sempre me lembraram que as coisas se organizam em cima das que vieram antes, e isto pode soar como uma tábua de salvação. A pirâmide oposta, ao revés, invertida, que quase toca a outra, no Louvre, me lembra de todas as escolhas anti-intuitivas que eu não fiz por medo. De tudo que eu deixo pra trás quando eu fecho os olhos e as cercas. De tudo que me sufoca e de tudo que escolho não ser. A ideia do Louvre, viva na memória, lembra todos os lugares onde não fui e pessoas que não conheci. Quando olho de perto seu retrato, um palmo de distância, sei que é a representação de tudo que eu perco quando me entrego a outra coisa. Tocá-lo, ao alcance da mão, então, nem se fala. É como estilhaçar a minha taça de beber veneno para morrer aos poucos e de tédio. Em alguma medida, eu não sei bem por quê, a ideia do que eu não posso ser deixando de estar com ele me apavora, porque talvez seja só o que me falta.