quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Elucubrações

O último raio de sol dos meus dias reflete sempre nas janelas de um hospital no centro da cidade onde estão nascendo e morrendo pessoas. É uma luz sobre a dualidade das coisas que principiam e acabam. Também um alerta de finitudes e recomeços. É uma notícia sobre este espaço de tempo entre dois sonos — o dia que existiu e existirá inteiro amanhã, melhor ou pior que tenha sido o hoje. E se a este lapso que tudo pinta de suas cores se pudesse questionar algo, diria: aceita que as coisas reverdecem e são fanadas, como o amor no poema de Drummond.

Nos dias nublados, é à lembrança daquele raio de sol em reflexo que eu me apego, por otimismo ou por um registro insistente e positivo da memória. Pintando a parede da minha sala de trabalhar feito elucubrações muito vivas do que é feito o equilíbrio entre os avessos. Um convencimento silencioso de que todas as coisas fluem como que para um oceano certo e imenso, com textura de destino.

As coisas fluem como água também naqueles dias de sol. E às vezes é como se, sabendo da energia a ser empreendida para nadar a distância desconhecida, o único jeito fosse sentar paciente no fundo do mar e não prender a respiração e não se debater e então deixar o sal corromper os buracos e a pele  e saber, depois de tudo, acordada em terra firme, que a água salgada também é matéria viva como a chuva. Feita dos momentos que não seriam completos sem o seu oposto (aquele raio de sol refletido nas janelas de um hospital onde renascem e quase morrem pessoas). Feita de afogar e de limpar.

Ninguém nasceu sabendo explicar direito a fotossíntese, mas ninguém pode estar ou se sentir vivo sem antes aprender a conviver com todas as fases dos seus ciclos.