quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Kriptonita

Houve algum momento decisivo entre a minha infância, a adolescência e a vida adulta em que, pela primeira vez, dei razão ao argumento que se opunha ao do discurso do meu pai em uma discussão. É o tipo de coisa que marca uma vida. Demorei a digerir o fato de que discordaria de quem amo vez ou outra, de que o amor que dedico a quem mais amo não supre a fraqueza de ser humano. Era um erro flagrante de raciocínio lógico, para mim. Para ele, a mais pura verdade. E teríamos de conviver com aquilo da melhor forma que pudéssemos, dali para a frente.
Não amei menos o meu pai depois daquele episódio, amei mais. Era então um amor provado pelo dissabor da discordância, pelo espanto da divergência entre uma cabeça e outra, mesmo tão próximos, tão unidos, tão parecidos.

Houve algum momento no último mês em que eu não soube utilizar um programa de computador para ajudar a minha mãe, contrariando as leis mais primárias que regem as relações entre as mães de quatro décadas e os filhos de duas. Ela teria, então, que aprender a utilizar o programa sozinha. Demorei a digerir o fato de que cada um precisa, em uma relação, qualquer que seja, aprender a lidar com as deficiências do outro e com o revés do infortúnio.
Minha mãe não me amou menos por aquele pequeno episódio da vida cotidiana em que falhei.

Nem sempre quem amamos é como esperamos. Nem sempre somos como quem amamos espera. É próprio do amor ser tolerante desde os erros pequenos. É próprio do amor relevar algumas falhas. Em toda relação há em nós fraquezas quase indizíveis, de tão diluídas. Opiniões contrárias, não correspondência às expectativas, ciúme, egos que gritam. Sensatez que não (h)ouve. São contratempos tão comuns que se apresentam, até, dentro da casa p/materna.
O amor dos outros não os faz daltônicos ao verde de nossa kriptonita, mas a escolha dele é, nas melhores hipóteses, neutralizá-la. O caso é que o amor dos outros poderia sumir diante de nossas fraquezas. Mas, quando escolhe ficar, devolve nossas forças.