sábado, 21 de maio de 2011

Doce legado


Acabo de pedir alforria das alegrias que o mundo conhece. E ganho. Eu não sei explicar que diabos me acontece quando ouço Jorge Drexler. Estranho, diferente, ótimo. Lembro-me de ouvi-lo uma vez por mês, ou menos. É quando tenho vontade de fechar os olhos e ficar me balançando no ritmo das músicas, com aquela cara de satisfeita que a gente não explica porque não consegue. É um desejo que nasce entre as costelas, envolve todo o peito e contamina meu corpo até as extremidades, que brincam de fazer barulho nas bordas do teclado como quem entende algo de melodia, ou muito de espanhol. Ao que me consta, ao menos até o presente momento, Drexler é o mais doce de todos os legados. Ouvi-lo tem cheiro de uma alegria particular, peculiar. E tem gosto de tudo que é só meu.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

O que será que me dá?

Cruzei as pernas e ajeitei o vestido velho que escolhi pra usar de camisola. Engraçado tirar os óculos, acionar o microondas e no meio da cozinha ir despindo as botas, logo mais na sala o casaco, no quarto o vestido e a meia, pra depois pôr essa coisa velha, coisa velha mesmo, com a qual eu me sinto imensamente familiarizada e feliz.
Meu padrão de pijama ideal tem umas alças cortadas e amarradas por minha mãe quando esse vestido ainda era grande demais pra me servir de conforto, tem um camuflado azul que eu acho quase indispensável. Tem umas manchas de comida, eu acho que são de comida, mas eu ainda adoro vestir exatamente o que estou vestindo para me sentar com gosto de pernas cruzadas e voltar a escrever depois de tanto tempo.
Bip, bip, bip. Dois minutos atrás eu carregava para o quarto um prato imenso de pizza requentada e um copo morno o suficiente pra não danificar a madeira compensada da mesinha que sustenta esse teclado que vos tecla e ainda nem está paga. Afinal, meia pizza e nescau ao gosto do freguês devem valer de janta nessa sexta-feira 13 que encerra uma semana agitada.
Tem uns livros jogados em cima da minha cama. Direito, Direito, um Código, Direito. Repetidas vezes e bem maiúsculo, que é pra dar o maior trabalho possível. Mas decidi que estou indisposta. Hoje eles não me ganham, não. Tenho um fim de semana longo pela frente. Tô com quatro notas dez e um nove. Nove em Constitucional, na prova mais fácil do semestre. E a maior parte das notas dez foram com três estrelas. Isso é importante pra mim. Sei lá, uma medalhinha pra minha mãe guardar na sala se eu não der muito certo no resto, né? Parece uma boa meta.
Mas senhores, o que tenho a dizer é que a vida adulta me engoliu e agora me mastiga. Estou sempre atrasada, quase sempre confusa e raramente certa de onde é que o meu rio vai finalmente desaguar. Talvez não desague. E hoje fiquei feliz ao lembrar do blog, lugar onde eu sempre vou poder confessar que é mais fácil ser eu mesma de vestido velho dentro do meu quarto, sentindo o que me dá vontade em vez de sustentar a mulher madura, que não sou, da porta pra fora. Em suma, eu me sentei aqui só pra confirmar que apesar de ser cheia de mim e confiar nas minhas escolhas, eu tenho um medo absurdo de não ser gente grande com três estrelas.


O que será que me dá?
Que me queima por dentro, será que me dá
Que me perturba o sono, será que me dá
Que todos os ardores me vêm atiçar
Que todos os tremores me vêm agitar
E todos os suores me vêm encharcar
E todos os meus nervos estão a rogar
E todos os meus órgãos estão a clamar
E uma aflição medonha me faz suplicar
O que não tem vergonha, nem nunca terá
O que não tem governo, nem nunca terá
O que não tem juízo...
(Chico Buarque)