quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Rotação e Translação

Eu não me despedi da casa velha. Amanheci num dia com meu pai tirando os varões das cortinas. Resolveu fazer a mudança de surpresa. Não precisaram da minha ajuda para encaixotar as coisas. À noite, quando cheguei do trabalho, eu já morava no novo endereço, as camas estavam arrumadas e, pelo que me lembro, acho que até tinha janta. Não tive tempo de fazer qualquer ritual de passagem, dizer: "adeus, apartamento" ou olhar pro jardim do vizinho pela janela uma última vez. E faria diferença?
Lembrei disso hoje, quase um mês depois da nova mudança na qual quem encaixotou tudo fui eu. Trouxe as roupas dentro das malas, muitos sapatos, um jogo de copos, meia dúzia de quadros. Com o carro na estrada e quase todo o pouco que era necessário para uma mudança tão drástica no porta-malas. Sem pensar muito. A coisa natural como era. Pareceu uma viagem. Como quando se pousa de um avião em outro fuso-horário. Outra dinâmica. Outros hábitos. E imediatamente se sabe que nada mais será como antes. São portais que atravessamos sem perceber, por vontade ou necessidade.
As coisas mudam depressa nos detalhes mais simples. Literalmente, do dia pra noite. E como tudo sempre vai embora, muda, cambia, acho que bem no final das contas eu até deixei de dar valor a certas cerimônias grandiloquentes. Sem a angústia de querer que tudo dure. Aceitei a impermanência, embora páginas 48 em branco ainda me inquietem.
A gente agora está sentado. Deitado. Em pé. Com o celular na mão. O notebook aberto. O computador ligado. Nossos pés tocam o chão ou o corpo se beneficia da gravidade na horizontal. Estamos parados neste local e momento, vivendo o que há de ser o presente. Mas mesmo que tudo pareça absolutamente inerte, algo está se movendo em algum lugar. As engrenagens girando lentas e nos impelindo a despeito de nossas pretensões de controle e domínio do agora. Pense no mundo: você não vê, não sente, nem percebe, mas o planeta inteiro está se movendo. No eixo de si mesmo e ao redor do sol. Será que é este há-de-vir - fatal e invisível - que nos causa tanta ansiedade sem motivo aparente? Estamos sempre indo para frente. Será que é esta consciência de que o que conhecemos pode ser deformado pelo tempo, sem tempo para despedidas?
Passa agora uma nuvem. Num instante, já parece outra.
Amanhã amanhece outra vez.