sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Sobre choro, fugas e coxinhas

Devia passar das oito e quarenta daquela noite quando a angústia ultrapassou os limites do incontrolável e os olhos se encheram de lágrimas umas quatro ou cinco vezes enquanto tentava me concentrar na dialética, na dicotomia, nas maçãs e pizzas ou no raio que o parta. Fechei os olhos, abri e olhei pra dupla de lâmpadas fluorescentes tubulares porque tinha certeza que olhar para os taquinhos fétidos ou para os rodapés teria sido ainda mais prejudicial. "O seu cérebro reagirá de maneira a ficar mais triste se você inclinar a cabeça pra baixo", foi o que o meu professor de educação física disse quando eu ia na sexta série, depois de ralar os joelhos e desabar em um pranto compulsivo e solitário com os braços cruzados e a cara amarrada. Eu não sei em que filosofia/biologia/ciência ele se apoiava, mas creio haver alguma relação entre a cabeça baixa e um choro que teria sido capaz de destruir minha imagem em termos de maquiagem e minha imagem em termos de reputação de senhora de si, construída a base de muita tristeza engolida naqueles meses.
Eu precisava de um álibi e minha carteira vermelha fora escolhida para comparsa-facilitadora-da-fuga. Passos apressados até a terceira repartição do banheiro feminino do segundo andar, em frente à sala 200 e lá vai pedrinhas. Me encostei na porta garantindo o sinal de ocupado e disse em voz baixa: - Merda. Eu sabia o que aquele merda significava melhor do que o par de garotas do lado de fora que discutia sobre um louro de camiseta vermelha que haviam encontrado no corredor. Eu sabia que um merda pode ser sinônimo de a minha sexta-feira fracassou, e eu sabia que aquele - mais do que todos os outros merdas - apontava para minha franqueza sobre a minha fraqueza. Me escorreu uma lágrima de rímel, ligeira, que eu tratei de limpar assim que saí do meu esconderijo, seguidamente aos retoques de pó compacto. Pois bem, murmurei. Se ninguém compreende uma pseudo-diva, também não compreenderá um urso panda na forma humana e gênero feminino.
Titubeei em virar para a esquerda ou para a direita na saída. E essa dúvida carregava a decisão entre espairecer ou morrer chorando de cabeça baixa no meio do tédio. Cruzei o hall do bloco E até a área azul como quem cruza um campo de batalha. Breve, lacônica, certeira. Foi o tempo que bastou. - Frito ou assado? O senhor da cantina me perguntaria. "Frito", respondi, na precisão de que era a pior das escolhas - quanto mais, se eu acompanhasse este "frito" com uma coca-cola de proporção assombrosa quando comparada ao meu pequeno apetite.
Me sentei em um lugar estratégico: De lado para uma ex-amiga, de frente pra um grupo de uns oito garotos que me veriam se sujar com alguns farelos enquanto devorava uma coxinha de frango sem usar guardanapos, por vontade própria. Aquela era a situação mais patética em que eu já havia me enfiado publicamente - e de propósito - em menos de dois semestres de faculdade. Eu quase era capaz de rir imaginando os comentários no mesmo instante em que eu me levantasse, dizendo qualquer coisa sobre eu ser uma maluca depressiva ou um projeto de gordinha tensa. Era com esses olhos que a senhora da limpeza olharia pra mim ao me ver devolver o frasco de mostarda e regressar tomando o último gole com os canudinhos que já faziam o inconfundível barulho de acabou, baby. (Não falam, mas se falassem era exatamente isso que diriam).
Não sei se é muito sensato dizer que o preço para redescobrir a coragem e a confiança em si é menos de $5 na cantina do Tio Willy, mas direi mesmo assim. Um cartão para adquirir uma coxinha pode não ser um passaporte para ingressar no país das maravilhas, mas isso muito pouco importa quando a única coisa da qual se precisa é sair de trás do véu de delineador da Avon pra provocar emoções ridiculamente novas. Devia passar das dez quando, de estômago cheio, desfiz a trança do cabelo com maestria e desejei lavar o rosto como quem diz ao mundo: Estou aqui pra isso mesmo e me basta saber que sempre haverá a chance de um recomeço.

***

" (...) Pois bem, quando eu consigo fingir, não é por muito tempo. Pasmem: sou colorida, cheia de vida e amor pra dar, mas estou longe de ser uma pessoa alegre a vida toda. Durante o dia, meu raciocínio frita, meus hormônios borbulham, o coração dá nó, os olhos incham e meu humor oscila durante vários turbulentos momentos. Tom-sobre-tom? Inexiste. Meios termos? Desconheço. Quando sou feliz, sou admiravelmente feliz. Quando estou mal, me deixa, eu choro rios. E eu me permito ficar mal. Valorizo cada dorzinha do lado esquerdo do peito, cada vácuo que surge, assim, involuntariamente, no meio de uma noite de sexta-feira sozinha em casa. Valorizo e me permito, principalmente, passar uma noite de sexta-feira sozinha em casa. Eu e eu. Suficiência e pausa. Dois hiatos mudos que só eu sei sobre. A minha felicidade é feita por momentos, não um estado de graça que dura 24 horas no controle remoto. Eu não vou ficar sustentando sorrisos embasbacados nem guardar uma mágoa que um dia vai me dar um câncer. Se eu quero sofrer um pouco, não há santo que me tire do muro das lamentações, se eu não estou a fim de sorrir, não há beliscão da minha mãe que me faça ser simpática. Realmente é muito fácil ser feliz com a vida que eu tenho. Só faço o que eu quero e tenho tudo que eu gosto. Claro que o contrário não se encaixa, nem sempre faço tudo o que eu gosto e não tenho tudo o que eu quero. Mas, com tanta porcaria aí nos noticiários, é fácil desligar a televisão, evitar o soco no estômago e continuar sendo feliz. Difícil mesmo é ter uma sensibilidade berrando (...) Eu poderia, claro que poderia, estar aqui mostrando meu lado alegre, rodeada de amigos, festas, bebidas, amores, brincalhona, engraçada, mas optei pelo caminho inverso. Oi amigos, eu sou assim. Lamentando ou não, querendo ou não, eu sou assim. A vida é curtinha, eu não vou perder meu tempo levantando a bandeira do masoquismo e tentando ser quem eu não sou. Tenho maturidade, jogo de cintura, espírito de liderança, personalidade formada? Minha mãe diria que não. Ela quer me ver longe de qualquer tumulto, qualquer intriga, qualquer exposição. E pensando bem, asas são quentinhas. Mas se eu preferisse a comodidade não tinha levantado da cama desde o dia que (...) confundi desamor com pouco amor. O que eu sei é que eu não nasci assim, mas também não cheguei ao ápice da boa forma de um adulto. Eu sei aonde quero chegar, mas não sei como fazer para não deixar partes de mim pelo caminho. Eu sei o que eu quero e o que eu gosto, mas talvez eu ainda não tenha aprendido como conseguir, pedir, latir, gritar para ganhar. Eu só sei que eu quero. Quero agora, nesse segundo, com os olhos, boca, fígado e coração implorando." Mariana Vasconcellos

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