terça-feira, 2 de novembro de 2010

O próprio caminho


"Por que hás-de tentar ser como os outros, se estás condenado a ti? Para que hás-de rir, se, quando ris, a tua própria alegria sincera é falsa, por que nasce de te esquecer de quem és? Para que hás-de chorar, se sentes que de nada te serve, e choras mais as lágrimas não te consolarem, que porque as lágrimas te consolem? Se és feliz quando ris, quando ris venci; se então és feliz porque te não lembras de quem és, quão mais feliz serás comigo, onde não mais te lembrarás de nada? (...) Vem ao meu carinho, que não sofre mudança; ao meu amor, que não tem cessação! Bebe da minha taça, que não se esgota, o néctar supremo que não enjoa nem amarga, que não desgosta nem inebria. Contempla, da janela do meu castelo, não o luar e o mar, que são coisas belas e por isso imperfeitas; mas a noite vasta e materna, o esplendor indiviso do abismo profundo! Nos meus braços esquecerás o próprio caminho doloroso que te trouxe a eles."

(Fernando Pessoa)

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