quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O benefício da entrega

(...) Num deserto de almas também desertas,
uma alma especial reconhece de imediato a outra
Caio Fernando Abreu

Ele já não me era mais completamente estranho como fora um dia. Pra ser honesta, ele não me era mais nem minimamente, nem de longe, nem que se esforçasse, uma pessoa estranha. Aos muitos - sim, aos muitos e em pouquíssimo tempo - como se fosse meu, como se fosse velho conhecido, ele tomou tal importância e invadiu com tamanho ímpeto os meus pensamentos que quase não pude acreditar. Era mesmo assim que ele era: Invasor de sonhos. Dos mais doces aos reconhecidamente voluptuosos, que envolviam cinturas e cafunés. Um protetor resoluto da minha capacidade de acreditar na existência das pessoas especiais, dispostas a criar tanto quanto se envolver com algum tipo de sentimento diferente, novo, surreal, intenso.
Sua não-estranheza, agora já confessa, convidava-me a lembrar do que sempre agradou tanto: A sensação de segurança em um mar de surpresas e incertezas. A maré insistia em me levar pro cais, que é tão dele, a cada dois minutos de pensamentos... Então insisto também, eu. Sinceramente, eu insisto nos sentimentos, nos impulsos, nas paixões. Insisto em acreditar nos romances ideais que funcionam, a mim, como um ímã, e que nesses inícios guardam consigo sempre um pouco de receio, de frio na barriga. Uma porção generosa de alegria convertida em risos a qualquer hora do dia.
Digam o que disserem... Razão nenhuma prepondera perante a sintonia que as almas não-desertas de Caio Fernando me sugerem. Suponho que qualquer um já deva ter entendido que nunca deixo uma alma não-deserta passar por minha vida, em branco, sem convidá-la para escrever entrelinhas comigo. Eu sou da tribo dos ingênuos, por mais que isso me contradiga. Dos ingênuos que, como eu, acreditam: Nos sentimentos, apostando neles. Nas pessoas especiais, apostando nelas. Arcamos com as consequências. Respondemos sempre pelo revés da entrega. Mas também por todos os seus infindos benefícios...

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

A dois passos do impossível: Anjos, futuros amores e portas de vidro.

"Quem és tu que me lês? És o meu segredo ou sou eu o teu?"
Clarice Lispector

Apareci na porta de vidro e o fitei por longos 5 minutos, sem que ele percebesse. Lindo vê-lo daquela perspectiva. Agrada saber-me um sem fim de imprevisibilidade, mesmo depois das revelações no telefone. Queria ser criativa para deixá-lo admirado, e aparecer naquela porta, aquela hora, era tudo o que me ocorria. Precisava vê-lo. Meu coração precisava se aquietar ou pularia fora do peito. Parece-me que o meu estoque de esperanças sentimentais nunca se acaba... E ele parecia adorar tudo aquilo tanto quanto eu. Parecia perfeitamente sintonizado na minha frequência de entrar no jogo sem saber onde é que vai parar. Nossos olhares se cruzaram. Sorri. Tinha vontade de entrar lá e pedi-lo dois minutos do seu tempo para ensinar-lhe o caminho de volta para mim, a fim de que ele o fizesse sempre que desejasse. Tinha medo de sufocá-lo com as minhas expectativas. Guardei certa distância, segura. Me contive em mirá-lo de longe, com a delicadeza de quem tem os lábios entreabertos esperando para ser surpreendida. Talvez... Bem, talvez nossa história um tanto quanto confusa e desajeitada - como todas que a precederam - fosse o ponto de partida ideal para uma história linda, exatamente do jeito que eu esperava - ou, como insistia Joana - precisava viver. Porque ele insistia em merecer. Por Deus, como ele merecia. Todos os dentes um pouco maiores do que o normal me encantavam. As camisetas multicoloridamente estampadas me enchiam os olhos. Os bilhetes que ele me enviaria duas horas depois me mereciam ontem. Os olhos castanhos e a voz meio rouca me mereciam ontem e o resto do mês. Do ano. Achei que ele estivesse com o mesmo cabelo de sempre, mas ele havia me dito que aquele era o "penteado descuidado", para que eu opinasse. Estava lindo, incontrolavelmente divertido, o que produzia um efeito muito semelhante às cócegas que um dia, certamente, ele me faria, enquanto esperássemos os meus pais me buscarem num fim de domingo de verão. Daqueles fins de domingo de verão onde tudo parece parar, desde que na companhia de um futuro amor. Minha alma sorria, aliviada. Naquela noite, ele existia apenas para cuidar de mim. De longe, com os olhos, conseguia ser protetor. Imagine de perto! Um anjo. Talvez fosse o que ele era: Um anjo me reensinando a sair do chão com suas asas, ou meu futuro amor. Para além dos meus sonhos interrompidos, para além dos nossos medos, para além do céu, para além daquela porta de vidro. Quis confessar minha alegria e agradecê-lo por existir, mas não tive tempo... Meu sorriso distante confessava por mim tudo aquilo que, mais tarde, eu repetiria sem titubear - embora nem precisasse dizer...

domingo, 14 de novembro de 2010

Surpresa canina!


Há uma semana, chegou sem avisar. Jamais esperei que permanecesse em minha vida. Permaneceu. Roubou todo tempo, todas as horas de pensamentos nesses sete dias. Se instalou. Tão jovem, tão cheio de manha, tão seguro de si. Quis atenção. Nunca tive muito pra perder. Éramos a combinação ideal de desapego. Tem me arrancado suspiros, curado carências e correspondido às expectativas. E me olha no fundo dos olhos, e seus sons me parecem sempre perfeitos. Coisa boa dar oportunidade pra uma emoção acontecer sem saber onde é que ela vai desaguar. Sem coleiras, sem amarras, sem compromisso. Apenas a liberdade de se querer perto - na medida certa e sabe-se lá até quando. Esteve livre pra chegar, estará livre pra partir. Não me queixo de lhe dar um nome próprio, um pouco da minha loucura e algumas horas das minhas madrugadas. Não me importo de me atrever e ousar pra depois desistir ou me enfadar, ou começar a me apaixonar. Nenhum tempo é perdido com algo que arrisca, que pulsa, que vibra, que vive e que faz viver. Adoro o que me tira do sério e do tédio, porque minha versão mais apaixonada nasce apenas nos desafios. Provoque! Provoque minhas reações mais adoráveis, o que houver de melhor em mim. E então me converto em um ser pequeno, doce, disponível, que não hesitará em se compartilhar contigo.

sábado, 13 de novembro de 2010

Sexta-feira quase 13

Estive adiando a hora de escrever isso. Estou adiando. É agora. Amo essa expectativa. Detesto o gosto de estar entregue. Ninguém é capaz de mensurar com palavra a minha vontade de gritar. São dez pra duas. É quase três. Sexta prestes a virar sábado. Já virou. Mas tá longe de ter sol. Deu vontade de escrever, porque escrevendo é quando mais me entendo. Tem cinco verbos novos no meu vocabulário, que não me deixam em paz. O que não me deixa em paz é um certo moço. E o seu rosto. A ponta do anelar, da primeira dobra, me toca o lábio superior. Sinto o cheiro de quem nunca abracei. Temo, lacônica. Temo perder a propriedade do contrato artificial, que não fiz. E não sei a que vim sem querer desvendar onde estarei. Engana-me o frio na barriga, ou consola? Ameniza. Todo dia, um novo tom. Ai de mim. Toda hora, um novo tom. Com quanta impulsividade se faz uma alegria? Com quanta euforia contida se faz uma mulher de fibra, que conquista? Queria me deliciar da descoberta. Percorre-me um leve arrepio da madrugada, frio, qualquer coisa entre os tornozelos e os joelhos, os cotovelos e os punhos e a nuca. Solitária e insólita. Sorrateira. Secreta. Sinto um pouco de medo de existir, a meu modo.

***

Eu cansei de ser assim / não posso mais levar / se tudo é tão ruim / por onde eu devo ir?
A vida vai seguir / ninguém vai reparar / aqui neste lugar / eu acho que acabou
Mas eu vou cantar pra não cair / fingindo ser alguém / que vive assim / de bem
Eu não sei por onde foi / só resta eu me entregar / cansei de procurar / o pouco que sobrou
Eu tinha algum amor / eu era bem melhor / mas tudo deu um nó / e a vida se perdeu
Se existe Deus em agonia / manda essa cavalaria / que hoje a fé me abandonou.
Los Hermanos

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Quando C quer dizer Cinderela

O telefone tocou 9h e eu lembrei logo de Cinderela... E de nossa conversa de ontem à noite. Impossível que minha amiga já tivesse novidades... Sim, eu sou amiga de Cinderela e, sabe, essa menina é estranha. A fada-madrinha da Cinderela que eu conheço entrou no efeito reverso e caiu no sono profundo da Bela Adormecida. Se esqueceu de entrar em ação. Veja você que a coitada ficou desmadrinhada, um show de azar, medido pela vez em que se despediu de um príncipe e ele virou um unicórnio... O que, na prática, não significa muita coisa, porque Cinderela é uma princesa singular.
Também beijou uns dois lobos maus, e um sapo que não se transformou. Mas esse histórico é muito breve e não convém ao que quero lhes contar. Minha conversa de ontem foi bem mais interessante: Ela me contou que resolveu levar outra vida. Se libertou da madastra, que salvo engano se chamava Saudade, e está prestes a se apaixonar pelo irmão da Barbie. E que ela está se divertido muito com essa situação. E que ele quer seduzi-la.
Gargalhei com gosto da impulsividade de minha amiga e das confusões nas quais se mete. Perguntei se Cinderela estava ficando maluca. Ela me respondeu que já havia conhecido muitos personagens, tantos quantos nem sabia se lembrar do número, e que, infelizmente, havia se decepcionado com a maioria. Era hora, portanto, em seu raciocínio, de dar chance para o inesperado e... quem sabe... perder o sapatinho em lugares novos. Assenti sorrindo, invejando sua disposição em se apaixonar. Admirei C de Cinderela, sinceramente, sem modéstia. O brilho em seus olhos e o sorriso cheio de dentes parecia indicar que era tempo de confiar nos próprios feitiços.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Encontros e despedidas

"Mande notícias do mundo de lá, diz quem fica.
Me dê um abraço, venha me apertar, tô chegando...
Coisa que gosto é poder partir, sem ter planos.
Melhor ainda é poder voltar. Quando quero.
Todos os dias é um vai-e-vem:
A vida se repete na estação.
Tem gente que chega pra ficar,
tem gente que vai pra nunca mais...
Tem gente que vem e quer voltar;
Tem gente que vai e quer ficar;
Tem gente que veio só olhar...
Tem gente a sorrir e a chorar.
E, assim, chegar e partir.
São só dois lados da mesma viagem:
O trem que chega é o mesmo trem da partida..."
Milton Nascimento|Fernando Brant


Hoje eu decidi deixá-lo imerso no sossego de uma vez por todas. Deixar em paz, se você preferir. Quis dar fim à semana conturbada que tivemos com o abraço espontâneo que combinamos retribuir na próxima vez que nos víssemos. Tentei, em vão, uma última vez, te encontrar de propósito. A contragosto, não fui capaz de lhe achar, exatamente como você alertou que seria. Todos os amigos indispostos ou sem gasolina. Os outdoors em minha mente anunciaram imprecisos: Você! A 50, 120 ou 200km, em uma pizzaria, na China, na casa dela, na sua ou no Alaska. O que eu precisava saber já sabia. Estava ocupado, caímos na caixa postal do número da operadora antiga, do celular antigo, do amor antigo. Caímos eu e as minhas intenções piegas.
Era hora de adentrar a casa, vestir aquele pijama preto de alças, curto, confortável. Que você adorava. E respirar fundo. Foi quando olhei o retrato caído na última prateleira do armário, escondido entre a caixa verde (onde ainda guardo todos os presentes) e as roupas de dormir. Sorríamos sinceramente, com o coração. Nostalgia. Não demorou muito mais que 10 segundos para que eu desviasse os olhos ao espelho e entendesse: A menina da fotografia que lhe arranca sorrisos não sou mais eu. E tudo fico claro, claríssimo...
Que tolice a minha, depois de tanto tempo ainda crer - insistir-em-crer-gostar-de-crer - que você esperaria de uma pessoa a prática do uso correto do mas e do mais, das quatro formas de escrever por ques, a valorização da própria criatividade em detrimento das tentações do plágio em depoimentos. Que tolice a minha, crer que você admiraria em alguém as pequenas censuras sinceras: no duplo sentido de recados enviados, numa pureza honesta, numa virgindade a zelar, num pai rígido a respeitar, em horários para chegar.
Quanta inocência a minha, acreditar que tu procurarias em alguém o que esperou de mim. Que equívoco pueril crer que o amor, o gostar, o querer-bem, o "ser feito feliz" depende de critérios tão específicos quanto os que um dia lhe atraíram, porque eu os possuía. Nós não nos apaixonamos pelas pessoas que cabem na nossa forma definida de alma gêmea, não, embora até muito pouco tempo atrás eu relutasse em depositar esperanças no contrário.
Você não vai "voltar" a me amar porque sou melhor ou mais polida. Os teus encantos, em especial, advém do rearranjo de virtudes: Ora porque deseja - com a consciência - determinada característica, ora porque fecha os olhos para outras feiúras da personalidade que, em outras condições, você repudiaria.
Até muito pouco... não. Serei mais precisa: Até a noite de hoje, quis muito crer que seria possível ser amada no todo, com a tolerância aos piores atos e atribuição de rótulos heróicos às melhores condutas, como o confessar que te amo. Mas não é bem assim que funciona, na prática. Ama-se apenas por tudo que fica ao alcance da vista, nas vitrinas que só um relacionamento-fornecedor proporciona ao "consumidor".
Pus na cabeça e no coração que vou guardar comigo a segurança de ter te amado muito e a certeza de que o rio-amor, imenso, extenso, avassalador, não acabou e não acaba por aqui. Apenas mudou, mudaste, mudamos. Não sei mais de onde será a tua partida, tampouco a que horas se dará a tua chegada. O que digo, aliviada, é que o dia de hoje me trouxe uma porção generosa de sossego, já que com ele nasceram duas certezas:
A de que outro oceano provará o doce de tuas águas;
E a de que a mim sobrará, ainda e sempre, a nobre tarefa de agradar - espontânea - a quem vê pouca graça na constância, imutável, que nada arrisca por medo de sofrer.

Você, vocês?
Não sei, não vi.
Eu, permaneço aqui:
Com a mesma paz com que te deixo ir.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Quer vir pra festa, venha.

Sempre adorei festas, e as minhas festas sempre foram cheias de palavras. E as palavras, por si só, sempre foram recheadas dessas certezas momentâneas que vem e que vão tão precisas quanto chuva em dia de verão. Porque as palavras sempre adoçaram o amargo de estar só ou a solidão de estar mal acompanhada. E, em paradoxo, sempre deixaram ardente o que era doce demais. Uma proeza particular, porque há palavras que adoçam a vida, a priori, sozinhas ou acompanhadas de melodia. O problema é que as minhas festas de palavras começaram a receber gente inexperiente, desavisada dos meus carnavais. Gente que não estava preparada para o alto teor de embriaguez que as palavras dão ao meu festim. E, principalmente, gente que não era convidada. Mas eu não tenho vocação para expulsar penetra, não. Quer vir pra festa, venha. Mas pague o preço do ingresso, e não reclame se levar um pouco das minhas palavras nos bolsos, na memória, inoportunas. As palavras me custam caro. Sem demora, nesse esbanjo do que é tão meu, nesse leva e traz do que me compõe, eu poderia me cansar e parar de escrever. Assim, para agradar. Pra agradar quem quer que pudesse se sentir inseguro/espantado/atordoado de palavras. Mas ninguém é capaz de guardar certezas no bolso pra sempre. Então festejo.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

O próprio caminho


"Por que hás-de tentar ser como os outros, se estás condenado a ti? Para que hás-de rir, se, quando ris, a tua própria alegria sincera é falsa, por que nasce de te esquecer de quem és? Para que hás-de chorar, se sentes que de nada te serve, e choras mais as lágrimas não te consolarem, que porque as lágrimas te consolem? Se és feliz quando ris, quando ris venci; se então és feliz porque te não lembras de quem és, quão mais feliz serás comigo, onde não mais te lembrarás de nada? (...) Vem ao meu carinho, que não sofre mudança; ao meu amor, que não tem cessação! Bebe da minha taça, que não se esgota, o néctar supremo que não enjoa nem amarga, que não desgosta nem inebria. Contempla, da janela do meu castelo, não o luar e o mar, que são coisas belas e por isso imperfeitas; mas a noite vasta e materna, o esplendor indiviso do abismo profundo! Nos meus braços esquecerás o próprio caminho doloroso que te trouxe a eles."

(Fernando Pessoa)