segunda-feira, 15 de março de 2021

Escrevo para não morrer

Escrevo para não morrer. Desde que tenho lembrança, escrevo para que as palavras não me afoguem ou sufoquem e eu seja capaz de respirar alguma normalidade depois de por o amargo pra fora através da escrita. Escrever virou uma parte importante da minha profissão e, talvez por coincidência, eu também escrevo as dores dos outros para sobreviver. Para que sobrevivam. Eu me concentro escrevendo porque é assim que comunico melhor ao mundo todas as coisas, inclusive as mais íntimas. Inclusive minha vontade de viver. Escrevo para me manter viva. E porque nunca me senti preparada para lidar com a morte. Tanto a ponto de evitar funerais para evitar a certeza de que a vida acaba, quer tenhamos feito nossa parte para melhorar o mundo ou não, e para evitar o sofrimento que a ideia da morte me causa. Mas mesmo assim tenho me sentido triste (eu diria deprimida até, não fosse a falta de diagnóstico) num nível muito mais profundo do que consigo dizer em voz alta. E me sinto triste, especialmente, porque tenho evitado dizer como me sinto. Com medo de quem pensa diferente de mim hostilizar o modo e as razões pelas quais eu me sinto como eu me sinto. Como inclusive já aconteceu, várias vezes. Eu fui me calando e agora é como se ouvisse muito altos os gritos do absurdo para que minha voz pudesse se opor a eles. Ao meu redor é como se a pluralidade parecesse ser cada vez menos tolerada. Gradualmente. Sem que ninguém que pense diferente de mim se dê conta. E aos poucos muita gente que pensa como eu também se cala: para não ser condutor de ódio e se confundir com o que gostaria de combater, imagino eu. Para evitar o conflito. Para - na pior das hipóteses - não ser perseguido agora ou mais tarde, quando as pessoas perderem de vez o pudor de institucionalizar a morte como a melhor saída para o que é diferente. Se é que já não perderam. Hoje é segunda-feira. Escrevo só porque ainda posso. Porque o medo e o pavor que eu sinto não parecem nada com liberdade. Para não morrer sufocada. E mesmo assim eu morro, todo dia um pouco, quando me calo. Todo dia eu morro, por sentença de morte assinada por mim mesma, ao fechar os olhos numa espécie de conivência que eu nunca quis ter. Todo dia eu morro caminhando para o que é extremo sem querer, acotovelada por quem se sente livre - sabe-se lá até quando.