sábado, 18 de dezembro de 2010

Eternamente... Iolanda!

As mãos com unhas vermelhas sempre foram marca registrada. As mesmas mãos de unhas vermelhas sempre fizeram a melhor maionese de batatas no almoço de domingo e a melhor cuca de farofa dos cafés da tarde. Lembro das mãos assim, cozinhando, lembro das mãos jogando cartas, lembro das mãos atendendo aos pedidos do meu avô, lembro das mãos rezando terços, lembro das mãos segurando o queixo ao assistir partidas de futebol, lembro das mãos segurando xícaras de café e também lembro das mãos fumando cigarros enquanto, sentada com os joelhos dobrados no apoio da cadeira, ela observava o horizonte. E faça o esforço que fizer, lembro das mãos ocupadas, servindo.
Lembro da última semana. Enquanto chovia fraco, esse retrospecto de mãos comparecia em minha memória com acentuada frequência. No alto de um morro, no hospital da cidade, ou mesmo em seu quarto, aquelas mãos tão conhecidas aparavam a tosse fraca de uma saúde frágil. Não era fácil ver aquelas mãos, que beijei tantas vezes ao pedir bênçãos, agora muito pálidas e com os ossos aparentes, preocupadas com os canos do oxigênio. Sem esmalte e sem anéis, eu as vi emagrecer toda semana nos últimos tempos, torcendo de todo o meu amor - aquele amor por vezes tão egoísta - para que as suas queridas mãos não se cruzassem. E quando a esperança se esvaía por tímidos segundos eu temia o que pudesse ocorrer.
Mas se fosse para o seu bem, em nome de todas as infinitas coisas boas que aquelas mãos fizeram, o meu coração esperaria que a ordem natural das despedidas não comportasse exceções: Na partida, deve doer menos em quem parte do que em quem fica. E se agora dói tanto, tanto, tanto... Fica em nossos corações um conforto do teu descanso... Aceite essas palavras como as flores que tu gostavas. São a forma que encontrei para homenagear minha avó, meu amor, meu eterno exemplo de bondade e força. As tuas mãos com unhas vermelhas, sempre ocupadas, ficarão em minha lembrança. Assim como a tua dedicação e a tua ternura. Eternamente a mulher de fibra, a mãe e esposa zelosa. Eternamente doce. Eternamente Iolanda!


Esta canção não é mais que mais uma canção...
Quem dera fosse uma declaração de amor,
romântica, sem procurar a justa forma
do que lhe vem de forma assim, tão caudalosa.
Te amo, te amo, eternamente te amo.
Se me faltares, nem por isso eu morro...
Se é pra morrer, quero morrer contigo.
Minha solidão se sente acompanhada...
Por isso às vezes sei que necessito teu colo.
Teu colo... Eternamente teu colo.
Quando te vi, eu bem que estava certo
de que me sentiria descoberto...
A minha pele vais despindo aos poucos
Me abres o peito quando me acumulas...
De amores, de amores. Eternamente de amores!
Se alguma vez me sinto derrotado
Eu abro mão do sol de cada dia...
Rezando o credo que tu me ensinaste.
Olho teu rosto e digo à ventania:
Iolanda! Iolanda! Eternamente... Iolanda!
(Chico Buarque)

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