sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Encontros e despedidas

"Mande notícias do mundo de lá, diz quem fica.
Me dê um abraço, venha me apertar, tô chegando...
Coisa que gosto é poder partir, sem ter planos.
Melhor ainda é poder voltar. Quando quero.
Todos os dias é um vai-e-vem:
A vida se repete na estação.
Tem gente que chega pra ficar,
tem gente que vai pra nunca mais...
Tem gente que vem e quer voltar;
Tem gente que vai e quer ficar;
Tem gente que veio só olhar...
Tem gente a sorrir e a chorar.
E, assim, chegar e partir.
São só dois lados da mesma viagem:
O trem que chega é o mesmo trem da partida..."
Milton Nascimento|Fernando Brant


Hoje eu decidi deixá-lo imerso no sossego de uma vez por todas. Deixar em paz, se você preferir. Quis dar fim à semana conturbada que tivemos com o abraço espontâneo que combinamos retribuir na próxima vez que nos víssemos. Tentei, em vão, uma última vez, te encontrar de propósito. A contragosto, não fui capaz de lhe achar, exatamente como você alertou que seria. Todos os amigos indispostos ou sem gasolina. Os outdoors em minha mente anunciaram imprecisos: Você! A 50, 120 ou 200km, em uma pizzaria, na China, na casa dela, na sua ou no Alaska. O que eu precisava saber já sabia. Estava ocupado, caímos na caixa postal do número da operadora antiga, do celular antigo, do amor antigo. Caímos eu e as minhas intenções piegas.
Era hora de adentrar a casa, vestir aquele pijama preto de alças, curto, confortável. Que você adorava. E respirar fundo. Foi quando olhei o retrato caído na última prateleira do armário, escondido entre a caixa verde (onde ainda guardo todos os presentes) e as roupas de dormir. Sorríamos sinceramente, com o coração. Nostalgia. Não demorou muito mais que 10 segundos para que eu desviasse os olhos ao espelho e entendesse: A menina da fotografia que lhe arranca sorrisos não sou mais eu. E tudo fico claro, claríssimo...
Que tolice a minha, depois de tanto tempo ainda crer - insistir-em-crer-gostar-de-crer - que você esperaria de uma pessoa a prática do uso correto do mas e do mais, das quatro formas de escrever por ques, a valorização da própria criatividade em detrimento das tentações do plágio em depoimentos. Que tolice a minha, crer que você admiraria em alguém as pequenas censuras sinceras: no duplo sentido de recados enviados, numa pureza honesta, numa virgindade a zelar, num pai rígido a respeitar, em horários para chegar.
Quanta inocência a minha, acreditar que tu procurarias em alguém o que esperou de mim. Que equívoco pueril crer que o amor, o gostar, o querer-bem, o "ser feito feliz" depende de critérios tão específicos quanto os que um dia lhe atraíram, porque eu os possuía. Nós não nos apaixonamos pelas pessoas que cabem na nossa forma definida de alma gêmea, não, embora até muito pouco tempo atrás eu relutasse em depositar esperanças no contrário.
Você não vai "voltar" a me amar porque sou melhor ou mais polida. Os teus encantos, em especial, advém do rearranjo de virtudes: Ora porque deseja - com a consciência - determinada característica, ora porque fecha os olhos para outras feiúras da personalidade que, em outras condições, você repudiaria.
Até muito pouco... não. Serei mais precisa: Até a noite de hoje, quis muito crer que seria possível ser amada no todo, com a tolerância aos piores atos e atribuição de rótulos heróicos às melhores condutas, como o confessar que te amo. Mas não é bem assim que funciona, na prática. Ama-se apenas por tudo que fica ao alcance da vista, nas vitrinas que só um relacionamento-fornecedor proporciona ao "consumidor".
Pus na cabeça e no coração que vou guardar comigo a segurança de ter te amado muito e a certeza de que o rio-amor, imenso, extenso, avassalador, não acabou e não acaba por aqui. Apenas mudou, mudaste, mudamos. Não sei mais de onde será a tua partida, tampouco a que horas se dará a tua chegada. O que digo, aliviada, é que o dia de hoje me trouxe uma porção generosa de sossego, já que com ele nasceram duas certezas:
A de que outro oceano provará o doce de tuas águas;
E a de que a mim sobrará, ainda e sempre, a nobre tarefa de agradar - espontânea - a quem vê pouca graça na constância, imutável, que nada arrisca por medo de sofrer.

Você, vocês?
Não sei, não vi.
Eu, permaneço aqui:
Com a mesma paz com que te deixo ir.

Um comentário:

Francisco de Assis disse...

Te leio e sinto raiva.
Raiva mesmo. Ódio de você.
Puta que o pariu,
este texto, eu que queria
escrever.