quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

O que tu ouves e o que tu lês?

E de repente, a inquirição e suas duas metades esquecidas surgiam, as mais fundamentais de todas. Não que se deva perguntar isso a todos os recém-conhecidos, não. Só aos aspirantes a amigos e aos aspirantes a amores. O que uma pessoa ouve e o que ela lê aproximam ou afastam muito, para mim, embora nem sempre eu dê a devida importância a essas minúcias. Se uma pessoa ouve MPB e lê romances, má pessoa não pode ser. Mas e se ela ouvir, sei lá, pagode? E se lê só o jornal? E se for adepta de revistas de nudez? E se for assustadoramente fã de Mozart? A gente se atordoa com o inesperado. Pode ser que nem saiba mais muito bem do que realmente gosta, se o outro não gosta. Por isso é que se deve ter muito cuidado ao indagar. Deve-se chegar devagar e não ter nem o que sobra da pressa, porque o assombro da precipitação não há que se instalar entre dois futuros amigos, para não comprometer a promessa de relação amistosa. É necessário que se aguarde pacientemente pelas respostas, sem espanto das discrepâncias, sem euforia nas coincidências. Porque se talvez as perguntas sejam os divisores de águas, ou se talvez este lugar estiver reservado às respostas... Só a amizade ou o amor dirão.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Sabia de cor e ainda sei

Quarta, entre dez e onze antes do meio-dia. Não preocupada, mas nem tão longe assim daquele comportamento absorto ao qual fui acometida no fim de tarde anterior, vesti as roupas e me aproximei do sino dos ventos da janela mais à esquerda entre as três imensas que o apartamento 506 possuía. Muita gente se aglomerava entrando e saindo das lojas daquela pseudo-metrópole às vésperas de natal. Passeando lá embaixo, nenhum conhecido aparente, e gente não muito bonita - também pudera, nada pode distinguir de muito belo uma mulher míope que observa a cinco andares de distância. E eu estava sem óculos mas, no todo, a vista era bem agradável: Uma pequena praça circundada por no mínimo três faixas de pedestre, três bancos de sentar e, mais ao fundo na paisagem, três bancos de pagar contas. Três. Embora eu tentasse fazer as associações necessárias para que algum lirismo se formasse em razão da repetição dos números na cena, pouco acontecia. E eu permanecia ali: Na precaução que herdei de meu pai a não deixar que nada me pegasse muito de surpresa sem que pudesse me defender à altura e naquela expressão boba de "corpo-fechado" que já ouvi minha mãe usar algumas vezes. A conversa da noite anterior, de que uma ida à padaria (ou ao mercado, ou a outro país, ou ao cinema, ou à loja de conveniência do posto de gasolina) pode mudar o rumo de uma vida, ainda ecoavam um pouco presentes demais. 
Eu não era de todo uma mulher precavida, mesmo porque o termo mulher nem caía muito bem para alguém que usa um sutiã do tamanho do meu. Mas em parte se podia dizer que eu reagia bem às provas de fogo - poucas e breves - a que já fui submetida. Coisa boba isso de provas de fogo. Mas é como viver e ter de escolher entre pizza ou hamburger, você sabe. De soslaio eu veria, acima de todas as outras obras, Aritmética, da Fernanda Young, sobre a pilha um pouco desorganizada. Autógrafo datado de 2004, quase uma relíquia. Não fiz mais que abri-lo na espera vã de encontrar conforto, como aqueles que abrem os livros sagrados de suas fés em qualquer página bem ao centro procurando uma espécie meio imaculada de prumo. Depois achei tudo aquilo muito patético e sentei na rede improvisada paralelamente à janela do meio, para ler como fazem as pessoas mais ou menos normais: Contracapa, nota da autora, dedicatória, primeira página de texto, depois segunda, depois terceira. Parei na página doze ou treze, porque encontrei uma frase que nem sabia que procurava. O trecho tinha uma "prosa poética" que eu gostaria de transcrever no todo, mas me falta a audácia de outrora - se é que nessa Literatura de hoje as prosas podem ser classificadas como poéticas - intercalado com dois poemas, de Lichtenstein e Schickele, que até então eu nem sabia existirem (eu acho, ao menos), e o trecho era mais ou menos compreensível, como devem ser os trechos de livro que se encontra milagrosamente por acaso. Dizia quase assim: "Sabia de cor e ainda sei. Sei que ela também sabia, e ainda sabe". Que lindo e que triste. Minhas narinas aspiraram um ar frio da fresta daquela grande janela para me recompor como se eu estivesse comendo oito pastilhas de Hall's preto ao mesmo tempo. Não estava. Pensei que algumas coisas se pode negar, outras se pode esconder, outras podem se perder. Não o que a gente sabe de cor. E, naquele momento, eu sabia pessoas de cor. Três ou quatro (deixamos em três para manter as coincidências). E ainda sei. Sei que também sabiam, e ainda sabem. Embora, quase sempre, esqueçam. As chaves giraram e devolvi o livro, bem rápido, pro lugar. Tem coisa que é assim mesmo. Confunde pra ficar na estante, desperta pra não desassossegar mais que uns dias.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

A um irremediável sacana

Boa tarde, seu grandessíssimo sacana. Sumiu, né? Posso dispensar as diplomacias do tudo bem ou como vai? Ótimo... Assim, faço de conta que me sinto à vontade. Como têm sido os dias? Bons, por aqui. No trabalho, eu mudei de função. Agora sou estagiária do gabinete e, embora pouca diferença isso faça, sinto que as pessoas se alegram um pouco por mim ao saber, por isso estou contando. Não faço mais diários de bordo. Nem escrevo com tanta frequência, não tenho sentido necessidade, como você já deve saber. É como se eu invadisse a vida das pessoas, agora, porque tudo que ouço e leio é pessoal demais. Estou digitando audiências e aprendendo a redigir despachos. O ofício me agrada. Trabalho em uma das maiores salas, e permaneço bastante tempo sozinha. A porta ao público fica sempre fechada, sem o habitual aviso de ar condicionado. Isso me confere uma imponência quase oficial.
As aulas terminaram na semana passada, mesmo com os contratempos. Acho que meus professores conseguiram dar conta da matéria, ou estão tão cansados com o final de ano quanto nós. A segunda hipótese é mais razoável. Tenho comido muito chocolate, lido um pouco e ainda não peguei sol nesse verão pra esconder as marcas da catapora e da psoríase. Entretanto, nada disso faz diferença considerável, para mim. Porque eu nos pus em regras duras demais. Passei por fases odiosas, eu sei. Detestei cada músculo que me faz dar meia volta, seguir-te da maneira mais literal que conheço e te caçar pelas portas cerradas atrás das quais você se esconde e dá novos rumos a novas gentes. Quis excluir os registros e não tive coragem, embora raramente lembre-me deles. Desejei paralisar os impulsos vitais que me eram concedidos nos beijos de despedida - sempre ao centro demais. Que destes esperançosamente em tantas outras faces, seu baita sacana. E ainda assim, eu sinto falta do riso, das mãos desajeitadas que conduziram semanas de olhos que cintilavam de maneira especial. De uma perspicácia forjada e orgulhosa de si mesma. E te escrevo para contar dos meus dias.
E como mencionar essa abnegação dos meus conceitos mais primários de amor-próprio não é do meu feitio, apenas escrevo. Resiliência, ocorre-me agora. Escrever faz sugar das últimas memórias, apropriadamente quase esmaecidas, uma gota sempre nova e brilhante de energia para me mover em frente, ou ao seu lado. Não, não. Esqueçamos o "ao lado" em nome dos bons modos. Sei que estás sempre à frente.
Distorci tudo vinte e nove vezes, mais ou menos. Eu repassei mentalmente cada despedida, inclusive aquela no meio da rua, que acho que foi uma das últimas. Eu lembro o eufemismo que vestia. E embora isso não tenha nenhuma relevância, faz com que eu sorria de satisfação pela vida que levava, clandestinamente leviana e, por isso mesmo, absurdamente motivadora.
Apareça logo! Eu sei que, sacana como lhe é próprio, e lindo, você virá. Pra me deixar pensando que tudo foi um erro, que tudo valeu a pena, que ainda valeria considerar, ou ao menos para fazer com que eu sorria para dentro assistindo tuas novidades como personagem-espectadora. Eu vou indo porque agora sou estagiária do gabinete e não posso chegar atrasada, você sabe como são essas coisas.

Confiro sua não-resposta quando voltar para a casa. E como acho aquele "atenciosamente" muito formal para essa não-conversa, vou me despedir meio romântica e meio sincera:

Sempre,
sempre meio tua,
meio presa a ele
e meio toda-livre,

Eu.

sábado, 26 de novembro de 2011

Não é orgulho em dizer


Tudo ainda me dói enquanto relembro o repousar de talheres de um jeito bem meu, porque a fome fora menor que o empenho em retirar as cebolas do lanche que o garçom anotou por engano. Também tenho preguiça de ser inconveniente, ali. Não quero comer, quero olhar o prato e ter fome. Muita fome. Uma fome etíope.
Ao fundo, os cantores conversam amenidades e, deixando de cantar, fazem do encontro um lugar agradável para confessar-me humana. Eu não confio em ninguém que diria o que eu digo, às vezes. O cidadão à minha frente parece confiar. Ouve quando eu digo que me sobram os dedos de uma mão para contar arrependimentos. E eu faço tanto.
Não é orgulho em dizer. É querer encontrar na monotonia um lugar de aconchego para, mirando as coisas passadas, querer um futuro igual ao tudo que essa vida já foi. Escolher algo não é ter coragem, não. Ledo engano.
Escolher algo é ser covarde para renunciar os outros temperos que se poderia dar à vida, com um pouco de ousadia - mas bem pouca - em tomar uma decisão. É misturar destemperos e sentir a euforia experimentada de adrenalina com êxtase: Logo eu que não entendo de substâncias químicas.
Agora são duas pernas que não tremem muito, mãos que não soam muito, e-mails que não chegam muito, novidades que não me frequentam muito. Olhos atentos... Mas forçosamente - qual é mesmo a palavra? - já nem sei. Forçosamente eu não sei a hora certa de deixar de insistir, mas finjo.

Queijo colonial me trava a boca quando estou de ressaca. E não espero tomar de lição. Eu gosto muito de queijo.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Ter fé e ver coragem no amor


Reaprendi a amar. É tão intenso quanto antes, mas mais devocional que outrora. O amor de agora é Claudia Leitte cantando O último romance de Rodrigo Amarante. Entende? É tudo igual, mas diferente.
Uma fórmula nova de se adaptar com a família e assistir filmes românticos. A mesma fila do pão, um jornal novo. E ninguém nunca diz que é tarde demais ou tão diferente assim. É só amor, ter fé e ver coragem nele. É aprender a história dos Beatles e colar uma figura escrito "Let it be" no celular já gasto. É aprender a comer sanduíche natural e a gostar de guaraná. Outro sufoco para acompanhar. É compartilhar a saliva e o suor. Principalmente a saliva e o suor. Querer andar de mãos dadas. Outra casa pra pôr na sacola. É conseguir olhar outra vez pra alguém com a mesma paixão infantil das cartas românticas e bilhetes guardados, sem medo, com muita vontade. Outras dúvidas, com o mesmo clichê: É pôr foto no porta-retrato e dar selinhos estalados de amor em público pra quem quiser ouvir. Querendo trocar a TV pra levá-lo a qualquer lugar que ele queira. É ter o horário da Taioense com lugar fixo no mural e rir dos atrasos e chegadas em cima da hora. É ser amiga dos cobradores de passagem, adorar aquelas duas gotinhas de Mont Blanc que deixam cheiro de quero mais - ou a camiseta surrada do Arsenal. Sair de casa. Se aventurar... E não tem mais sossego pra nenhum dos dois. Eu me agito, eu me recorto, eu dou outra vez o melhor de mim. Desfaço o nó da gravata e me sinto em casa. Reaprendi a amar.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Outros mil

E era simples: Eu ainda precisaria buscar muito, e conhecer outros mil eufemismos para entender o que quer que fosse.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

E sem final feliz

Outro dia cruzei com uma menina na entrada principal da faculdade e tive vontade de chorar ao vê-la sorrir. Acenei a ela com a cabeça naquela cumplicidade muda de quem não se conhece pra proferir mais que um aceno, e ela se pôs a sorrir por fora - timidamente - como se agradecesse a compreensão e soubesse exatamente o quanto eu partilhava da dor de dentro, que era dela. Tão nossa, tão dela.
Há muito eu a houvera visitado, neste fantástico mundo de palavras que criamos para nós, que ela criou para si. E ela falava de amor todos os dias. De muito amor ou de falta. Era quando eu mais me reconhecia nela. E eu conhecia a sensação, que então parecia ser dela, de estar vivendo algo muito maior do que as coisas que se podia prever. Maior e frágil. Maior e secreto. Maior e inconfessável. E eu conhecia a sensação de depois, de uma ou duas estações praticamente glaciais.
Desejei ter uma fórmula certa, tomá-la nos braços como criança e fazê-la entender que vai passar, se ela quiser. Que ela vai (des)acostumar, se ela quiser. Que o arco-íris volta em formas novas a cada chuva e sol, que o pote de ouro se esconde em lugares novos, se assim o permitirmos. Contudo, achei invasivo demais olhá-la para tão além daquele sorriso forçado - por isso, nada fiz e até agora, nada havia dito. Porque a cada lembrança minhas palavras de consolo se tornariam vagas outra vez.
E ela era linda. Autêntica, um pouco além das medidas convencionais, escrevia com o coração e era linda. Deve se ter deslumbrado com o impossível tão ao seu alcance. E ela não sabia, como talvez ninguém saiba antes de se entregar às delícias mais escondidas por palavras e metáforas dessa vida, que seria acometida pelo irremediável desejo de que o desespero passasse, dali a poucos meses, ou semanas. E eu conhecia tudo aquilo. Tudo aquilo também era muito meu. O desespero de descobrir um veneno mais forte que os naturais encantos pelo desconhecido - e sem antídoto. Então passamos uma pela outra, quase atravessando nossas dores, sorrindo. Permanecíamos sorrindo e aquela era a maior prova de que uma dor daquele tamanho não nos mataria, apenas tornaria menos frágeis aquelas mulheres que, ao falarem tanto de amor, acabaram por se perder dentro dele.
E tiveram a impressão de viver uma fantasia aos moldes daquele conto antigo sobre dois enamorados que se conhecem, se apaixonam, gargalham juntos e cometem as melhores loucuras. Muito mais intenso, é verdade. E sem final feliz. E a mocinha escreveria o conto, ao final meio débil, sem suas lentes para enxergar o que é mágico. O diário dela era cor-de-rosa. O meu, a poeira havia tomado conta, já não tinha mais cor. Desejaria que significasse que eu finalmente houvera aprendido que as cores e as palavras podem nos dar a falsa impressão de mudar o mundo sem que realmente ocorra - por isso, às vezes, é melhor deixá-las dormir... E só viver.


"Depois da última noite de festa,
Chorando e esperando amanhecer
As coisas aconteciam com alguma explicação..."
(Nenhum de Nós)

domingo, 28 de agosto de 2011

Um repertório

"Um repertório de desculpas pode ir sempre mais longe do que uma verdade, quando ainda não se descobriu que querer enfrentar tudo-ao-mesmo-tempo-o-tempo-inteiro é quase a mesma coisa que não enfrentar. Minha coleção de argumentos para ir avolumava-se na mesma medida em que crescia a lista de motivos para ficar. Mil razões apontando para a porta, mil e uma para o sofá, e eu ali, deitado no colo da dúvida, exausto por ter que amadurecer tanto em tão pouco tempo."

(Luciana Lorens Braga)

terça-feira, 26 de julho de 2011

Eu poderia voltar a morar ali, se fosse o caso

Eu construí um castelo. Ou um palácio, não sei bem a diferença, nem faço questão de saber. Não era de areia, talvez de palavras. Era confortável. Aconchegante. Servia bem a seu modo. As escadas para a torre principal eram enormes, o que me protegia pseudo-princesa. No meu castelo-palácio não havia apego e portanto eu nunca me machucava. Esta aqui era sua Sala Magna. Ampla de lirismo, pequena de léxico. No meu castelo-palácio tudo era motivo de riso e eu era grande, exuberante, majestosa, majestade. Um pouco piegas, mas muito interessante. E até mesmo imponente: Uma mulher de posse do seu próprio castelo-palácio. Todos se admiravam. Houve quem entrou sem bater na porta, houve quem bateu na porta, entrou e depois foi-se embora. Houve quem ficou de fora das grandiosas festas de entrada franca, por medo do comportamento da anfitriã que... Bem... No caso, era eu. E em um dia feio (porque nem sempre as coisas acontecem em um belo dia) eu me tornei alienada do que era mais fundamental entre as coisas fundamentais, e aos poucos a vida no castelo-palácio ficou tão assustadora quanto a vida do lado de fora e eu fui derrubando as paredes, uma a uma, e convencionei um encontro superlativamente longo (meses!) com um dos príncipes que eu supunha encantado. Fiquei desprotegida do meu castelo-palácio, mas não fazia diferença, já que não me sentia frágil.

Até que hoje...

Frágil como agora.


***

Outro dia emprestei uma frase de Mario Vargas Llosa, lembra? Pois bem. Faltou prever que alguns dias me amanheceriam amargos, como o de hoje. Prato cheio (cheíssimo!) para quem "reaciona" a segunda opção aí embaixo das postagens.
A segunda-feira adormeceu um pouco mais sentimental do que é costume e eu tenho tido vontade de escrever, especialmente nos últimos dias. O que provavelmente não diz coisas muito boas sobre o meu estado de espírito. Estou prestes a soprar dezoito velas e eu não sei exatamente o que isso muda em minha vida. E eu não deveria estar querendo mudar a minha vida outra vez.
Tenho tido vontade de vir aqui pra dizer que o excesso de cafeína está me amarelando os dentes, que os problemas dos outros sufocam minha aparente falta de problemas, que o trabalho não anda lá aquelas coisas, que tenho saudade dos corredores da faculdade nas férias e que os pensamentos precipitados sobre os fins andam consumindo todos os meus meios.
Mas é melhor não dizer nada pra que a vida pareça em ordem. Eu não sei bem, eu não sei bem... Vez ou outra escrever me desafoga, vez em quando termina de me dilacerar.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Cadernos de Luísa

"- Lúcio, você sentiu paz, da última vez que nos encontramos? – pergunta Luísa, reticente. Sua insegurança toma dimensões exacerbadas, quando o assunto é ele.
- Luísa, eu estava em paz – responde ele, com a habitual serenidade. - Senti-me feliz. Você que não tem paz, que busca. Eu tenho. Posso ser mais feliz, é claro, e espero que você faça parte disso.
- Quero fazer parte disso – ela sorri para o telefone".

(Vanessa Souza Moraes)

terça-feira, 14 de junho de 2011

De que amanhecesse regra

Um corte de meio centímetro na dobra do indicador da mão esquerda, pelo lado de dentro. Culpa do inverno e de uma sorrateira folha de ofício. Ou apenas de um descuido... Bobagem.
Leva o pequeno ferimento até a boca, e não esboça qualquer palavra em desaprovação. Pilhas de trabalho a esquerda, atendimento cordial a direita. Concentração, foco. Mais cedo ou mais tarde, vai sarar. Conformada desde as pequenas coisas. Espantosamente prática.
Mas no fundo havia medo, um medo imenso, de que toda exceção amanhecesse regra, um dia.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Es preciso

"Es preciso decidir qué es más importante para uno: vivir bien o escribir bien."


Mario Vargas Llosa, via @leoluz

domingo, 5 de junho de 2011

Auto-ajuda ou: Substrato de Domingo

"Intelectuais se aprumam, pigarreiam e começam a responder dizendo "Veja bem..." e daí em diante é um blablablá teórico que tenta explicar o inexplicável. Poesia serve exatamente para a mesma coisa que serve uma vaca no meio da calçada de uma agitada metrópole. Para alterar o curso do seu andar, para interromper um hábito, para evitar repetições, para provocar um estranhamento, para alegrar o seu dia, para fazê-lo pensar, para resgatá-lo do inferno que é viver todo santo dia sem nenhum assombro, sem nenhum encantamento".

(Martha Medeiros)

sábado, 21 de maio de 2011

Doce legado


Acabo de pedir alforria das alegrias que o mundo conhece. E ganho. Eu não sei explicar que diabos me acontece quando ouço Jorge Drexler. Estranho, diferente, ótimo. Lembro-me de ouvi-lo uma vez por mês, ou menos. É quando tenho vontade de fechar os olhos e ficar me balançando no ritmo das músicas, com aquela cara de satisfeita que a gente não explica porque não consegue. É um desejo que nasce entre as costelas, envolve todo o peito e contamina meu corpo até as extremidades, que brincam de fazer barulho nas bordas do teclado como quem entende algo de melodia, ou muito de espanhol. Ao que me consta, ao menos até o presente momento, Drexler é o mais doce de todos os legados. Ouvi-lo tem cheiro de uma alegria particular, peculiar. E tem gosto de tudo que é só meu.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

O que será que me dá?

Cruzei as pernas e ajeitei o vestido velho que escolhi pra usar de camisola. Engraçado tirar os óculos, acionar o microondas e no meio da cozinha ir despindo as botas, logo mais na sala o casaco, no quarto o vestido e a meia, pra depois pôr essa coisa velha, coisa velha mesmo, com a qual eu me sinto imensamente familiarizada e feliz.
Meu padrão de pijama ideal tem umas alças cortadas e amarradas por minha mãe quando esse vestido ainda era grande demais pra me servir de conforto, tem um camuflado azul que eu acho quase indispensável. Tem umas manchas de comida, eu acho que são de comida, mas eu ainda adoro vestir exatamente o que estou vestindo para me sentar com gosto de pernas cruzadas e voltar a escrever depois de tanto tempo.
Bip, bip, bip. Dois minutos atrás eu carregava para o quarto um prato imenso de pizza requentada e um copo morno o suficiente pra não danificar a madeira compensada da mesinha que sustenta esse teclado que vos tecla e ainda nem está paga. Afinal, meia pizza e nescau ao gosto do freguês devem valer de janta nessa sexta-feira 13 que encerra uma semana agitada.
Tem uns livros jogados em cima da minha cama. Direito, Direito, um Código, Direito. Repetidas vezes e bem maiúsculo, que é pra dar o maior trabalho possível. Mas decidi que estou indisposta. Hoje eles não me ganham, não. Tenho um fim de semana longo pela frente. Tô com quatro notas dez e um nove. Nove em Constitucional, na prova mais fácil do semestre. E a maior parte das notas dez foram com três estrelas. Isso é importante pra mim. Sei lá, uma medalhinha pra minha mãe guardar na sala se eu não der muito certo no resto, né? Parece uma boa meta.
Mas senhores, o que tenho a dizer é que a vida adulta me engoliu e agora me mastiga. Estou sempre atrasada, quase sempre confusa e raramente certa de onde é que o meu rio vai finalmente desaguar. Talvez não desague. E hoje fiquei feliz ao lembrar do blog, lugar onde eu sempre vou poder confessar que é mais fácil ser eu mesma de vestido velho dentro do meu quarto, sentindo o que me dá vontade em vez de sustentar a mulher madura, que não sou, da porta pra fora. Em suma, eu me sentei aqui só pra confirmar que apesar de ser cheia de mim e confiar nas minhas escolhas, eu tenho um medo absurdo de não ser gente grande com três estrelas.


O que será que me dá?
Que me queima por dentro, será que me dá
Que me perturba o sono, será que me dá
Que todos os ardores me vêm atiçar
Que todos os tremores me vêm agitar
E todos os suores me vêm encharcar
E todos os meus nervos estão a rogar
E todos os meus órgãos estão a clamar
E uma aflição medonha me faz suplicar
O que não tem vergonha, nem nunca terá
O que não tem governo, nem nunca terá
O que não tem juízo...
(Chico Buarque)

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Solidária Ode aos Inquietos Anônimos

"Fulana está grávida. Grávida e feliz. Eles namoram, ela quer ficar junto. Ela é linda. Ele é feio. Feio e velho. Ela precisa trabalhar de segunda a sexta para ter a vida que quer, não está com ele por dinheiro. Ela gosta dele. Diz que gosta porque ele faz tudo por ela. Todos veem isso." A língua do povo não tem freios, e antes de fecharem as aspas eu caí morta, fria, dura de inveja da Fulana. 'Tá pra fazer aniversário do tempo em que eu descobri que jamais gostaria de ninguém nestes termos, ou quaisquer termos parcialmente semelhantes. Quais sejam: Fazer tudo por mim. Fazer tudo por mim não basta para que eu tenha certeza que gosto, quanto menos para que eu diga isso, quanto menos para que faça ou aceite um pedido de namoro, quanto menos para que eu queira ficar junto sem titubear, quantíssimo menos para que todos vejam que gosto e espalhem aos quase-desconhecidos, como foi o caso.
Há quase um ano eu sou plenamente sozinha, e tenho andado confusa. Eu sei que sou confusa, mas tenho andado prestando atenção nisso. Ultimamente nem escrever eu dou conta. A vida não anda mole comigo. Entre os ofícios exasperantes da rotina tenho tido estalos de dúvida, instantes de introspecção que me põem desesperada. Eu sou sozinha comigo, às vezes. Estou muito inquieta por não ter certeza de nada. E já que o exemplo está posto... por não ter certeza sobre gostar e querer manter as vidas unidas.
Ficar sozinha atordoa. Andar por aí beijando na espera vã de um frio na barriga também. Mas não é só isso, isso é só um exemplo. De repente, nas festas, nos bares, nos porres, nos corpos e em todos os lugares você é só a sua solidão cansada. Cansada de procurar algo que, quando encontrado - até que me provem o contrário - vai aborrecer também.
Gostar de alguém me tumultua os pensamentos. Não gostar, idem. Gostar me enfastia a longo prazo. Gostar me cansa do compromisso. Gostar me cansa da espera de quem é que vai tomar uma atitude pra oficializar o relacionamento, como se o relacionamento fizesse tanta questão assim de ser oficializado. Namorar me cansa de ter de apresentar aos pais, namorar me cansa do enfado das tardes sentados no sofá da sala. Ou na sala de cinema. Ou no banco da praça. Ou de quem é que vai pagar a conta do restaurante.
Não sei o que prefiro, mas não deixo de amar por isso, embora mesmo o amor me canse. Os inquietos são cheios de dúvidas, não esquecem nunca das vantagens do outro lado. Os inquietos nunca excluem de seus pensamentos a outra possibilidade, por isso não têm sossego. Eles guardam, ainda que vagamente, uma lembrança de qualquer momento, momentozinho que seja, em que tudo parecia estar certo do jeito que era. Desejam que essa sensação se perpetue, caso contrário, sentem-se infelizes. E eu tive tantos momentos de alegria - desses que nos enchem de nostalgia e desespero quando acabam - que agora me sinto infeliz por não ser sempre feliz. Estou sozinha, ainda, ainda bem, talvez. Custa-me o ímpeto, preenchem-me as incertezas que surgem no meio do dia, do gosto, da solidão. Não sei renunciar de ofício. Muito embora minha própria dúvida já seja, quase sempre, um substrato de minha renúncia à escolha.
Que inveja de quem tem certeza, estufa o peito e não sente revés de sua opção pelo compromisso com o outro. Quem dera um dia eu me cansasse de me cansar. Quiçá eu me esquecesse da inquietude e gostasse com exacerbada certeza, todos os dias indistintamente, por qualquer razão, torpe que fosse. De ficar sozinha, por tudo. Ou de alguém, por algo. A beleza estarrecedora, o intelecto espetacular, a conta bancária, ou, como Fulana, a presteza irrestrita. Quão bom não seria escolher algo que fizesse valer o que foi deixado de lado, para trás. A maioria, cedo ou tarde, escolhe - e, por isso, renuncia. Os inquietos, nunca completamente. Só têm certezas de suas dúvidas. E raramente as esquecem.

terça-feira, 29 de março de 2011

Atravessar

“Como se ele completasse o gesto que ela iniciava,
o sonho que ela dormia. Sempre preferira os homens brutos.
Mas ele a estarrecia com tanta doçura.
Ela também o espantava.
O seu fraco sempre foram as mulheres delicadinhas.
Mas ela o surpreendia com a sua intensidade e paixão.
Como se gritasse as palavras que ele buscava, o sentido que não tinha.
Como se iluminasse o valor de todas as coisas,
coisas que ele antes nem percebia.”

Claudia Lage


Acredito cegamente que passava das seis da tarde. Sei que é possível supor porque, muito embora o relógio da Catedral ousasse não confirmar, naquele instante quem tinha o controle remoto do tempo era eu. Quase noite, mãos dadas, caminhávamos. Seis da tarde. Não me peça para explicar... Sei o tamanho do meu desatino, mas era essa mesmo a sensação que me possuía: A de que nada em volta sabia mais a respeito do tempo que eu. Com certa simplicidade, a senhora da pipoca embalava um pacote de tamanho padrão - com toda a habilidade que só as mãos de senhoras que trabalham também aos domingos o fazem - enquanto desviava olhos de muitas décadas e sorria para mim cheia de uma esperança muda. Ela desejaria que o meu sorriso tardasse a sair dos lábios. Tardaria.
Toda a praça era invadida pelo meu desejo de que aquela paz de espírito, que me acometia ao esperar o sinal fechar para atravessar a rua, fosse a paz de cada pessoa que passasse por mim. O dia e a hora exatos em que uma epifania em forma de licença poética fez com que eu entendesse muito claramente os dizeres de Clarice Lispector: Havia a levíssima embriaguez de andarmos juntos. E a cada palavra proferida onde o assunto era um pronome primeiro e muito pessoal, e tão plural que agora não mais me amedrontava, faria pensar sem demora. E por que é que, dessa vez, haveria de ser diferente? Porque era ele... as boas sensações me sussurravam. Mas a razão insistia - e por que ele? Por que assim, com essa barba mal feita, crescida, um pouco rala? Dessa forma inusitada que exige tanto um doar-se maior aos olhos dos outros ao passo que esse receber é tão íntimo, tão particular... E todas as perguntas se desfaziam enquanto ele brincava de me morder as bochechas e olhar como quem pede apenas o pouco de alegria que guardo de tudo e disponho para demonstrar.
Sentia como se o destino me afirmasse a razão de si mesmo em tudo que eu negava. Não é que a nossa brincadeira de enxergar pouco o que está mais adiante não fosse sincera... Creio mesmo que era síntese do que vivíamos naquele fim de tarde. De nada me importaria se não víssemos nada que estivesse a alguns metros, pois tudo aquilo era próximo. O outro lado da rua. Uma ânsia de viver o ininteligível me encarava e, ao fazê-lo, não precisava dizer a que vinha. Não precisava ser nítida, contanto que a compartilhássemos. E éramos nosso assunto predileto. E enquanto o fôssemos, ele atravessaria minha pele, meus escudos, minha secreta vontade de fugir de qualquer lugar enquanto é tempo. E ficaria ali, pelo vão prazer de me atravessar e tocar a boca na minha, invadindo qualquer espaço vazio que eu quisesse proteger das suas investidas tão incontroláveis. E ele me atravessava.
Encostava o queixo simetricamente proporcional em meu ombro para murmurar qualquer deletério que eu fizesse muita questão de ouvir, naquela espera. E a todo momento meu comando lhe daria o rumo do lugar esperado, da palavra desejada, do gesto que nascia antes mesmo que supuséssemos seu efeito. As vitrinas refletiriam muito mais do que dois rostos que entrelaçam línguas enquanto esperam o coração passar pela boca depois de tanto saltitar. Refletiriam nossa busca por tudo que já éramos, sem ao menos perceber: Felizes.
Logo depois das seis da tarde, eu me sabia feliz. Mesmo antes. E depois. E agora. Consciente, saber-se feliz naquele domingo fora tão só o que eu escolhera. Havia escolhido, em verdade, compartilhar ali um entusiasmo que ali mesmo nasceria, ou sempre que atravessássemos a rua politicamente corretos, ou nos atravessássemos, com afinco. Passava das seis da tarde, havia a levíssima embriaguez de andarmos juntos. E isso era tudo. Tudo que, depois, eu saberia dizer sem confessar que minha escolha era adorar sua companhia. E adorá-lo ali, do jeito infantil que se adora enquanto entardece e a senhora das pipocas embala um pacote médio... Ele era também uma escolha, bem dentro de mim. Travessa. Atravessada. Não havia por que ou poréns.

domingo, 20 de março de 2011

Bellum omnia omnes


"Estou adorável. Quem não me conhecesse, me compraria, assim, pronta para a sessão noturna do meu teatro, em cartaz nos últimos tempos. O ser humano faz da cara o que quer... Comigo não será diferente", pensei. E desci as escadas certa de que a noite que me esperava não era, nem de longe, o itinerário ideal para o meu estado de espírito. Não seria de lamentar se o motorista errasse o caminho pra qualquer lugar infinitamente longe dali.
Respirei fundo no desembarque e treinei aquela expressão facial de quem está ambientada com a ideia. Mais uma vez, minha inconstância tinha me pregado uma peça daquelas. As mentiras têm pernas curtas, mas todas as minhas estavam envoltas em uma saia emprestada que cobria bem o que precisava ser coberto, enquanto a parte à mostra contribuía para me rasgar de vergonha do imbróglio da ocasião, em cada passo. Eu era uma barata tonta à luz de uma lâmpada fluorescente inadequada para segredos tão sombrios. Atrapalhada por um instinto que não devia estar ali.
Aquilo tudo regado a muito constrangimento, bebida gaseificada e um pouco de gente esquisita me dava nos nervos... Foi o que notei assim que acordei. Deveria ter fugido dali com o salto alto na mão feito noiva arrependida, aproveitando pra borrar a maquiagem com duas ou três lágrimas e benzer com aquilo um fim mais do que necessário. Permaneci. A situação era mesmo ridícula, como eu merecia que fosse. "Cada um busca, para si, o que acha que merece."
Cada olhada no espelho me fazia lembrar que eu não poderia voltar ao início daquela busca e escolher outro caminho. Estava feito. Respirei, limpei o lápis borrado feito olheira pela enésima vez e atravessei a porta como quem vai à forca. Desde muito menina, achava que merecia um amor que exigisse obstáculos, buscas, toda aquela marmelada dos filmes e contos de fada. Até esse ponto ainda vá lá, tudo ok. Eis que, agora, tudo era dispensável. Eu só queria algo fácil, instantâneo, sem complicações.
"Construir coisas sólidas é complicado demais... Principalmente com esse brinco de bijuteria pesando nas minhas orelhas e essa blusa de regata um pouco larga." A cada coisa ou pessoa que passava em direção à saída, eu quereria mesmo era passar com ela. Desculpem-me a sinceridade, mas em estado natural, sem a cegueira da paixão, eu tenho uma puta de uma preguiça dessas ocasiões que o amor nos obriga a viver. Preguiça de amar. De me convencer que estou feliz. Da renúncia que essa história toda envolve. Sou egoísta e narcisista demais para me esquecer de mim.
Gosto mesmo é de lutas involuntárias, onde cada ato é uma prova do quanto vale a pena cometer aquele mesmo ato. Bellum omnia omnes. Todos contra todos. Em meados da indecisão. Confirmado o tédio. Desejando aquela fumaça do desaparecimento dos mágicos famosos. Eu cada vez mais convencida: Talvez eu não houvesse sido programada para lutar ao lado de ninguém que exigisse o mínimo do mínimo dos esforços... Não por enquanto. Principalmente se não fosse tão mínimo assim, para mim. Estava chegando ao fim... E eu tinha vontade de chorar quando pensava que este sonho e estas memórias iriam pelo ralo, como todas que os antecederam... Convicta, concluí que o fim do espetáculo não tardaria.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Persecutória, permanece

Talvez não tenha sido a primeira vez, mas hoje me traíram. Assim, sujeito indefinido. E eu estou aqui, sentindo isso com todos os meus músculos, há horas e horas. Foi uma traição de pequeno porte, torpe, por terceiro, quase perdoável... Mas perdoar, não hoje.
Por muito tempo houve uma fumaça de despreocupação que não me deixava saber que diabos significava literalmente o verbo trair, embora da ação eu não houvesse - em definidos momentos - mantido a necessária distância.
Princípios que não julgava primordiais, promessas insignificantes... Substituídos. Inutilizadas. Traídos, traídas. Quase nunca traí minhas vontades, raras vezes traí meus sentimentos, mas com ambas situações eu me traía. Assim: A todo o mais ou a mim mesma, com avidez, em ímpeto ou caso pensado. De igual forma, sempre que deixava o assunto pra lá. Sempre que fingia não notar o tamanho da minha traição.
Distraíam-me os acasos, os mistérios, doçuras, música. Tudo me distraía enquanto traía. O trair, em si, eu sempre mantive no fundo da gaveta, aprisionado. Agora, entretanto, a palavra e a ação me doem porque estou do outro lado. Não é beijar outra boca. Não é contar um segredo. Não é deixar o monótono dar lugar ao emocionante. Não é quebrar um elo de confiança. Não é nada do que eu já possa ter feito, vivido ou pensado. É mais amargo. É traição.
E hoje eu sinto como se estivesse na condição de perpetuamente traída. Por tudo que é sagrado, dói como se fosse verdade. Dói como se fosse em mim. Dói como se continuasse sendo.
Quem sou eu para trair? Se quase não aguento nos ombros o peso que a traição faz recair sobre mim num modo tão ofensivo, cruel e inesperado - ou apenas supervalorizado - no dia de hoje!? Eu sou aquela que sempre se vangloriou de ser fiel à própria felicidade e a poucas outras coisas além disso, nesta vida. Eu sou aquela que com minguadas exceções nunca mediu consequências em se tratando de obedecer um desejo que eu avaliava não apenas justo, mas extremamente necessário. Eu sou o orgulho que eu sempre ostentei em ter a liberdade de mudar de ideia e trair quando for preciso. Uma coisa com outra, uma sensação com outra... Entre tudo que eu sou, hoje eu sou, finalmente, traída.
Hoje por uma amizade, amanhã não se sabe. Das características de uma quase-amiga chamada traição, uma delas - ocorre-me agora - é ser persecutória. E por manter posse de uma sinceridade que grita, sou levada ao caminho da crença de que a fidelidade com as coisas e sentimentos deve existir, quando e desde que sincera. É mais fácil avaliar até onde vai minha coragem de trair o que (e quem) quer que seja, vivendo o que me ocorreu hoje, sentindo o que sinto agora.
Porque quem abre as portas para a traição entrar conviverá com ela. Transitória ou prolongadamente, a sua própria escolha. A quem a traição chega sem avisar, não é possível prever. E então, a partir de hoje, escolho trancar a sete chaves a porta de saída para as traições de todos os gêneros, por tempo indeterminado, até voltar a acreditar que há mais revés do que vantagem nisso. Coisa essa que hoje eu sinto que não acontecerá. Porque, lembro bem, hoje eu fui traída. E eu não espero me esquecer do desprazer dessa sensação tão cedo.

terça-feira, 15 de março de 2011

Livres para ser: Juntos.

Desiludida, despreocupada, porra-louca. Foi assim que fui encontrada pelo cara que me arrancou inquietude desde a primeira vez que o vi. Lembro-me da roupa que vestíamos naquele vinte de agosto, bem como lembro das primeiras impressões. Impossível esquecer das semanas sem contato algum, daqueles 4 e-mails e todos os outros que viriam. Impossível não lembrar do domingo em que foi dada a largada de uma tímida sedução. Do bom humor com que ríamos de todas as nossas infinitas semelhanças e depois do nosso infinito desejo de permanecer na “distância-padrão” o maior tempo possível. Nunca imaginei, e sou muito franca em admitir que de fato jamais cogitaria que fosse me sentir tão protegida por ele. Tão bem cuidada. Tão longe de todos os medos. Uma porta de vidro, um sorriso em um dia ruim, sobretudo uma amizade sincera, até que um vinte de novembro veio bem a calhar. E lá estava eu: Desiludida, despreocupada, porra-louca. E prestes a cair de amores pelo ser humano incrível que há detrás daquele óculos e daquela cara de nerd que despertou meu interesse. Sei que isso não tem cara de depoimento de aniversário, mas é muito sincero, então decido agora que esse C de confissão que demontra nosso C de cumplicidade será mais um de meus cês entre tantos. Obrigada por não ligar a mínima para a minha desilusão, para meus despropósitos, para a minha loucura. Por fazer com que cada dia eu tenha mais vontade de escrever linhas intensamente breves de uma história linda e louca de contar para os meus netos. Decididamente, você merece felicitações pela liberdade que me dá, mas, principalmente, pelo amor livre que me inspira.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Ou eu só queria muito?

Logicamente, ele não lia com os olhos dos dedos que eu escrevia.
E, é claro, por mais que se esforçasse não entenderia uma palavra sequer do que falava.
Talvez eu não fizesse questão.
Era bom que ficasse uma excitante dúvida acerca do que toda aquela estória poderia ou não significar.
Eu só esperava que tivesse muito claro entre um princípio e outro que, caso me ferisse, eu seria capaz de ferir também.
E em proporções assustadoramente maiores...
...não se importava.
E a cada vez que me subestimava, eu teria ainda mais vontade de que ele engolisse aquele fato cruel:
Eu era a mulher ideal.
Ainda que, às vezes, fosse divertido crer que, de fato não tínhamos certeza.

terça-feira, 8 de março de 2011

Nostalgiador

Depois de um dia cheio, adentro a casa e a luz do quarto queima. "Que saudade filha da puta!" é o primeiro pensamento ao ouvir o estouro dentro da lâmpada.
Tomo um banho demorado e coloco aquele meu vestido lilás de risquinhos vermelhos quase comprido demais, com detalhes de manufatura no busto. Amarro os cordões na nuca logo antes de fazer uma repartição simetricamente contestável. E depois brinco de secar os cabelos repartidos no escuro. Ajusto o secador para um jato de ar frio, já que quero acordar para a vida. Miro o rosto. Mantenho a calma, mas quase não consigo respirar. Espero, em vão, que o pulmão decrete falência com um sopro gélido em baixa voltagem. Bobagem a minha. Meu secador e minha nostalgia são parecidos, noto agora. Propositalmente quase me sufocam mas, no fim das contas, têm lugar certo no armário, esquecidos: Ao lado do desfibrilador, inutilizado graças a Deus. E à vida que ando levando.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Greatest unhits


Retribuição de cuidado. Proteção. Amizade sincera. Abraço que conforta. Sutileza que comove. Uma vontade incondicional de estar perto. Adoração. E, por sorte, por uma língua vasta que permite várias denominações para uma coisa só, em dados momentos podemos escolher como chamaremos as coisas. Temos um arsenal de possibilidades. E eu escolho deixar as sensações que não me merecem para trás. Escolho não perder tempo com o que me faz mal. Escolho esquecer o que não foi, não é, não volta. Escolho nosso futuro. Escolho me permitir. Escolho cuidar porque sou cuidada. Escolho agradecer o bem que tu me fazes. Escolho deixar que seja, finalmente, amor.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

"Talvez a gente não se encontre mais..."

E para não dizer que ele tinha os olhos marejados quando disse aquilo: Não tinha. Entretanto talvez fosse bom para o ego lírico exagerar no sentimentalismo. Aumentemos as proporções da aventura... Chorava compulsivamente, desnorteado, quando disse que talvez nunca mais nos víssemos. Fez questão. Não precisava dizer e disse. Ergueu a cabeça, meio triste meio cheio de culpa, e sentenciou que ia embora. Usou o talvez e eu achei mesmo que aquela palavra hodiernamente obsoleta antecederia um adeus breve e imensamente pesaroso. Lembrei Caio Fernando: "Natural é as pessoas se encontrarem e se perderem". Era óbvio que era o princípio de uma partida. Mas uma partida que começa com um talvez não pode ser ruim... Ou pode? Assenti. Era natural sorrir. Aliás, era tudo que eu sabia fazer, já que não podia dizer. Que fazer quando se toma nota sobre perder o conhecido instante do ânimo agitado quando os olhos se cruzam? Aquela pele meio pálida de quem não dorme porque pensa demais e os dentes amarelados me mastigavam. Os olhos me investigavam - por um Deus que permite meus devaneios... Como aqueles olhos me investigavam! E a audição completava o trabalho refinada e indevidamente austera, ouvindo coisas que eu pensava nem ter dito. Era um olhar terno que não me reprovava porque, creio, por detrás das nossas "composturas" cada um queria tanto quanto. E ali, trôpega com as palavras, eu quereria ter a audácia que se exige para um pedido tão sincero. Seria para que ele permanecesse ali parado pelos últimos cinco minutos, com sua costumeira expressão de pressa controlada, para que eu pudesse fingir que não o observava pela última vez. E se depois disso eu pudesse dizer em agradecimento ao acato daquela súplica uma só frase, seria ela: "Obrigada por jamais ter permitido que eu lhe entendesse."

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Os dias de ávido empenho

Ao som de Belle and Sebastian - I don't love anyone.

O ontem me encontrou no corredor, mas não fez mais que acenar com a cabeça e pronunciar um encontro vocálico. Depois que anoiteceu, era de se esperar. Anteontem está em outra fase, virou gente grande. Nunca mais vi, não mais posso querer. Ainda deve mexer nos cabelos com a mesma frequência. Ainda deve dizer a palavra verdade com dificuldade. Ainda deve ser doce. Antes de anteontem não demonstra nada, não me chora e não me sorri, não me mostra os dentes, não me dá sinal de vida. Um erro grotesco sentou-se algumas carteiras longe de mim. Eu não sabia se aquilo ia ser meu depois de amanhã ou meu nunca. Não havia nada de realmente encantador como nas histórias precedentes e eu temia que aquela busca acabasse assim, em erros como aquele. O hoje, preso a uma sala com as paredes desenhadas de imaginação, parecia o melhor, mas era perigoso pois nada sabia a respeito dos outros erros, dos outros dias. Então pressenti que, sem muita demora, de fato não duraria.
A consciência eu encontrei na saída, tinha um arco de balões coloridos pouco acima da cabeça. Chamativa. Levava um cartaz colado na barriga, onde se lia: Você não ama nenhum deles. Atordoada eu não consenti nem discordei, fechei os olhos, girei o corpo e passei quase colada à porta para não esbarrar naquela frase. E eu, que só sei gostar do que ainda não foi, sinto saudade de tudo e gosto daquele lugar.
Quando meu amanhã chegar - e eu suponho que é exatamente ali que nos encontraremos - aquele arco de balões coloridos será céu para um abraço. Finalmente estarei em paz. Não é mais do que a minha consciência merece, por deixar que eu teste o meu coração com ávido empenho, pouca sinceridade e um sem fim de esperança, todos os dias antes de amanhã chegar...

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Pressa, paciência. Amor, contingência.

Chegou-me um garoto apressado no balcão do trabalho, na última sexta-feira. Precisava de tempo para chegar ao destino depois da parada obrigatória no setor das certidões, um dos meus. Faltavam cinco minutos para o fim do expediente e a minha imensa pressa para que aquela tarde acabasse logo era a vontade dele que o relógio desacelerasse e houvesse tempo para tudo. "Devagar aí, senhor Tempo. É minha única tarde de folga", a testa dele estampava. "Pressa, pressa, pressa", minhas mãos denunciavam.
No sábado, pensando a esse respeito e a outros, achei mesmo que o embate entre a pressa e a paciência sempre fora um dos mais cruéis, ao menos para mim. E para tudo que quase todos tivessem paciência, eu concluí que seria afoita. Por escolha própria, sempre que houve e houvesse possibilidade assumi e assumiria o revés da urgência para gozar dos benefícios do imediato. E cada vez mais, a pressa tomaria conta dos meus desejos. Tudo. Muito. Sempre para ontem e sem culpa. Pensei como o longo prazo toma espaço demais das coisas de agora, e o agora exige apenas o que o curto prazo proporciona, ao passo que não se importa com atitudes paulatinas, planejadas e com outras tantas, tantas... abdicadas.
No domingo subverti o tempo e, por razão de certa pressa - que a esta altura já me é tão familiar - esqueci o relógio. Melhor que pensar e esquecer, apenas não pensar. Eu não queria pensar na vantagem da calma, porque não me parecia provável que houvesse benefício em, estática, esperar que as coisas acontecessem ou realizá-las a passos lentos, feito plano, como objetivo. Fazia sentido, imenso sentido, glorioso sentido não querer mais do que o que fosse intensamente efêmero - ou efemeramente intenso? pouco importava... - do que o instante.
Não sei se os que andam por aí afora com suas calmas vidas, suas atitudes bem pensadas e sua paciência terão tempo para tudo e é por isso que, megalomaníaca, assumi desde a sexta-feira o compromisso de fazer parte do outro time. A paciência lá está. Eu a vejo do outro lado da mesa. Contígua à vontade de que o tempo desacelere. Lá, longe, onde estão os prudentes, os remediáveis, os afetos à segurança e os apegados ao amor necessário. No campo firme e exclusivo da necessidade.
E eu aqui. Num terreno meio Sartre e Beauvoir, despreocupada, você entende? Achando que é preciso dar espaço às oportunidades apressadamente, para não deixar que nenhuma delas escape. Com tendência à ligeireza, à precipitação, a devorar o tempo, ao infinito enquanto dure. Entregue aos braços das delícias que a pressa pode trazer consigo.
Você leu tudo até aqui.

Pressa ou paciência?
Eu só queria dizer: Amor, contingência...

domingo, 6 de fevereiro de 2011

"Nunca será de ninguém..."


"(...) mas o quero de mil formas diferentes, o que é estranho. Por perto, sempre perto, continuando livre. Não sei se é possível, mas como nunca quis o possível... Penso que tenho asas e ajo por impulso. No segundo seguinte estou pensando em voar pra qualquer canto que ele esteja, qualquer um onde ele me queira... Qualquer um. E a cada dez pensamentos meus, ele está em quatro. Sugere um, passeia por outros três, me dá duas folgas e volta repetindo o ciclo a-v-a-s-s-a-l-a-d-o-r-a-m-e-n-t-e. Por propósito, desacostumei nomenclaturas achando provável querê-las da próxima vez que o ver chegar e me girar no ar. E desisto tornar convencional o que é extraordinário, e insisto não querer definir, absolutamente. Não sei se o amo... Tenho um coração. Juro ter um coração. Que só sente e não tem nome para o que ainda quer viver. Mas vive e o vê em tudo. E ele fica ali, parado. E não diz nada, e é dado início ao desespero de não tê-lo na distância que eu gostaria. E eu quero ser dele ainda que não seja. E eu, em juízo, sussurro que não. E todo o resto do tempo eu imploro para um sim que não tem tamanho..." (C, 6/2)

"Quando ela chora, não sei se é dos olhos para fora

Não sei do que ri.
Eu não sei se ela agora está fora de si
Ou se é o estilo de uma grande dama (...)
Quando ela mente...
Não sei se ela deveras sente o que mente para mim
Serei eu, meramente, mais um personagem efêmero da sua trama!? (...)
Talvez nem me queira bem, porém...
Faz um bem que ninguém me faz."

C. Buarque

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Memória - Carlos Drummond de Andrade. OU "Das coisas findas..."

Percorri o corredor arrastando os chinelos na velocidade de um assobio. Não deveria ter procurado vestígios. Eu era capaz de ouvir seis cordas sendo dedilhadas em um eco muito mais alto do que eu jamais houvera ouvido. Guns N' Roses. Patience. Maldades da minha consciência sagaz, ele diria.
Um prato me encarava tão catatônico quanto eu mesma estivera e, coberta por uma farofa mal feita, a fatia doce esperava ansiosa. Falta de fome. A cabeça estivera tão bem acomodada com o punho e o garfo houvera analisado o prato com tanta minúcia que parecera falta de amor-próprio mastigar e engolir aquela comida.
E em meio ao assobio, alguém dizia quase como canto que o maior dos erros houvera sido nunca ter confessado nenhuma falta, por menor que fosse. Assobio. "É isso que o egoísmo faz com as pessoas." Outro assobio. "Dá pra insistir, dá pra continuar." É claro, é claro que sempre dá. "Dá pra camuflar, dá pra fingir esquecimento?" É claro - eu diria, soberba - ...é claro que dá pra forjar que não sente falta. Assobio. Honestamente, eu sinto falta da falta que a falta não me fazia...

You and I'll just use a little patience...

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Um eufemismo qualquer. Ou talvez nem isso...

Andava com um vento de antes da chuva que me bagunçava os cabelos e era estranho fazer aquela retrospectiva anacrônica...
Pro Fulano eu virei persona non grata, pro Beltrano um inconveniente, pro Ciclano a mulher mais legal do mundo. Aí, pro Fernando, eu virei um mistério.
Olha só, mas que estranho lembrar disso agora. Quase me esqueço do Fernando, doador de enfeites pro cabelo. O único cara que me presenteava com gosto no meu aniversário e não se importava de gastar suas economias - o que devia girar em torno de uns dois reais - para fazê-lo. Era o garoto mais legal da quinta série e ganhava a disputa com vantagem. O problema é que, na época, eu não sabia disso.
Sempre mantivemos distância formal um do outro, o que evitou que eu gostasse dele. Eu era chata, o cabelo dele era rebelde demais. Eu só tinha olhos pros meninos que estudavam na sétima série e ele tinha sardas a mostra. Eu era a cdf-padrão e alguém da família dele tinha um puteiro. É, um puteiro mesmo.
O Fernando era legal comigo e eu tentava ser legal com ele, do meu jeito torto de ser legal. Eu o defendia toda vez que faziam perguntas indiscretas sobre o tal estabelecimento, por exemplo. O bacana é que ele me ouvia fingir que não era a chata pseudointeligente da primeira carteira, e sim uma descolada legal. E sem modéstias, eu creio que ele adorava aquilo. Ríamos juntos. Distantemente juntos. Ele tocava violão. Um violão meio velho, acho que desafinado, mas com todas as cordas necessárias para as melodias do Legião. E ele era bom em matemática.
Era só olhar na cara dele pra achar que quando ele fosse adulto - e, por certo, isso demoraria uns bons anos - ele viraria um boêmio inveterado. Algo como o boêmio mais divertido de todos. Era o meu par em teatro de máscara, apresentação de dança e em cantarolar Faroeste Caboclo. Era, afinal, amizade sincera. Mas acho que não sabíamos. Não falávamos em gostar, porque não se sabe gostar de alguém que vale à pena na quinta série. Nem depois.
Que emprego arranjou o Fernando? Cortou o cabelo? Largou os estudos? Engravidou sua Maria Lúcia? Não sei. Verdadeiramente não sei e é latente a suposição de que eu nunca saberei qual foi o seu paradeiro...
Talvez pudéssemos ter sido inesquecíveis de formas diferentes... E eu nem ao menos sei se ele lembra que um dia eu existi. Nem cartas, nem telefonemas, nem perfis em redes sociais, nem notícias. Tão longe, tão perto. O tempo fez, a seu grosso modo, o que por vezes eu quis fazer e não soube: Apagou a presença, enfraqueceu a memória, fez vingar a semente do que era novo. E foi assim que, aos poucos, meu bom amigo de quinta série foi deixado para trás na minha história. Penso que seria estranho reencontrá-lo, mas rememorar isso me distrai, noto agora, com porções generosas de sinceridade.
Nem a mulher desejada, nem uma dor escondida no fundo do peito, nem a melhor confidente. E eu, que sempre quis um pouco mais de todas as coisas, não passei de um mistério quase eterno para o Fernando.

Ou talvez nem isso...

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Amor em cócegas

Madrugada quando minha mãe adentra o quarto e, me fazendo cócegas, insiste que está procurando os ponteiros do meu relógio biológico a troco de acertá-los. Um jeito sutil de me avisar que passou da hora de dormir, como sempre. Acenando com a cabeça, rindo, vendo ela apagar a luz, largando o livro, barriga pra cima, enrolando uma mecha pequena de cabelo, eu penso que minha mãe me ama com a intensidade de uma galáxia, de um palavrão.
Minha mãe pagou com o coração dela grande parte das dívidas que eu contraí com o meu. Se eu pude sempre escolher boa parte do meu caminho, se eu pude ser amiúde inconstante, se eu pude mudar de opinião quantas vezes julguei necessário, se eu tive crédito para ser autêntica e comprar tantas brigas por amor e por ódio, minha avalista sempre foi minha mãe.
A sensação que me ocorreu é que nenhum amor é igual ao amor de mãe. Porque minha mãe não transmite a sensação de que tenho obrigação de não magoá-la, minha mãe não me aprisiona, e por mais que eu vacile com ela em algumas ocasiões, ela não faz questão de que eu me sinta culpada ou mal. O amor de amiga que nutrimos está contido no amor mais fraterno que eu poderia querer estabelecer com alguém.
E se, por vezes, eu lhe falto com o respeito que deveria, se eu não lhe conto alguns dos meus segredos, se eu não lhe dedico a atenção desejada, é ainda com uma certeza muito viva de que seu amor é infungível e incondicional. Amor perfeito como o amor da minha mãe certamente não se repete.
Das tantas lições que aprendi com o amor que minha mãe me dedica, a maior delas é que amor não sufoca. É que todo amor deve ser gratuito, é que devo me afastar de todo amor que traga em si amarga espera de retribuições, de favores e provas forçadas em seu nome, de cobranças, de amarras.
Não me canso de repetir que o amor de mãe tem em si o esqueleto do que todo amor deve ser. Só quem nos ama verdadeiramente nos faz cócegas na alma, nos momentos em que ela mais precisa sorrir.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Se é amor, devora.

"Ágape é o Amor-que-Devora - repetiu mais uma vez,
como se esta fosse a frase que melhor definisse
aquela estranha espécie de amor."

O único mérito a constar é que nunca me cansei de procurá-lo, embora tenha andado por caminhos sinuosos, tortos e longos em minha empreitada. Acerca do amor eu tenho a confessar que o persigo há tanto tempo que, em minha consciência, ele nunca pareceu passar de uma espécie de bicho muito veloz que eu nunca consigo surpreender, que sempre me escapa pelos dedos, que nunca dura, que guarda na bolsa todos os bons costumes e não faz uso deles, que tem o dom de me prender como nenhum outro sentimento.
É curioso como, de tempos em tempos, tenho a impressão de que o amor dá a volta ao mundo e ao invés de ser caçador, eu me converto em presa fácil. Eu me preocupei tantas vezes em imaginar como seria encontrar esse amor que me sinto realmente sem ação, se é do caso que ele é quem me encontra e se declara.
Sempre procurei o tal do amor com tantas unhas e tantos dentes, como se diz por aí, que a cada vez que ele me bate à porta não sei tomar outra atitude que não venha a ser arranhá-lo e mordê-lo. Agarro e mordo o amor, faço um teste pra ver se ele resiste à minha insanidade, aos meus desvarios. Suponho que não é assim que se deva tratá-lo, sempre na defesa, porque ele sempre sobrevive a todas as provas de fogo pelas quais o faço passar. E é por isso que venho tentando me adaptar aos encantos que ele possui de uma forma lenta e gradual.
Tenho um coração leviano e traidor, afinal, e o amor é um bicho do qual esse mesmo coração tem um certo receio. Sabe-se lá por que diabos, então, vez em quando eu tenho uma nítida supressão de razão e invisto naquele objeto de amor que me parece perfeito. É o que temos aqui, meu caro, parece ser este o seu caso... Um tipo de amor que fica pairando entre Eros, Philos e Ágape sem saber se vai fazer uma escolha ou será um combinado de ambos.
E é exatamente por você ser daqueles que tiram as armas das mãos de quem caça, com seu afeto... Que exclui as ponderações da boca de quem teme, com beijos... Ter jeito de quem extingue o medo, com o sorriso... De quem protege por existir... De quem não busca uma resposta e continua apenas buscando, sem saber ou se importar onde vai parar... Precisamente, é por você ser réu confesso que nunca deixa de ser absolvido. Enfim, deve ser por isso que construir um amor contigo, aos pouquinhos, tem parecido deixar para trás todas as conclusões que eu já houvera tido sobre o amor e agora não parecem outra coisa que não equívoco, poeira, nada.
Eu não me importo mais que seja ou não seja amor - porque é, e quero estar junto de. Eu não me importo que seja diferente dos de antes, eu tento não me ligar ao fato de que estou entregue. Importa-me, apenas, minha novíssima consideração final acerca de amor: Eu transponho suas barreiras, ele supera as minhas expectativas. Eis que sou palco para todos os seus atos. E eis que surge um desejo. Não aquela repetição antiga a que eu estava habituada e consistia em "desejo encontrar um amor". Agora é quase uma prece. E é pra que ele não acabe...

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Saudável e inevitável

Eu. Engenheiros do Hawaii. Eu que não amo você. E com toda "ordinariedade", eu finalmente não podia mais esperar. Porque não tinha mais vontade de esperar, como antes. Tentei manter a cabeça vazia pras palavras saírem como deveria ser. O ritmo por aqui andava mais acelerado que o costume. Tudo passava muito rápido e eu não sabia deduzir o que valia considerar. Eu tinha me perdido, era óbvio. O que, afinal, era uma contradição, já que a liberdade tinha ganhado todas as guerras... E foram tantas. E não bastava. Tive vontade de sair andando pela estrada, vendo as coisas que eu deveria ver. Eu não sabia bem o que era, mas deveria haver algo para ver a cada esquina. Eu precisava ver e esquecer tudo, todos. Eu acordei tendo certeza de que eu merecia esquecer tudo se quisesse ter paz. Uma pena eu não saber se era capaz...

"Quando algo indigesto para no estômago, acontece uma saudável e inevitável contração: o vômito. A forma que a cabeça tem de preservar a saúde, quando o desagradável é despejado lá dentro, e que não deixa de ser um vômito, é o esquecimento." Rubem Alves

domingo, 9 de janeiro de 2011

Perpetrar

Quis dizer que tudo fica sempre bem. Que as coisas se acertam, que nada é pra sempre e que quanto mais cedo aprendemos a não levar nada muito a sério, mais cedo a gente sorri por si mesmo. O mundo é de quem se atreve e se permite. Eu quis fazer de aprendiz alguém que queria aprender... Tudo que eu queria estar cansada de saber e ainda não sabia.
Quis fazer com que as coisas mudassem para melhor. Não detinha palavras tão poderosas. Ou não sabia fazer isso sem misturar duas doses de loucura entre as palavras. Perpetramos. Podia estar realmente arrependida. Não estava. Não assim, realmente com todas as letras.
Era simples. Era próximo. Nós poderíamos ser tudo. Mas éramos apenas o que éramos: Brinquedo novo, multifuncional, com um botão de stop que não funciona.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Para 2011, comigo! (carinho e amor à parte)

Come as you are, as you were...
As I want you to be, as a friend.
As a friend, as an old enemy...
Take your time, hurry up!
Choice is yours, don't be late...
Take a rest, as a friend.
As an old memory, memory,
memory, memory (...)
Come as you are - Nirvana

Ano novo. De novo eu quero muita verdade e desassossegos que me tirem o fôlego e inspirem recomeços, mas se nada disso for possível eu quero só família unida, amor, memória curta e bons amigos. Eu quero saber querer as coisas, conquistas e pessoas do jeito certo. E eu espero que haja um jeito certo. Eu quero que nesse ano nada seja tarde demais e tudo tenha cara de para sempre, mas com moderado descompromisso, a bem de não perder o gosto de novo que eu gostaria que os próximos doze meses tivessem. Eu quero que tudo que for ruim venha acompanhado de coragem e eu também quero tudo o que for bom, para logo, porque para logo - então - sorrirei sempre e muito.
Reitero para 2011 todos os planos que fiz para 2010. Contudo, com algumas incisões e adendos. Com cortes e novidades, afinal. Entendo que, mesmo que não quisesse, teria de começar tudo novo de novo. Então eu quero. Não vejo outra saída. Realizarei. Decido. Começo descomplicando.