terça-feira, 30 de novembro de 2021

Eco [22]

Queria dizer algo como: o tio Otávio perguntou e então eu lembrei de ti. Mas seria mentira. Então vou encurtar a conversa e escrever logo que outro dia me referi a ti como o amor da minha vida. E as pessoas paralisaram ao redor. Foi uma informação que desceu dois tons o volume do ambiente. Porque ninguém sabe lidar direito com tanta certeza.
Se te lembro menos agora é porque a vida tem menos poesia. Mas mais empréstimo quitado. Mais acordar exausto ou no meio da noite e, por impulso, ao invés de escrever, eu me limito a reclamar de ter perdido o sono porque o dia seguinte será de novo caótico.
Não sei em que momento perdi a mão para escrever e te escrever. Quer dizer, sei. E gastar tempo para retomar esta ideia me lembra que agora se penso em escrever imagino que seja gastar um tempo em que ninguém mais me lerá com tanta voracidade quanto tu, Laura. Ninguém mais retroalimentará as minhas angústias mais inspiradoras e talvez eu devesse pensar sempre, sem falha: que bom. Que bom que é assim. Que bom que eu não vou pagar com agonias o preço de um pouco de devaneio poético.
Ainda sobre o tio Otávio. Quando rompi com a primeira namoradinha expliquei a ele que fazia aquilo porque queria viver. E ele respondeu, de uma compaixão tremenda e transbordando de sua simplicidade, perguntando o que era mesmo que eu queria viver. O que era mesmo, Laura? Acho que descobri depois. Depois de ti, principalmente. Depois e no meio de todos os ecos da tua presença. Depois dos lugares onde eu fui e tu não estavas, apesar de eu procurar bastante. Do que vivi para responder aos teus estímulos. Do que vivi pra te provar que eu sabia. Que podia. Que conseguiria. Que não choraria mais. E que às vezes a bola do campinho era chutada pra cima do alambrado e o vizinho não devolvia. E tudo bem. E que o importante era chutar, e me fazer mais forte. Para da outra vez chutar mais alto. E mais longe. E depois correr buscar. E por de novo a bola no meio de campo e começar a partida outra vez, e ser meu árbitro e desenhar minhas quatro linhas e driblar uma ou duas intempéries. E achar que aquilo é que era amor. E te assistir, de longe, por cima de um muro, distante como um perfil trancado, enquanto penso que ainda estou - e talvez estejamos ambos - o tempo inteiro só tentando viver.