sábado, 29 de dezembro de 2012

Sobre balas de morango e despedidas


Passeava entre as fileiras dos doces do mercado pra fazer as compras de natal quando encontrei uma marca de bala de morango. A promessa da embalagem era marcada por um estigma que, nessa vida, já serviu até para me caracterizar: Azedinha. Bala de morango azedinha. Era uma promessa e tanto e eu hesitei muito a me decidir por colocar o pacote no carrinho de compras.
Gostei da denominação porque, como tudo que é artificial, em regra as balas de morango não refletem a verdade da fruta. É comum que as balas de morango sejam doces. Gostei da denominação mas, ao mesmo tempo, aquela podia ser uma péssima surpresa.
E é curioso que eu a tenha encontrado - a bala de morango verdadeira, azedinha - apenas no último dos doze meses do ano, assim, em tom de retrospectiva. Cheia de todos os sabores predecessores. Foi quando, em poucos segundos mirando o pacote cheio de balas com embrulho vermelho, lembrei de tudo neste ano que me decepcionou e me encantou. De todas as apostas furadas, e das que deram certo.
Enfim. Escrevo essas palavras pondo na boca aquela que provavelmente será a última das quatro balas que separei para comer enquanto tomava coragem para escrever. Confesso que a honestidade (dos anos, que têm passado tão rápido, e também da vida) nem sempre é doce, e quase sempre nos mastiga.
Escrevo para aconselhar-lhes que encontrem, mesmo nas metáforas mais breves, alguma mensagem subliminar ou moral da história, mesmo que o autor seja fraco em mensagens subliminares, moral e histórias, como eu. Se não encontrarem, ainda vale o conselho mais óbvio: Comprem as balas de morango!

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Ignoro-te ou me devoras

Ignorando a existência do protagonista do filme Jesus Henry Christ, gênio das lembranças, está cientificamente comprovado que o ser humano não é capaz de lembrar-se de tudo que viveu. E se não está comprovado cientificamente, como suponho nas linhas anteriores, certo é que deveria estar. Isso porque não há espaço de armazenamento o suficiente para lembrarmo-nos de tudo, todo o tempo.
O prognóstico lógico, que faço sem nenhum embasamento senão o empírico, é o de que - com pouca memória e muito cotidiano pela frente - tudo se resume a uma questão simples: saber escolher o que ignorar. 
Assim, se durmo até dez e meia da manhã, como hoje, escolho ignorar a partida da semi-final do Mundial de Clubes. E ao fazer panqueca de brigadeiro para sobremesa, como hoje, escolho ignorar que terei de ir trabalhar sem secar o cabelo ou passar o batom vermelho que ando planejando há semanas. Pergunto ao senhor de meia idade que acaba de ficar em pé no ônibus, com um lugar vazio ao meu lado, se ele quer se sentar. É exatamente o momento em que escolho ignorar que ele pode simplesmente me dizer que passou o dia todo sentado, com a cara fechada e o humor cáustico.
O que escolhemos ignorar é que nos move, caracteriza, humaniza ou desumaniza e determina. Há pelo menos uma tonelada de exemplos a esse respeito. Se é que exemplo é coisa que se meça em tonelada... Mas que seja. Darei mais alguns exemplos fictícios e certamente serei entendida. 
É como decidir cortar metade da unha do dedão do pé porque está roxa e machucada. Você escolhe ignorar que passará o verão inteiro usando band-aids ou calçados fechados, em nome da expectativa de que as coisas melhorarão. É como decidir ter um déjà vu com o ex. Você escolhe ignorar que terá ciúmes como se o ex ainda fosse atual, e não terá um oitavo dos benefícios de um namoro. Nesse aspecto, aliás, você também decide ignorar que quererá matar qualquer vadia que se aproxime. Ainda que a vadia seja muito respeitável. Principalmente se a vadia for muito respeitável. Porque isso você também decidirá ignorar.
Eu posso dar outro exemplo, agora em terceira pessoa, pra você, leitor ou leitora, se colocar no lugar do meu eu-lírico e concordar comigo. Sabe aquela conhecida super desencanada e independente que se envolve com um cara inteligente, mas assustadoramente sacana e teatral? Pois é. Ela está escolhendo ignorar que em todos os espaços livres da agenda, ele estará com outras, talvez falando mal dela, inclusive, porque faz da cara o que quer.
Prossigo. É como decidir confiar em alguém muito rapidamente. Você decide ignorar que a pessoa pode estar simplesmente mantendo um jogo de conveniências em nome de outra amizade. E é como quase ir pra cama com um quase desconhecido. Você simplesmente decide ignorar que poderá se arrepender, mais de mês depois, ao cruzar uma rua qualquer, quando outra quase desconhecida investir a mais fina ironia camuflada de indiferença (ou o contrário!?) fazendo uma pergunta aleatória como quem não quer nada. É quando você, muito provavelmente, escolherá ignorar a ironia ou a indiferença, dependendo da forma que a identifique, em nome de ter ignorado toda a história para não ser devorada pela insanidade.
Em nome da coerência, admito publicamente que a ignorância não é assim tão terrível. Ao menos, não em todos os casos, já que podemos ignorar os humores maus, as ironias da vida, os bolos, as piadas sem graça e tudo o que nos faz mal, de modo geral. Facilita muito perceber que a ignorância do que não nos convém é voluntária. Se tenho vontade, posso ignorar as coisas ruins, na mesma medida em que, às vezes, ignoro as boas. Percebe agora o que eu digo? É realmente tudo, tudo, tudo uma questão de saber escolher o que ignorar.

domingo, 18 de novembro de 2012

Deixa que deixem

Enquanto eu decidia o que queria ser quando crescer, bebia sôfrega um copo de suco de uva desproporcionalmente preparado. Um dedo de concentrado e todos os outros mililitros de água fria sem gelo. Não tinha gosto de nada. Nada que eu quisesse realmente beber ou que matasse a sede melhor que água.
Assisti a garrafa de plástico, azul, ir enchendo aos poucos na pia de metal prateado desde o antepenúltimo gole. Depois olhei pro lado e o chão da cozinha estava brilhando, mas não era de limpo. Derrubei uns três litros de óleo por descuido trinta minutos antes e não houve pano, esponja, desengordurante, joelho no chão ou detergente que vencesse de todo aquele líquido viscoso e amarelo que pareceu entranhar em cada fresta. 
Deixa pra lá, deixa pra lá. Limpe a sujeira e deixe pra lá. Foi o que me repeti todas as vezes que algo caiu ou quebrou de repente, nos últimos anos. O segredo de deixar pra lá era desfrutar da euforia e do tédio como se fossem a mesma coisa... Matéria indispensável da qual a outra não sobrevive se uma não existir. Como banho de chuva e um estágio demasiado formal ou como a melancolia e o desatino.
E parecia que os pensamentos não tinham muito nexo quando decidi, concluindo apressada em mais um textinho fast food, pra ser consumido em minutos, que quando crescesse a única coisa que eu queria ser era melhor do que sou agora.

domingo, 4 de novembro de 2012

Mórbida


Breve, curta e mordaz. Tanto quanto um beijo, capaz de conter uma parcela dos lábios de um entre os dentes do outro, preciso tomar banho, mas vou esperar a trovoada passar. Concluí bem rápido, antes de decidir que escreveria a respeito, que minha aparência, aqui, está muito próxima do que ando sendo. Isso porque não cabe uma descrição literata ou erudita, embora doa admitir. Estou confusamente frágil, na iminência de uma síncope.
Fecho os olhos e refaço mentalmente, em ordem tão cronológica quanto possível, a ordem dos fatos do feriado todo. Isso porque, por mais mórbida que seja uma história, ela merece ser tão esmiuçada quanto possível na busca de um sentido.
E em cada passo, em cada um dos cinco segundos parada na frente daquela escadaria, em cada fragmento de realidade, em cada gole, em cada espera vã: Eu vejo extremos. Só buscas e negações. Preocupação. Excesso.
A vida, cáustica, anda me atordoando. Mas depois de um exagero sempre vem o melhor de mim... Espero.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Às 10 de sexta

Para ler ouvindo isso.

O relógio contava pouco mais de 10 horas da manhã de sexta-feira quando a casa caiu por descuido e curiosidade, a destempo, na minha cabeça. A informação e as palavras eram certeiras e inesperadas como um tiro. Levei dez minutos chorando compulsivamente, de raiva como pretexto, de desequilíbrio como peculiaridade, até lembrar que era só mais uma breve história, das que eu já tinha vivido antes, que me surpreendia negativamente. Daquelas que eu acho que chegam ao fim de maneira sui generis e inauguram um tipo de decepção.
Decepção que seria demonstrada por telefone numa voz seca e que deixasse poucas dúvidas, se fosse o caso de haver uma ligação. E haveria uma ligação. E haveria um encontro. E não tardaria que eu explodisse, em fúria, disparando merecidos insultos, de um jeito que não lembro de ter dito a ninguém antes, no avesso do que eu realmente esperava pra pouco mais de doze horas depois daquela manhã fatídica. Decepção de se emprestar inteira, em todas as nuances, pra um envolvimento clichê mas nada convencional, que seria visto como frívolo e preterido por essa "facilidade" (anunciada numa conversa, em tom de zombaria, imagino...).
Em algo eu sempre erro, eu sei, é assim em todas as histórias e também nas lembranças que tenho delas, então posso dizer que, se a memória não me falha, eu desci as escadas descalça. Só pra ter certeza de que voltaria a ter os pés no chão, dali em diante. E naquele projeto de despedida acenei a cabeça em um gesto de reprovação por tudo que me feriu tão prematuramente no último dia daquelas duas semanas. Por tudo que eu soube, sem poder perguntar ou querer oportunizar a explicação de motivos daquela atitude de filho da puta, nos termos do que vociferei duas ou três vezes.
Mais algumas doses de tequila e horas de sono e acordei sorrindo como se não me importasse com a situação. Mas eu me importava. Tanto é assim que na madrugada seguinte, tão agitada, ainda haveriam chances. Contudo, as chances se converteriam em poucos segundos reciprocamente desperdiçados de proximidade e a boca da qual eu tive uma antecipada saudade não disse nada e acho que nem sorriu para mim, como era de se esperar.
Eu só deixei ser. Eu só deixei ser, pensando que algumas conversas nessa vida você não precisava ter tido.
Eu só deixei ser. Eu só deixei ser, como foi desde o início.
Mas aparentemente "deixar ser" também tem um preço.
Um preço caro, como eu soube às 10 de sexta.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

A vida é muito

Se eu concentrasse, por um dia, a competência necessária para legislar sobre as matérias afetas aos comportamentos das pessoas que fazem parte da minha vida, hoje o meu código de conduta seria demasiado simples. 
Estaria vedado a qualquer um me tirar o sono ou do sério por bobagem. Estaria defeso decepcionar ou desencadear em mim essa desconfortável sensação de soco no estômago. Sensação de vontade de blefar. Ou de atacar, em fúria. Se eu pudesse legislar, tipificaria, em letras garrafais, que não se pode fazer da vida um jogo, ainda que esse jogo pareça divertido. Que se deve perder mais tempo com conversa do que com orgulho. Com dedicação do que com ignorância. Com cuidado do que com ego.
O código teria vigência reduzida, eu sei. Inconstitucionalissimamente reduzida. Mas ah, se eu legislasse por um dia! Que dia memorável. Tudo seria tão melhor se as pessoas obedecessem minhas poucas regras. Contudo, as pessoas parecem nunca se encaixar, de todo, em minhas normas. Não seguem minhas diretrizes ou meus planos. Não me permitem moldá-las para serem leves, poli-las, aperfeiçoá-las.
É isso mesmo. Eu não concentro a competência necessária, já me conformei. Tudo vai permanecer na desordem que se encontra. O mundo é muito irremediável... É tão avesso às ditaduras, tão indomável. Não se enquadra nos meus pretensos decretos. E não se compara a algo que eu possa domesticar. Então eu sigo... Não como se estivesse em um lugar perfeito e encantado, mas como se estivesse em um parque de diversões em que a montanha-russa é o único brinquedo funcionando. Ou você para e assiste, ou se aventura nela.
É quando fecho os olhos. Abro os braços. Grito de euforia e perco o controle. A vida é muito pra ser insignificante. Lembra daquele poeta? Noto agora que é bem provável que ele tivesse razão...

sábado, 13 de outubro de 2012

Prosódia

Conheci uma jovem senhora que tinha por hábito detestar o óbvio. Ocorre que, por detestar o óbvio, a vida não lhe surpreendia. Quando o acaso tocava a campainha, logo saía correndo, feito moleque assustado. Culpa da jovem senhora, que costumava estar mal humorada, espreitando tediosa para repreender o acaso pelo atraso em aparecer.
Um belo dia a jovem senhora, sozinha, arrumou-se e saiu pra beber, cansada de esperar o extraordinário, olhando a vida passar pela janela. Divertiu-se. A coisa fluiu, embora clichê. E o tédio e a loucura se repetiram pelo resto de sua vida porque ela permitiu. Simples assim. Um ciclo óbvio, e por isso razoavelmente detestável, mas que agora já fazia da jovem senhora cada vez mais jovem e muito menos senhora.
Não por coincidência, naquela noite estranhamente normal, a jovem senhora aprendeu que a vida é ritmo. Sucessão de tempos fortes e fracos que se alternam com intervalos regulares. Ainda, aprendeu que se o feijão com arroz sustenta, se o papai e mamãe convence e se na moda o menos é mais, um clichê vez ou outra tem lá seu valor. Nem que seja para oportunizar aprendizados agudos, dilacerações graves, entonações falseadas e efêmeras paixões. De uma noite. Levemente sonoras. Clichês que ditam o compasso de capítulos inéditos - e, por isso mesmo, apetecedores.

domingo, 9 de setembro de 2012

Que não repare a bagunça

À esquerda, três blusas desarrumadas porque despidas pela indecisão do que vestir, e uma meia calça de ontem. Um livro, dois códigos, um tablet, folhas impressas, uma calça. Meu celular. À direita, amarradores de cabelo, folhas, um cinto, um estojo, removedor de maquiagem, meus óculos, adesivo de campanha eleitoral, caixa de batom novo, a câmera antiga. Bagunça em cima da estante das bijuterias, dentro do armário. Tem roupa pelo chão. Tem uma pulseira no chão. Tem chinelo e salto alto. Tem uma bolsa no chão. Tem remédio em cima do espelho. Tem maquiagem.
Queria estar de porre, mas tô jogada em cima da cama de qualquer jeito com o notebook no colo, prestes a dormir, pseudo-sã, só assistindo as paredes do quarto limitarem esse pandemônio.

Acho que meu quarto nunca esteve tão bagunçado. 
Nem meu coração.

Deixar uma visita conhecer uma casa muito bagunçada é igual deixar que alguém novo entre num coração que ainda está assim. A gente nunca sabe o que a pessoa vai pensar, e fica mais concentrado na bagunça do que na visita. Não é que a gente não se importe com a visita. E talvez a visita nem se importe com a bagunça. O problema é que a bagunça e a visita duelam desproporcionalmente. Isso porque a bagunça tem larga vantagem, já que se agiganta em tudo e toma conta de cada espaço em branco. Porque a bagunça é contínua, duradoura, requer força de vontade incrível para exterminá-la. Uma força que eu desconheço, principalmente se a visita adivinha a hora errada pra chegar.
A visita quer passar, tem bagunça no chão. A visita quer sentar, tem bagunça ali também. A visita passeia pelo cômodo e faz questão de mostrar que sabe que a bagunça está ali. Que sabe que sempre esteve. Que sabe que a bagunça não vai sair tão cedo. Mas a bagunça não se importa. É provável que a visita se despeça no fim e leve más impressões de enquanto estavam ali, a três. Um quarto ou a casa, bagunça e visita. Eu, a bagunça do meu coração e quem está querendo entrar. Triângulo curioso. Que eu não sei equacionar.
Queria estar de porre, mas tô jogada em cima da cama de qualquer jeito com o notebook no colo, prestes a dormir, pseudo-sã, só assistindo esse músculo comumente responsabilizado pelas confusões emocionais limitar esse pandemônio.

Minha visita tem nome.
Minha bagunça também.
Se a visita recuasse, eu entenderia.
Talvez queira entrar.
E se quiser, por enquanto só vou pedir que não repare a bagunça.

sábado, 25 de agosto de 2012

Como um silêncio ao contrário

"É mais honesto...", adverti. E era mesmo. A frase veio pronta e acabada. Quem dera a conversa não houvesse seguido a frase. É mesmo muito mais honesto tentar se envolver com alguém que seja a cura, daquele jeito torto de sempre, em vez de beijar meia dúzia de bocas.
Nem preciso repetir que as carências emocionais são muito mais honestas - quiçá mais legítimas - do que as carências de ordem não-emocional, para mim. Se estas são passatempo, aquelas são viscerais. Difíceis. Demoradas. E passam longe de indolores.
Aliás, passava longe de uma tentativa de substituição. Até porque não era preciso substituir, já que havia tempo para tudo. Para o futuro representado por uma dúvida, tão assustador, para o presente sem representações, tão carente da minha atenção, e para o pretérito, cru como ele só, tão transformado de mais-que-perfeito para imperfeito em um distrato e meia dúzia de acusações recíprocas.
Ele não me amava mais, ele disse. Imperativo e categórico, mas em voz baixa, como lhe é próprio. Fez questão de dizer, embora não precisasse depois de tanto conflito, de tanto desentendimento, de tanto desrespeito, de tanto desamor velado. Eu, à minha maneira extremamente subjuntiva, teria preferido um insensível do início ao fim e não só no fim. Ou um insensível com a memória pior que a minha.
Cortei as palavras e era como se o silêncio estivesse ao contrário. Tudo em mim gritava. Todo atrito me doía. Toda palavra me machucava. Toda ofensa me ofendia.

Esse termina simples, sem mistério e sem esperança, uróboro, infinitamente áspero como começou. É mais honesto...

domingo, 12 de agosto de 2012

Hoje mesmo

Hoje mesmo, é de se dizer sobre a releitura de uma sensação praticamente esquecida. Num gesto qualquer, o estalo certeiro, com destinatário certo ou incerto, que destaca e acorda do transe - aquele transe que só os iguais são capazes de produzir em nós, desiguais. Aperto os olhos buscando por nitidez; audição e demais sentidos a postos. A madrugada tarda. Tardo, quase poética em minha confusão, com ela.
Diante de mim, uma sensibilidade ensurdecedora que não precisaria dizer uma palavra para impor sua vitória, mesmo que momentânea, frente a toda e qualquer dúvida acerca da objetividade. Quero, talvez possa e não deva. Uma incógnita que nada nos diz, como devem ser as boas incógnitas. Tampouco revela... É só a ânsia de sempre, por desvendar, que não chega de roupa nova nem muda o jeito de encarar a vida como ela é - trocando, contudo, o gosto do cotidiano.
Neste novo gosto perceber, suavemente, que estamos para a afinidade cominada com uma segura distância, simplesmente, ainda que a disposição esteja para a superficial demonstração desse início de encanto. Que pode ser tão meu.
Se as coincidências são mesmo releitura de outros rostos e formas que há muito me foram caros; Se só a chance de singularidade me move, é de se dizer sobre essa releitura tão específica e, por isso mesmo, tão nova, tão ideal e tão desejada. Se só a busca pela singularidade me move, não hei de deixar que o tempo leve, in albis, o olhar de quem pára a fim de me contar o que de mim o mundo não repara.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

E tudo vai indo: bem...

Tem alguma coisa acontecendo comigo. O primeiro pé que pus no chão ao acordar foi o esquerdo. Não tive azar, mas o dia não foi fácil. Nunca é.
Cheguei do trabalho, duas voltas pra esquentar a comida no microondas e corri pra frente da TV, como há tanto tempo eu não fazia. Sintonizei qualquer canal e assisti um documentário sobre a vida do Johnny Depp, em que ele dizia, em uma entrevista: "Se escolher ter uma vida fechada, suas experiências vão ser mínimas, sem graça e tediosas. Se permitir que coisas novas entrem e as experimentar, você vai ter aprendido algumas coisas". Tudo isso em um inglês que, com sorte e legendas, eu pude entender. E aquela cara de porra louca.
Foi quando, de espanto, eu derrubei um garfo inteiro de arroz, bem soltinho, na manta de crochê com furinhos que cobre o nosso sofá. Parei a programação e limpei sem praguejar. E ainda ri. Voltei as cenas me sentindo modernamente antiquada. Anotei a frase, pra levar no bolso da memória, igual lição e telefone de quem interessa ou faz falta.
Tem alguma coisa acontecendo comigo. Às vezes acho que foi alguma das escolhas no meio do caminho, o que me deixou assim. Às vezes acho que foi não ter escolha. Talvez seja paixão. Talvez seja pela vida que tô levando. Talvez seja Saturno retornando antecipadamente, aos 19. Alguma coisa tem. Não sei dizer o quê, mas alguma coisa tem. E é boa, olha só, surpreende de tão boa. Se me der oi, pule o como vai, porque tem alguma coisa acontecendo comigo... É a única coisa que eu sei dizer, claramente. Tem alguma coisa acontecendo comigo. E tudo vai indo - é um absurdo, eu sei, mas vou lhe confessar -: bem...

domingo, 29 de julho de 2012

À francesa

Adormeci com Jack Johnson no volume dois. Repetidamente. Não sonhei, embora tenha muita certeza de que a música me inspiraria um sonho bom. Acordei confusa, como quando acordamos sem saber muito bem onde estamos. É sempre no mundo, afinal, o que nem por isso nos priva da sensação. Acordei com Jason Mraz. I'm yours. "Eu não posso esperar (...)".
E no meio de tudo, você. Faça noite ou chuva. Em meio à tempestade. Num mar revolto e confuso. Por semanas consecutivas. Na música que repete que assim continua... Parado e me olhando. Ou distante. Até no sono sem sonhos. Você. Um ponto de interrogação nas certezas que a vida vinha trazendo, pra fazer crer que não me perdi de mim e que posso guerrear contra as convicções mais simples. Pra fazer crer que eu ainda sou sensível aos pequenos gestos ou pra contemplar os meus vícios de linguagem. Pra adoçar a noite sem que eu o diga que isso aconteceu, como prêmio, no final. Pra esmagar meu senso de direção com o tom de voz despreocupado.
Não preciso fechar os olhos para adivinhar, uma vez mais, a sensação familiar da ponta dos dedos da mão esquerda no rosto, de leve. Do mesmo rosto escapando de mim a medida em que não me despeço das manias antigas. À medida em que me confesso confusa. À medida em que eu me digo quase entregue, ainda que nem precisasse dizer. À medida em que me repito "deixa livre!" quando te sinto um possível passageiro clandestino e fugidio de meu porto, da minha trama e do meu drama.
É quando penso, ligeiramente, em fugir antes. Nada como um clássico... Saída à francesa. Mas, zombando de nós, o destino põe um quê de mistério na história e minha vocação para os contos de fada faz perder algo no caminho... Não o sapatinho, já que as histórias jamais haverão de se repetir de todo. Somos modernos. Perco pelo caminho uma peça de roupa, rasgada. Nada mais prosaico e contemporâneo. Sorrio com a contradição. Nada mais capaz de me fazer perceber que, se eu fugir antes, provavelmente será na sua direção...

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Parecer merecer


E sem mais nem menos eles chegam, sem avisar, pra quebrar o silêncio de algumas horas - ou muito mais. Chegam quase sempre no singular, seguindo uma história mal resolvida, que é pra dar um toque mexicano à novela de nossas vidas. Chegam no singular. Sim. Chega alguém. Mas pra não me comprometer uso o plural - talvez melhor que sejam vários deles, sucessivamente. Não foram feitos pra durar, e às vezes duram... Parecem merecer, e às vezes não merecem... Aproveitamos, assim, pra fazer deles o melhor que podemos ser.
Mas então, como eu já dizia, eles chegam. A pauta de temas afins é restrita por ser ampla demais... Em pouco tempo, o assunto acaba. Um riso tímido do outro lado da linha, da tela ou do meio palmo que nos distancia. Nos conhecemos pouco e, por isso, não nos despedimos nunca. É bom falar (até) do que é banal. Talvez porque saibamos que a lei a ser aplicada é a mesma do sentir: só "vinga" quando a gente insiste, a despeito dos contratempos. Então insistimos, até surgir um "durma bem" que seja capaz de encerrar os assuntos amenos. 
Muito mais por convicção do que por prudência, falta-lhes a franqueza de assumir uma intenção, qualquer que seja. Falta-lhes vocabulário para ser inédito, já que a essa altura é melhor economizar em matéria de apego. E lhes falta alguém que, há não muito tempo, foi importante porque não lhes faltou. E eles são e somos todos, enfim, comuns. Não no sentido literal, mas um ao outro. Comuns no desapego, comuns no desespero no meio da festa, no meio do banco na calçada, no meio do nada. Comuns ao perceber que somos o que decidimos ser.
Ainda sobre as intenções. O quão humano é ter as segundas antes das primeiras? Eis, uma vez mais, a verdade crua, entre tudo o que é sutil. Uma das poucas certezas que ficam, para além dos finais... querer.  E eles querem. Querem muito essa verdade que vai sendo inventada a cada passo na direção um do outro, tarde ou cedo.
É isso. Sem mais nem menos eles chegam, em singular, sem avisar, porque querem. E o que querem não se sabe. É um misto de confrontos, desconfortos e vícios... Meus queridinhos. Os quase-amores. Se nunca se transformassem, seriam minha espécie predileta de frio na barriga. Os quase-amores, que passam longe de ser o que se espera deles. Os quase-amores, que tem tudo para ser e nunca são. Os quase-amores. Que não passam de felizes coincidências, caprichos do destino capazes de nos impulsionar a seguir.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Sobra-me a coragem

Foi em uma manhã em que a vida carecia de detalhes que comecei a escrever na primeira página do meu primeiro diário, ainda menina. Faz muito tempo, mas o motivo sempre foi o mesmo. Não me pergunte qual. Entretanto, hoje creio que as pessoas, sempre práticas demais, nunca poderiam compreender um terço das palavras que - o mais direta e secretamente possível - eu dirigi a elas ao longo dos anos. 
Pudera! Prolixa como me é próprio, em meu lado de dentro, sempre se misturavam e confundiam todos os ângulos das mesmas histórias. As minhas, muito reais; as fantasiadas, as que eu idealizara naquela meninice, as que me contavam com detalhes inventados e as que desejei e nunca aconteceram. Sempre muito floreadas de linguagem. 
Eram tempos difíceis para os sensíveis e autênticos. Talvez todos os tempos o sejam, mas aqueles em que eu escrevi meus primeiros parágrafos o eram de maneira própria. A máquina de escrever era inimiga dos insones como eu, com aquele barulho insuportável, denunciando aos que dormiam o tardar da hora. Eu madrugava acordada sofrendo em dose tripla: A uma, pois não poderia sair à noite para espairecer, já que a cidade andava demasiado perigosa para uma criança - como sempre foi, e ainda é. A duas, por ouvir apenas os tic-tacs insuportáveis dos relógios de cabeceira, hoje anacrônicos, por horas a fio. A três, porque não poderia esquecer os próprios pensamentos em uma folha de papel no fundo da gaveta, valendo-se da máquina de escrever. Ao menos, não antes que amanhecesse. 
Àquela época, aliás, tudo era pronto e estava dado. A felicidade inconteste era concedida somente aos audaciosos. E essa audácia pressupunha uma coragem que, de todos os momentos idos, lembro ter tido apenas quando as palavras me emprestaram a força necessária para confessar o que sentia, nem que fosse ao meu diário. Nem que fosse com palavras de criança. 
Se é de ser este, pela primeira vez, um conto biográfico, eu não poderia me esquecer daquela manhã em que fazia frio e a vida carecia, mais do que nunca, de detalhes. O dia em que alguém acorda para seu lirismo é sempre o mais bonito de todos. Mas lá se vão todos estes invernos desde o primeiro em que me pus a traduzir o que ninguém entendia. Ninguém, até chegar Lucas. Um alienígena, como eu, que nem precisava ser de outro mundo para me parecer interessante. Este estranho que tomou meu décimo livro-diário das mãos, impetuosamente, enquanto escrevia, sentada no banco daquela praça, na tarde de véspera do meu aniversário de vinte e um anos. 
E me deixou furiosa! Eu teria vasculhado em todos os planetas de todos os sistemas para recuperar aquele caderno de folhas datadas antes que Lucas, até então um desconhecido, lesse qualquer das páginas. Felizmente não foi possível. Não o foi, já que Lucas correu como um louco e desapareceu em um vão entre o Museu e o Terminal Rodoviário. 
Ainda lembro da sensação de alegria ao ver um desconhecido muito bonito se aproximar, seguida pelo terror. Um desconhecido muito bonito, sim, mas roubando meu diário sem mais nem menos, deixando-me em pânico ao imaginar que ele saberia dos meus segredos mais secretos. Voltei à casa com uma intriga nas ideias e uma dor de cotovelo enorme. Seja quem fosse, saberia mais de mim do que eu desejava. Não era um roubo comum, era um roubo intrigante que eu não reprovava de todo, o que agravava a situação. 
Dali a três semanas, quando eu já dava a causa por perdida, o carteiro bateu à porta de minha casa, com uma caixa coberta de papel pardo, endereçada a mim, sem que eu esperasse nenhuma encomenda. O remetente, contudo, era claro. Sua letra era firme ao escrever meu nome. Corri os olhos sobre o embrulho, lendo outra vez, mais pausadamente: Beatrice Novaes, rua das orquídeas, número duzentos e nove. Era mesmo pra mim. Mas o que seria? Abri com a curiosidade de uma criança. 
Era meu diário! E junto dele havia uma carta curta, datada de dois dias antes, que dizia: "Beatrice, foi um prazer lhe conhecer, ainda que nestas circunstâncias esquisitas. Eu roubando o seu diário aquela tarde na praça, você sabe. Acho que lhe devolver é o mínimo que pode fazer alguém que, depois de ler seus escritos encantadores, deseja roubar seu diário todas as madrugadas, enquanto você dorme, para ler o que há de novo. E acho, também, que o quanto sofri para descobrir seu endereço exime qualquer outra pena que este pequeno delito poderia me trazer. Assisti você escrever, detidamente, por muitas quartas-feiras de bom tempo, naquela praça. Não tive certeza de que deveria me aproximar e lhe interromper, por isso não o fiz. Mas teus olhos, tão brilhantes, me convidavam a desvendar o infinito de palavras do teu diário. Hoje sinto - porque não há outro verbo que o diga melhor - que preciso saber mais de você. Um beijo do Lucas, ladrão de diários e, quem sabe um dia, dos seus pensamentos.
Trocamos oito cartas até que ele me convidou para vê-lo, muito bem humorado: "(...) Eu sei, eu sei, você tem razão. Foi mesmo um "pequeno delito" imperdoável. Aliás, se quiser me xingar, beijar ou tomar um café, estarei naquele mesmo local que nos encontramos a primeira vez na próxima quinta, às três. E por favor, leve só o seu charme, não leve a polícia para prender esse pobre bandido." Aceitei, é claro. Talvez para poder escrever, um dia, que conheci Lucas tarde demais para não me apaixonar. Talvez para dizer que foi cedo demais para não sentir um certo remorso de que meu encantamento por ele acontecesse de maneira muito voluntária. 
Já são quase cinco da tarde e Lucas ainda não apareceu. Talvez seja um jogo. Talvez tenha tido problemas na viagem. Talvez não seja o que eu desejei que fosse, como tantos não foram até aqui. E se ele realmente não vier, ou se nada mais nesta história me fizer sorrir daqui em diante, sobra-me a coragem que as palavras sempre me deram. E este conto.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Um insulto ao que é raro

- Se eu pudesse te dar dois conselhos, seriam eles: 
Compre uma jaqueta nova pra usar amanhã à noite.
E nunca mais leia históricos de conversas no Facebook.

Era sexta-feira e eu sorria ainda muito desajeitada. As mães prescindem ladainhas introdutórias e não é necessário apresentá-las demoradamente - apenas sabem de tudo, todo o tempo, e também por isso são tão admiráveis.
Não é preciso ser mãe pra perceber que resmungo os restos, aos poucos, parafraseando aqui e ali o que já não faz sentido. Mas quando foi que deixou de fazer? Nem digo "aonde foi" ou como foi - não sou tão pretensiosa. E não ouso esclarecer que se eu soubesse haver um lugar, era lá que eu teria ficado, sem precisar de uma jaqueta, de coragem ou de conselhos.
Domingo respiro fundo o todo que sobrou, feito viciada. O todo é pouco, mas ainda inebria. A cada movimento da expiração, solto mais um pouco desse todo diretamente de um dos meus órgãos vitais. 
Começa a chover... Os dias de chuva inundam até o que é raso, e as noites, então, é melhor nem lembrar. Ao menos, o que era forte vai esmaecendo e ficando débil. Pusilânime. Pu-si-lâ-ni-me. Palavra bonita com esse significado medíocre. Esse adjetivo desqualificador do que um dia foi certeza e enfeitador de tudo que ainda é dúvida.

As fotografias somem das minhas paredes, novas fotografias aparecem nos murais. São tão opostas, mas tão iguais. Talvez não passem de um insulto ao que é raro. Pro impropério ser completo, surgem outras bocas. O gosto delas é neutro e é um só: O da vontade de continuar sem se arrepender.

"Cláudia fecha os olhos e vê-se uma vez mais nos braços dele. Quantos homens a amaram com eficácia e surpresa e originalidade, depois? Todos. Um cardápio de homens dignos (...) simpáticos, sensíveis. E Cláudia a fechar os olhos (...)". 
(Inês Pedrosa in: A instrução dos amantes, p.163)

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Não é pecado fingir

Estava pronta pra começar o texto dizendo que "Com sorte, nem Andrea Doria nem Os Barcos funcionaram nos fones, assim o texto sai mais... Seco." quando, sem mais nem menos, meu celular resolve me pregar a mesma peça da razão e funcionar. 
Sempre gostei de Renato Russo, sempre gostei de Legião. Melhor quando eles me livram dos corinthianos, alvoroçados e barulhentos, em carreata pelo título (parabéns pra eles!). Mas bom mesmo é quando os fones me livram de mim e me permitem pensar isolada.
Parece que terei de me controlar pra continuar incontroversa, dessa vez. E pra não manter nenhuma janela de conversação aberta, ansiosa pela mensagem de que "Fulano está digitando algo...". Mas nisso, infelizmente, Legião não ajuda, já que sou estupidamente previsível. Tanto, que quase sou capaz de dizer que às vezes não faço sentido. 
Quase. Às vezes. Possível. Provável. Nota? Vez em quando eu cuido pra não me iludir com certezas. Outras vezes descuido e pareço sensata. Vez em quando faço o jogo do contente. Outras vezes choro. Vez em quando é quando ouço música. Outras vezes quando lembro de domingos como o último.
Retomei a escrita, ao menos, o que me desencarrega da função de processar informações sozinha. Assim, reparto a tarefa de me desentender. Alguém já disse um dia - Fernando Pessoa, já que a memória é melhor que o resto - que nada pesa que não leiam o que se escreve. E segue dizendo que se escreve para se distrair de viver. E se publica porque o jogo tem essa regra.
Hoje me distraí mais que o normal, sabe? O aniversário da tia Carmen, o estágio, o entrevero, o jogo. Os ingressos, as roupas e os preparativos pra sair no sábado, ainda naquela história do jogo do contente.

Logo depois de Andrea Doria e Os Barcos, vem Sereníssima, aquela do Legião que diz como eu gostaria de estar enquanto o caos segue em frente com toda a calma do mundo.

Acho que quando "ser" dá muito trabalho, não é pecado fingir. 

sexta-feira, 29 de junho de 2012

E ter, na vida, um ofício: Ser faísca.

Enquanto o mundo for mundo, haverá os dias em que quase tudo dá errado. Em dias como estes, a sua garganta voltará a doer, você será mal interpretada, e alguém terá a ideia - talvez inocente - de falar mais do que deve ao seu desfavor e a despeito das suas convicções. Acomete-lhe, então, um gostinho amargo de saber que o dia podia e devia ser melhor, de que podia ser diferente, embora isso não fosse exatamente um dever. 
É quando me lembro de francos sentimentos e de instantes amaciados com palavras e insinuações ternas. Quando eu recordo que, apesar dos pesares, ponderando as dúvidas, reconhecendo como muito sinceras algumas mentiras (que, como já disse o poeta, sempre interessam), talvez eu possa ser mesmo algo como uma faísca. 
E é provável que ser faísca seja mais do que a Wikipedia diz. Que seja mais do que ser parcela incandescente que se separa de um corpo que arde. Porque ser faísca, sei bem, também é arder. 
Arder com os enganos e desenganos que a vida traz, com o que podia ter dado certo e não deu, com o que ainda poderá dar certo e dispende paciências demasiadas pra que o fogo pegue, com o que enche os olhos de lágrima e quase apaga a chama. É arder de vontade de dizer aos quatro cantos que se arde. 
 E de repente, no fim da manhã, altas horas da madrugada, no meio da tarde... arde a vontade de entrar em contato pra dizer que é bom ter, na vida, um ofício: Ser faísca. Pra dizer que os dias em que se acredita ser faísca, os dias em que se aposta fielmente nessa possibilidade, são mais agradáveis que os demais. E compensam os momentos 'de menos', aqueles em que quase tudo dá errado.
Porque, como a definição assegura, ser faísca é ser uma parcela, apenas um fragmento, à busca de algo que lhe empreste sentido. Mas sem a simples parcela nada seria como é, e nada arderia como arde... Nenhum fogo teria graça se não produzisse faíscas. E nenhuma faísca teria razão de existir, se não houvesse a real possibilidade de reacender - e iluminar. 

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Ele não está tão a fim de você

O título aí em cima, de um filme datado de 2009, resume a história. É claro que eu e você não somos Ben Affleck e Jennifer Aniston, por motivos práticos: eu e você não somos nada hollywoodianos. E eu também não sou a Scarlett Johansson, que atua no filme, já que eu realmente não tenho vocação pra gostosona, e já que se eu tivesse, o título a que me refiro certamente não faria sentido.
Então nosso elenco é mais modesto, e eu nem saberia dizer o nome de todas as personagens que já fazem parte dessa história. Ou que ainda virão. Mas é nesse enredo meio mal feito que você surge. De início, só às quintas-feiras à noite, depois aos finais de semana, em seguida ao meio-dia pra dizer que estou atrasada pro trabalho, e no fim pra adormecer antes de responder objetivamente a minha tentativa frustrada de facilitar as coisas sem te entregar o jogo. 
Falando em jogo, tem também a parte que você não dá a mínima pra eu ser uma garota que gosta de futebol, reforçando a minha obrigação de saber um pouco de todas as coisas, assim, in natura, pra me tornar um pouco interessante. 
O nosso filme tem você dizendo que "se empolgou" menos de um minuto depois de dizer que me quer, deixando o interesse velado ou, mais provavelmente, retirando-o de cena. E há a cena em que você usa terno e gravata. Mas essa eu prefiro nem comentar.
Ah, o filme. Já ia esquecendo. É a história de uma garota que espera uma ligação no outro dia - e o mocinho não liga. Não porque é mau, não porque tem alguém que o espera, não exatamente porque tem gente mais interessante na jogada, não propriamente porque quando as mocinhas demonstram interesse os meninos desencantam. Não porque ele é ocupado demais como faz parecer, nem especificamente por nada que se possa descobrir. 

Apenas porque ele não está assim tão a fim da protagonista, não importa muito o que ela faça. 

O final da comédia romântica - que agora empresta seu próprio título pra mais alguns parágrafos coesos e concisos, mas muito desnecessários - tem mocinho e mocinha se beijando. Final feliz!
Exatamente como devem ser as comédias românticas.
E se além das telonas não há final (pois há bem mais que cento e vinte minutos de história), não havendo possibilidade de este mocinho e esta mocinha ficarem juntos nenhuma vez... bom... ainda assim, as mocinhas podem descobrir, em dado momento, que sempre haverá outros risos. E outros enredos. E muitas outras pessoas.
Exatamente como devem ser as mocinhas da vida real.


Esse texto deixou de fazer sentido às 12h20min.
Mas achei que seria uma pena excluí-lo.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Do que foi feito pra dar errado

A gente insiste, é instintivo. Queremos provar ao mundo que podemos, sim. Que somos diferentes. Que temos as rédeas e que somos donos de nosso próprio destino. Não importa o quanto a consciência diga: "Para, porra!". Não importa quantas vezes a gente perceba que não podemos, que nunca somos, que nunca teremos.
Nós vamos lá e arriscamos. Fazemos, experimentamos, dizemos pra depois nos arrepender, deixamos ser. Quase sempre porque somos jovens, ou porque já somos experientes o suficiente pra saber como devemos agir, ou porque nunca se sabe quando a vida acaba, ou porque temos todo o tempo pra se arrepender, ou porque a vida é de quem se atreve. E principalmente porque tudo isso não passa de um pretexto pra esconder a esperança de que algo inspirador aconteça.
A gente sabe que é furada, que é mais do mesmo, que vai dar vergonha ter feito e dito e quebrado a cara - mas deposita todas as fichas, mesmo assim, quase sem querer. Por dois minutos de euforia ou talvez um pouco mais. Pela sensação de estar vivo. Pela novidade. Porque até acabar terá valido a pena. E o desgosto de depois do fim, é claro, deve ser o preço. O preço do que foi feito pra dar errado, a despeito das nossas insistências.
Abençoados os que travam na hora H, os que pensam mais de uma vez e antes, os que não trocam o certo pelo duvidoso, nem jogam tudo pra mais alto do que conseguem recuperar. Abençoados os que invejo, pela imensa coragem de serem grandes patifes - e não se machucarem pela vida que escolheram levar.

sábado, 9 de junho de 2012

Hoje eu entendi: Sonho não se dá.

Acho que, quando me inventaram, 
exageraram tanto na dose do 'complicada' 
que eu acabei ficando sem a parte do 'perfeitinha'.

Reescreveu rindo mentalmente, embora ele não visse. Dizer aquilo era um atestado de sinceridade muito maior do que o necessário para a ocasião. Era confissão. "Atenuante da segunda fase da dosimetria penal". Mas que podia fazer, se era verdade? Um deletério doce.
É, fazia frio. Não que isso importasse muito - mas há sempre que se dizer algo sobre como os dias foram cinzentos ou ensolarados, ou as madrugadas fizeram tremer, pra que o texto ganhe uma conotação poética, própria dos pseudo escritores de gaveta que escrevem para encontrar respostas. Própria de quem sai com os amigos, pro cinema ou pra beber pra encontrar respostas.
Talvez procurasse respostas que, por óbvio, ele não tinha. Ele era apenas o cara mais descolado que se tem notícias, e com muitas, muitas, muitas garotas na agenda telefônica. Mas uma só na marca de 3x4 da carteira. O cara que passava longe de ser propriamente underground, mas ficava o cúmulo do absurdo de jaqueta preta e as bochechas vermelhas. O cara que achava que sabor de morango artificial parece balinha de freegels. E que não encarava quem andou uns quilômetros pra ver, por nada nesse mundo. Orgulho? Respeito? Timidez? Não sabia. Ele não se deixava desvendar.
Mas ele estava ali outra vez. E isso quase não podia ser verdade. Assim, de graça!? Sem esperanças ou um beijo de verdade, de deixar confuso, na despedida!? "Melhor não pecar pelo excesso", diriam os sábios. E se de sábios não temos nada, melhor nem arriscar num teatro ensaiado de olhar pro celular e soltar um 'não-sei-quem-é,-sei-sim', fingindo as piores dúvidas e negando as realidades mais óbvias...
Melhor sermos humanos, e sinceros.
Esperou-se um sinal de vida, com instintos praticamente maternais, com todas as luzes acesas e piscando. Mas os sinais devem ter sido mais sutis do que ela fora capaz de compreender. Ou tenham sido ofuscados. Ou simplesmente não tenham existido.

Se todo o frio pudesse congelar uma cena, seria essa: Haveria uma garota em pé com as pernas cruzadas, uma garrafa de ice de gengibre na mão e um milhão de confusões a menos de meio palmo de distância. Que ficou ali, inerte, imóvel, parada, e todos os sinônimos mais. Por pura confusão.
Talvez você diga que não adianta apostar em algumas pessoas, nem romantizar histórias que a gente sabe que não devem dar certo. E que há tempo pra tudo! Talvez eu concorde, pensando que se Exupéry visse a cena, acreditaria mais do que nunca que quando o mistério é muito impressionante, a gente não ousa desobedecer. (Por mais absurdo que aquilo me parecesse a mil milhas de todos os lugares...)

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

O melhor ângulo

Solidão não enche barriga. E isso é um fato, apesar dos fatos não precisarem ser ditos. Eles só existem, e estão lá e aqui, fatuando. 

Hoje estou só. Não por necessidade, opção, não por nada pessoal, só estou. Só estou só. A solidão é bonita, eu acho. Porque bonita é o adjetivo mais mediano que eu encontro. Não porque sozinho você é você, apesar de que... bem... também. Mas solidão não enche barriga. Então a gente trabalha, gosta outra vez de alguém, estuda. Tudo porque não pode ficar trancado no quarto escrevendo coisas que não rendem, ouvindo coisas que não rendem, remoendo gentes que não rendem. Ficando sozinho. Ou quem sabe porque isso nos enlouqueceria, seja lá o que for enlouquecer. Tipo o protagonista de The Pianist, quem sabe. Enlouquecido de estar sozinho, fugitivo. Mas quando digo fugir algo me parece muito analógico. Fugir de estar só é parecido com estar só. Estranhamente parecido. Como andar em círculos. Como nadar em círculos, talvez, já que não sei nadar. E, sem fôlego, paro, paramos. Estamos sós, sempre estaremos. Uma hora ou outra, atravessando uma rua, tossindo, escrevendo poesia sem quebrar a linha. E é por isso que eu acho que estar só é nosso melhor ângulo. A parte mais verdadeira de nós. De repente, sem querer, assustados: Estaremos sós. Em multidões. Quiçá a solidão aprendesse a encher barriga.

(Acho que isso devia ser um diário, pra eu não passar por louca. Sozinha, louca-sozinha em vez de louca.)

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

O apressar do atraso

E já no acordar lembrei da minha mania de começar os textos com um E, para parecer mais familiar o que vem depois. Para ser só uma adição ao texto que fora escrito até a noite anterior, não uma nova página. Não lembro da gramática do E, embora adição me seja um termo meio que matematicamente familiar. Lembro apenas de acordar como se fosse personagem de livro de romance, meio cafona. Hoje narrei tudo que senti acontecer. Narrei os parágrafos, como começar, onde usar as vírgulas, ainda que de maneira inadequada. E na ressaca de iniciar as frases sem saber como acabarão, quando vi acordei na segunda-feira; Pensando porquê diabos algumas pessoas só conseguem escrever pra falar, ainda que minimamente, de amor. Ainda que com todos os eufemismos que a palavra e o viver requerem, para não falar no sentir. Todo o trajeto da náusea com que acordei, das páginas do livro que li, do almoço que não consegui terminar, do banho mais curto que o desejado, da escolha da pior roupa do armário aliada a um chinelo de dedos, que seria uma vestimenta ruim até para ficar em casa, do caminho para o trabalho na calçada que o dono do prédio resolveu cobrir de piso claro demais e que me cegaria, não fosse o atrasado da hora. Da sincronia dos passos subindo a elevação pequena que vai dar no meu trabalho, os clac clacs de salto da loira do segundo andar comparados ao meu arrastar de chinelos. Do boa tarde cuidadosamente seco, porém sonoro, ao adentrar as salas dos colegas que eu não via desde a sexta-feira. Da falta de paciência com a senhorita que precisa de ar condicionado e sal debaixo da língua porque está com pressão baixa. Pseudo-burguesa, sem o traço doce de ser, ao menos, uma hipocondríaca um pouco interessante. Do subir de escadas arrastado, para trabalhar, ou escrever um texto enquanto se deveria estar trabalhando. Tudo isso renderia uma crônica, um conto, um texto esparso, um monólogo, um livro detalhistamente enjoativo, um filme de pouca bilheteria; mas eu só consigo falar bem das coisas grandes, e essas não rendem nada, porque todos conseguem vê-las de alguma forma. Só consigo falar bem de me repetir com essa náusea que nem ao me deixar me deixa verdadeiramente. Dessa ressaca que as vodcas de ontem não conhecem. Dessa espécie de mordida em punho de camiseta comprida, que agonia tanto e o menino não se cansa de repetir. E eu me assisto ser o que não sou sem estar pertubada. Perturbadazinha que fosse. Nos meus textos que, ninguém, entendo. Falta o confirmar de coincidências, o apressar do atraso, o apreço de, entre uma loucura e outra, terminar sabendo que o próximo fruto da escrita merecerá começar com E, para ser continuação em vez de parágrafo novo.

sábado, 14 de janeiro de 2012

O próprio veneno

Acordei bem a tempo de ouvir o controle remoto dele tocar. Talvez tenha despertado na antecipação do barulhinho estridente que o celular novo, gigante e cheio de tecnologias é capaz de fazer. De relance, vi o golpe em direção ao criado-mudo, que estava depois de mim. Um salto, praticamente ornamental, que terminaria com a tela virada pra ele no lugar exato de um braço esticado meio para cima, longe da minha vista. Coisa estranha. Nada que o meu pescoço generosamente avantajado não desse conta de minimizar, no entanto. Linhas e linhas de mensagem de texto. Um trecho de música do Gessinger? Um poema do García Márquez? Um pedido de desculpas? Eu não sabia. E tinha acabado de despertar, o que dificultava um pouco a concentração, apesar de não diminuir nem um milionésimo da agitação com a cena - curta e relativamente patética.
Devo ter murmurado um "quem é?", embora não tenha certeza de concatenar bem as ideias para um feito de tão grandioso porte. E ele disse: "uma amiga, a avó dela faleceu". E àquela altura eu tive certeza de que não há nada de mais estranho no mundo do que ser acordada com uma notícia de avó de amiga que falece às quatro e quinze da tarde. Principalmente se o número da outra operadora toca menos de dez minutos depois, e ele resolve não atender. Abandono o travesseiro e deito longe da conchinha. Ah, meu temperamento de menina de doze anos! Tão bom relembrá-lo. Franzindo o cenho da maneira mais enigmática possível, arquitetei a vingança que comeria quente.
Temos poucas horas. Beijo-lhe devagar, fecho os olhos como se não soubesse o que me espera, nego-lhe o óbvio e ofereço, cru, o que não sei compreender - só sinto e faço questão de querer. E embora parecesse uma dose pequena de um veneno suficientemente letal e cruel na demora, o que eu destilava aos poucos não era mais do que um ciúme cento e vinte por cento humano.
E como nua de disfarces eu não sei mentir: ciumenta que sou, sincera que sou, pulguenta atrás da orelha que sou e contida que não sou, disparo: "Tu te importas que eu veja a mensagem da tua amiga?" E ele, que torceu o nariz severamente mas fingiu não se importar, mostrou o que na verdade eu não queria ver, mas precisava. Uma mensagem de muitas linhas, que eu não li, e algumas conversas anteriores, que eu li e que apareceram na tela por culpa do avanço tecnológico que é o controle remoto que ele chama de celular. Senti as bochechas quentes e mais coradas do que é costume, naquelas circunstâncias. E às cinco e meia da tarde eu era uma ciumenta orgulhosa e, de certo modo, pragmática.
No final da conversa absurdamente sincera, franca (todos os sinônimos mais!) e polida que deveria acabar em uma briga, que por sua vez deveria acabar em beijos, negações óbvias e oferecimentos crus, estávamos bem pelo que houve e pelo que não houve. E eu não era mais do que uma ciumentinha. Diminutivo mesmo. E o que mais me perturbava, passado todo aquele ataque histérico de mulherzinha, era não ter mais uma hora ou duas pra dormir de conchinha com o cara do controle remoto.