segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Às 10 de sexta

Para ler ouvindo isso.

O relógio contava pouco mais de 10 horas da manhã de sexta-feira quando a casa caiu por descuido e curiosidade, a destempo, na minha cabeça. A informação e as palavras eram certeiras e inesperadas como um tiro. Levei dez minutos chorando compulsivamente, de raiva como pretexto, de desequilíbrio como peculiaridade, até lembrar que era só mais uma breve história, das que eu já tinha vivido antes, que me surpreendia negativamente. Daquelas que eu acho que chegam ao fim de maneira sui generis e inauguram um tipo de decepção.
Decepção que seria demonstrada por telefone numa voz seca e que deixasse poucas dúvidas, se fosse o caso de haver uma ligação. E haveria uma ligação. E haveria um encontro. E não tardaria que eu explodisse, em fúria, disparando merecidos insultos, de um jeito que não lembro de ter dito a ninguém antes, no avesso do que eu realmente esperava pra pouco mais de doze horas depois daquela manhã fatídica. Decepção de se emprestar inteira, em todas as nuances, pra um envolvimento clichê mas nada convencional, que seria visto como frívolo e preterido por essa "facilidade" (anunciada numa conversa, em tom de zombaria, imagino...).
Em algo eu sempre erro, eu sei, é assim em todas as histórias e também nas lembranças que tenho delas, então posso dizer que, se a memória não me falha, eu desci as escadas descalça. Só pra ter certeza de que voltaria a ter os pés no chão, dali em diante. E naquele projeto de despedida acenei a cabeça em um gesto de reprovação por tudo que me feriu tão prematuramente no último dia daquelas duas semanas. Por tudo que eu soube, sem poder perguntar ou querer oportunizar a explicação de motivos daquela atitude de filho da puta, nos termos do que vociferei duas ou três vezes.
Mais algumas doses de tequila e horas de sono e acordei sorrindo como se não me importasse com a situação. Mas eu me importava. Tanto é assim que na madrugada seguinte, tão agitada, ainda haveriam chances. Contudo, as chances se converteriam em poucos segundos reciprocamente desperdiçados de proximidade e a boca da qual eu tive uma antecipada saudade não disse nada e acho que nem sorriu para mim, como era de se esperar.
Eu só deixei ser. Eu só deixei ser, pensando que algumas conversas nessa vida você não precisava ter tido.
Eu só deixei ser. Eu só deixei ser, como foi desde o início.
Mas aparentemente "deixar ser" também tem um preço.
Um preço caro, como eu soube às 10 de sexta.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

A vida é muito

Se eu concentrasse, por um dia, a competência necessária para legislar sobre as matérias afetas aos comportamentos das pessoas que fazem parte da minha vida, hoje o meu código de conduta seria demasiado simples. 
Estaria vedado a qualquer um me tirar o sono ou do sério por bobagem. Estaria defeso decepcionar ou desencadear em mim essa desconfortável sensação de soco no estômago. Sensação de vontade de blefar. Ou de atacar, em fúria. Se eu pudesse legislar, tipificaria, em letras garrafais, que não se pode fazer da vida um jogo, ainda que esse jogo pareça divertido. Que se deve perder mais tempo com conversa do que com orgulho. Com dedicação do que com ignorância. Com cuidado do que com ego.
O código teria vigência reduzida, eu sei. Inconstitucionalissimamente reduzida. Mas ah, se eu legislasse por um dia! Que dia memorável. Tudo seria tão melhor se as pessoas obedecessem minhas poucas regras. Contudo, as pessoas parecem nunca se encaixar, de todo, em minhas normas. Não seguem minhas diretrizes ou meus planos. Não me permitem moldá-las para serem leves, poli-las, aperfeiçoá-las.
É isso mesmo. Eu não concentro a competência necessária, já me conformei. Tudo vai permanecer na desordem que se encontra. O mundo é muito irremediável... É tão avesso às ditaduras, tão indomável. Não se enquadra nos meus pretensos decretos. E não se compara a algo que eu possa domesticar. Então eu sigo... Não como se estivesse em um lugar perfeito e encantado, mas como se estivesse em um parque de diversões em que a montanha-russa é o único brinquedo funcionando. Ou você para e assiste, ou se aventura nela.
É quando fecho os olhos. Abro os braços. Grito de euforia e perco o controle. A vida é muito pra ser insignificante. Lembra daquele poeta? Noto agora que é bem provável que ele tivesse razão...

sábado, 13 de outubro de 2012

Prosódia

Conheci uma jovem senhora que tinha por hábito detestar o óbvio. Ocorre que, por detestar o óbvio, a vida não lhe surpreendia. Quando o acaso tocava a campainha, logo saía correndo, feito moleque assustado. Culpa da jovem senhora, que costumava estar mal humorada, espreitando tediosa para repreender o acaso pelo atraso em aparecer.
Um belo dia a jovem senhora, sozinha, arrumou-se e saiu pra beber, cansada de esperar o extraordinário, olhando a vida passar pela janela. Divertiu-se. A coisa fluiu, embora clichê. E o tédio e a loucura se repetiram pelo resto de sua vida porque ela permitiu. Simples assim. Um ciclo óbvio, e por isso razoavelmente detestável, mas que agora já fazia da jovem senhora cada vez mais jovem e muito menos senhora.
Não por coincidência, naquela noite estranhamente normal, a jovem senhora aprendeu que a vida é ritmo. Sucessão de tempos fortes e fracos que se alternam com intervalos regulares. Ainda, aprendeu que se o feijão com arroz sustenta, se o papai e mamãe convence e se na moda o menos é mais, um clichê vez ou outra tem lá seu valor. Nem que seja para oportunizar aprendizados agudos, dilacerações graves, entonações falseadas e efêmeras paixões. De uma noite. Levemente sonoras. Clichês que ditam o compasso de capítulos inéditos - e, por isso mesmo, apetecedores.