quinta-feira, 7 de julho de 2022

Eco [23]

Na primeira vez que me olhei no espelho hoje depois de cortar o cabelo vi um fio branco apontar bem no topo da cabeça. Não foi o primeiro, Laura, mas dessa vez não arranquei. Não fiz mais que um movimento pra comparar a rigidez com os escuros. E deixei ali. Mas quis te contar que estou envelhecendo. Te perguntar se o tempo passando aí tem o mesmo peso e o mesmo cansaço daqui. Você também tá se sentindo no inferno astral? Também tá exausta de ter os mesmos defeitos e os mesmos traumas e de ter que lidar com as mesmas pessoas? Imagino que sim. Também te irrita perceber que amadurecer tem um pouco a ver com aprender a negligenciar algumas coisas em nome de uma parceria sólida pra passar o resto da vida? Embora a nossa geração já não seja mais dessas de pensar no resto da vida. Bom, hoje quando vi o cabelo branco, eu até pensei. Quis te ligar correndo pra contar que não sou mais o mesmo, o que talvez queira dizer que ainda sou exatamente igual. Finalmente abdiquei daquela bobagem de ter inveja da modernidade e agora entendo que caminhamos todos na contramão da vanguarda enquanto vemos avançar o relógio, por isso quem se deixa carregar pela maré tem vantagem. E que eu, que já estou mais velho do que nunca antes mesmo de fazer aniversário, sinto no claro desse cabelo que é um pouco tarde. Que estou velho para uma porção de coisas. Que as ressacas têm durado três dias. Que hoje mesmo ouvi um idoso fazer planos para o próprio funeral. Que um dia meus pais também precisarão de cuidado. Aí quis te perguntar como é que vai a vida. Ou o que significavam aqueles fones de ouvido que você usava no meio do mar no meu pesadelo da semana passada. Mas foi contigo que aprendi a não dar o braço a torcer para que não me torçam o dobro. A me apaixonar por mim. A te deixar pra lá. E a envelhecer, com charme e o cabelo cortado, sem essa coisa imatura e adolescente de querer sempre um pouco mais do que o que eu tenho e me é dado.