sexta-feira, 30 de abril de 2010

Direto do fim

Já percebeu que em todo final de capítulo de seriado (ao menos, dos românticos e adolescentes) geralmente a protagonista consegue detectar, talvez pra que a gente não fique perdido, qual é a moral daquela história toda? Vai fazendo reflexões tendenciosas, palavras com tom de soberania. Deve ser o que a gente pode desconsiderar, e o que deve levar consigo para a compreensão dos capítulos seguintes. Geralmente não há personagens, eles não dizem nada nessa hora. É só uma voz que parece vir de dentro e avaliar os fatos. Ontem, na minha volta pra casa, eu tentava escrever mentalmente as palavras do fim do episódio 29 de abril do meu seriado particular. Não consegui definir o quê daquilo deveria ser descartado. E, principalmente, não consegui desvendar a resposta final daquele enigma: Mas, por que determinadas coisas acontecem fora de seu tempo? E não venha me responder que é porque tinha que ser assim, que eu sou um pouco mais inconformada do que isso.
Vou emprestar umas palavras, não sei nem de quem, para que, sem qualquer pretensão de ser uma resposta, se possa compreender coisas incompreensíveis...

"Eu não te entendo. E adoro isso, assim como adoro o jeito como você faz com que eu mesma não me entenda. Eu não entendo nada das suas coisas favoritas e você também não entende das minhas - o que é engraçado, uma vez que você está entre elas. Tem também aquelas coisas que gosto em você mesmo sem entender o porquê e as outras tantas que detesto, mas das quais eu sinto falta quando você não está por perto. No fundo, eu não entendo a maneira que você faz com que eu me sinta."

quinta-feira, 29 de abril de 2010

O nome do meu bicho

- Mas não é só você que tem histórias curiosas com bichos. Deixa eu te contar a minha:
Lá pelas tantas um bicho resolveu se amigar comigo. Eu era criança, acho que ele também. Veio manso. Rolava, sentava, fazia graça. Eu chegava a abominar tanta adulação. Mas estranhava quando todos diziam que ele não era muito boa companhia, porque apesar da atenção excessiva que ele precisava, era bom tê-lo por perto. Convidei pra morarmos juntos. Chamava-lhe pelo diminutivo. Ele me fazia bem. Eu o havia domesticado com tanta maestria que ele acabava por me ajudar a tomar decisões. Funcionava assim: Quando eu estava em dúvida entre duas coisas, solicitava-o. Se ele rosnasse, era sinal de que eu não tinha razão no que estava fazendo. Se ele consentisse, assentia com a cabeça, se aquietava ou me convidava para passear. Rosnava pouco, mas estava sempre lá. Ele gostava de brincar, por isso acho que nessa época era criança como eu. Às vezes brincava de esconder comigo, e eu simplesmente adorava. Vez ou outra até me cansava de procurá-lo. Ele se escondia tão bem que parecia não estar em lugar nenhum... E se no esconder ele era bom, no pegar melhor ainda! Se eu corresse, me pegava. Mais tarde fui saber que se eu ficasse, ele me comia.
Um belo dia, ele começou a ladrar quando estranhos se aproximavam de mim. Se enroscava nas pernas dos meus novos amigos até eu não saber o que era amigo e o que era bicho. Diagnostiquei nele a adolescência. Intempestivo, indigesto, inconveniente. Um bicho pra chamar no aumentativo. Me queria só para ele. Queria ser visto e ouvido. Quando eu pedia para que ficasse calado, me retrucava. Resolvi me afastar. Ou melhor, resolvi o afastar de mim. Eu não tinha mais paciência para domar tamanha falta de educação. Levei o bicho até a floresta mais próxima, e pedi para que se contentasse em eu não matá-lo de vez. Iria abandoná-lo ali. O bicho fingiu que não ouviu, e saiu andando vagaroso. Acho que percebeu a minha voz falhando, denunciando que eu não tinha coragem, muito menos armas capazes de lhe causar algum dano.
O tempo passou. É claro que ele não se acostumou a viver na floresta, como eu não me acostumei com a ausência do tempo onde éramos crianças e ele ser manso era, por si só, motivo de uma união benéfica entre nós. Minha relação com o bicho, hoje em dia, é de atrito. O que não impede, porém, que ele me visite de vez em quando. Ora de cara limpa, ora disfarçado durante a noite. Sinto saudade do tempo em que éramos grandes amigos. Alimentei o bicho por todos aqueles anos. Algumas vezes com mais comida, outras com menos. E isso foi fundamental para sua independência. Dei a ele minha atenção, meu respeito, minha consideração. Podia tê-lo chamado Bolinha, Rex, Totó, Ton Ton, Didi, Penélope. Mas na pressa de escolher um nome, me precipitei e batizei-o Medo. E essa deve ter sido a causa mortis da nossa amizade.

terça-feira, 27 de abril de 2010

"A paz que eu não quero..."

Deixei para pensar sobre tudo naquele último dia. Eu costumava deixar coisas para o último dia. Era uma forma de adiar o inadiável... De sobreviver à tensão... Mas agora não era mais possível esquecer... Eu precisava de sorte. Porque sorte era sinônimo de consolo e eu jamais diria que precisava de algo do gênero do consolo. Então, eu precisava de sorte. Dizer isto não ocasionaria explicação dos meus motivos, e, portanto, não aplicariam a mim a máxima que eu mesma criei: "Quando mais da metade das pessoas que você conhece reprovaria o que você está fazendo, provavelmente você não deve fazer isto." Curioso isto de inventar máximas para me recriminar... Mas voltemos à sorte. E aos rituais que eu criei pra ter sorte. Não eram mais coisas da ordem de prometer três pulos à São Longuinho, nem ficar online e offline com rapidez pra que o aviso aparecesse. E eu lembro de um tempo onde eu gostava dos avisos que apareciam. Eu precisava de uma sorte um pouco mais objetiva, dessa vez. E ela não vinha.

domingo, 25 de abril de 2010

Vivo me contrariando

Sussurrei em voz alta - e tão somente porque se pode cometer este paradoxo quando se fala algo a si mesma - dizendo mais ou menos isso: Não escreva, não ainda. Pense antes, porque o que se escreve fica eternizado e o que você está sentindo não vai ser para sempre. Talvez, minha querida, (eu levava comigo um dom admirável de tratar bem quem era importante pra mim... e eu era importante pra mim.) talvez isso seja só coisa da sua cabeça. Não vê ontem!? Que melhor exemplo tu podes querer do que ontem? Ontem o chá foi com duas gotas de limão e hoje preferiu-se o leite. E se o limão tivesse sido escrito? O limão jamais deixaria de existir em tua memória uma vez que ele tivesse sido eternizado em letras. Ele não seria mais uma ideia, um pensamento, uma lembrança... Ele seria uma realidade. E as realidades te doem, minha querida. Te prendem. Aquelas duas gotas jamais poderiam ser transformadas em três ou em uma. Porque depois de escritas, elas ficariam condenadas a ser estritamente o que eram. E você não gosta de limites para as coisas, que eu bem sei... Mas gosta de limitar o que vive com palavras. O que você vive, minha querida, é bem mais complexo do que o que você escreve. Por isso que eu te peço: Espere a certeza. Não escreva, não ainda.

sábado, 24 de abril de 2010

Dona das verdades

A verdade é que eu esperava impaciente que algo ou alguma coisa ou alguém aparecesse por mágica e nos salvasse daquela situação que inventei. Que nos tirasse daquilo. Que salvasse a parte que sobrou inteira de mim e levasse pra outro lugar onde tudo fosse confortável. Não era justo comigo nem com ninguém continuar. Eu esperei um carro da cor do seu pra me consolar de que a gente não acabava ali, eu esperei um sorriso do tamanho do seu pra me acolher, eu esperei uma ligação de alguém como você antes de ir dormir, porque me sentir viva era imprescindível. Mas de repente não esperei mais nada, porque amanheceu e a direção da cena não era mais minha. Trocamos de turno. A cena era das minhas três personagens.
A verdade é que enquanto as pessoas dormiam, ou algumas festavam, trabalhavam, namoravam, estudavam e as outras continuavam dormindo, eu só conseguia pensar em escrever. Em escrever pra lhe mostrar o que eu era e o que eu queria ser depois que as tempestades, as chuvas, os furacões passassem pela minha vida. Pensava eu em escrever muitas páginas ou algumas linhas, em escrever que tudo, tudo o que eu mais admirava e que mais me surpreendia agora não fazia outra coisa que não me consumir. A verdade é que todos eles nos consomem. Consomem a nós, as personagens. E justifico. É como fragmentar a letra C em três. É como se sem as demais partes, uma só não fizesse mais o mesmo sentido. É como se uma tivesse nascido porque a outra foi frágil e não soube cumprir seu papel. Nós sabemos que tudo aquilo era verdade demais para ser esquecido. Os sorrisos de verdade, as ligações de verdade, a atenção de verdade. Minhas sapatilhas guardavam alguma verdade sobre o que sou, os brincos que coloquei antes de sair de casa eram verdadeiramente próprios de elogios e minha roupa era tão verdadeira quanto os brincos e sapatilhas, ou mais. Porque ambos me protegiam de uma análise mais minuciosa. Eram superficiais. A verdade é que eu queria tirar, com as mãos, tanto quanto fosse possível. Não os sorrisos, as ligações, as sapatilhas, as roupas. Queria tirar o que estava sendo levada a sentir, tudo que eu guardava para mim, tudo que eu queria esconder e não conseguia. Aí nós iríamos colocar o que fosse tirado em cima da mesa. Para comparar. Ponderar, avaliar, medir, escolher. E abstrair.

E então a vida voltaria a ficar como sempre foi. Eu voltaria a ser uma ao invés de três. Mas... A verdade é que depois da primeira verdade, todas as outras são inúteis. Nem algo, nem alguma coisa, nem ninguém me salvou daquilo. Porque não se pode fazer mágica. Então nós ainda somos três. Ou quatro. Ou seis. Ainda pensamos ser capazes de discernir as coisas. Pensamos em como é bonito e intrigante deixar as coisas como estão. E ainda acreditamos – todos – que exatamente porque os começos foram incrivelmente coerentes, os finais nunca farão sentido.

"Quero me encontrar, mas não sei onde estou. Vem comigo procurar algum lugar mais calmo. Longe dessa confusão, dessa gente que não se respeita. Tenho quase certeza que eu não sou daqui (...) Vai ver que é assim mesmo e vai ser assim pra sempre: Vai ficando complicado, e ao mesmo tempo diferente... Estou cansado de bater e ninguém abrir! Você me deixou sentindo tanto frio...

Não sei mais o que dizer! Te fiz comida, velei teu sono... Fui teu amigo, te levei comigo, e me diz: Pra mim o que é que ficou? Me deixa ver como viver é bom! Não é a vida como está, e sim as coisas como são (...) Então, a culpa é de quem? A culpa é de quem? Eu canto em português errado, acho que o imperfeito não participa do passado; Troco as pessoas... Troco os pronomes..."

Legião Urbana

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Sobre meus queridos amigos...

Não sei quando a vontade de usá-los surgiu, talvez tenha nascido comigo, talvez a biologia explique. Possivelmente, ainda, a vontade de usá-los tenha nascido junto com a vontade de ser quem escolhe por onde e como caminhará. A vontade de ser decidida, senhora de si, independente de apoio para seguir, lindamente, o meu roteiro pra qualquer lugar.
Há vários modelos deles. Formas. Cores. Mas todos exigem um equilíbrio que precisa ser gracioso. É quase um dom. Por serem um par, há necessidade de uma sincronia fina entre ambos. Nada muito fácil. Mas, - eu diria, me apropriando da sabedoria popular - que é algo semelhante a andar de bicicleta: Tendo aprendido como se faz, a gente não esquece. E, mesmo, nem poderia.
Eles concedem uma distância significativa do chão, e nem por isso elevam a cabeça ao mundo da lua. Usando-os, observa-se tudo de um outro ângulo, o que decididamente é algo positivo. Em companhia deles, raramente assumirei uma postura de submissa, de aquiescência ao que não me agrada, de Amélia, ou ainda mais precisamente: De alguém que passa despercebida. Podem haver tropeços, admito, o que em nada impede que eu me recomponha memoravelmente e siga com toda a postura com a qual, aliás, eles também me presenteiam. São mais do que uma arma de sedução. Mais do que um truque. São, enfim, o símbolo de muitas características que só as mulheres possuem.

Essa história é deles e é minha.
Somos nós, em estado de graça.
De completude.
De perfeita suficiência...
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"Uma cumplicidade muda, e tão secreta que,
penso, talvez você nunca tenha percebido."
Como bem diria o meu "querido Caio" sobre outras coisas.

Do outro lado da tarde

Limitarei a história a este conto, de Caio Fernando Abreu.
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"Sim, deve ter havido uma primeira vez, embora eu não lembre dela, assim como não lembro das outras vezes, também primeiras, logo depois dessa em que nos encontramos completamente despreparados para esse encontro. E digo despreparados porque sei que você não me esperava, da mesma forma como eu não esperava você. Certamente houve, porque tenho a vaga lembrança - e todas as lembranças são vagas, agora -, houve um tempo em que não nos conhecíamos, e esse tempo em que passávamos desconhecidos e insuspeitados um pelo outro, esse tempo sem você eu lembro. Depois, aquela primeira vez e logo após outras e mais outras, tudo nos conduzindo apenas para aquele momento.
Às vezes me espanto e me pergunto como pudemos a tal ponto mergulhar naquilo que estava acontecendo, sem a menor tentativa de resistência. Não porque aquilo fosse terrível, ou porque nos marcasse profundamente ou nos dilacerasse - e talvez tenha sido terrível, sim, é possível, talvez tenha nos marcado profundamente ou nos dilacerado - a verdade é que ainda hesito em dar um nome àquilo que ficou, depois de tudo. Porque alguma coisa ficou. E foi essa coisa que me levou há pouco até a janela onde percebi que chovia e, difusamente, através das gotas de chuva, fiquei vendo uma roda-gigante. Absurdamente. Uma roda-gigante. Porque não se vive mais em lugares onde existam rodas-gigantes. Porque também as rodas-gigantes talvez nem existam mais. Mas foram essas duas coisas - a chuva e a roda-gigante -, foram essas duas coisas que de repente fizeram com que algum mecanismo se desarticulasse dentro de mim para que eu não conseguisse ultrapassar aquele momento.
De repente, eu não consegui ir adiante. E precisava: sempre se precisa ir além de qualquer palavra ou de qualquer gesto. Mas de repente não havia depois: eu estava parado à beira da janela enquanto lembranças obscuras começavam a se desenrolar. Era dessas lembranças que eu queria te dizer. Tentei organizá-las, imaginando que construindo uma organização conseguisse, de certa forma, amenizar o que acontecia, e que eu não sabia se terminaria amargamente - tentei organizá-las para evitar o amargo, digamos assim. Então tentei dar uma ordem cronológica aos fatos: primeiro, quando e como nos conhecemos - logo a seguir, a maneira como esse conhecimento se desenrolou até chegar no ponto em que eu queria, e que era o fim, embora até hoje eu me pergunte se foi realmente um fim. Mas não consegui. Não era possível organizar aqueles fatos, assim como não era possível evitar por mais tempo uma onda que crescia, barrando todos os outros gestos e todos os outros pensamentos.
Durante todo o tempo em que pensei, sabia apenas que você vinha todas as tardes, antes. Era tão natural você vir que eu nem sequer esperava ou construía pequenas surpresas para te receber. Não construía nada - sabia o tempo todo disso -, assim como sabia que você vinha completamente em branco para qualquer palavra que fosse dita ou qualquer ato que fosse feito. E muitas vezes, nada era dito ou feito, e nós não nos frustrávamos porque não esperávamos mesmo, realmente, nada. Disso eu sabia o tempo todo.
E era sempre de tarde quando nos encontrávamos. Até aquela vez que fomos ao parque de diversões, e também disso eu lembro difusamente. O pensamento só começa a tornar-se claro quando subimos na roda-gigante: desde a infância que não andávamos de roda-gigante. Tanto tempo, suponho, que chegamos a comprar pipocas ou coisas assim. Éramos só nós depois na roda gigante. Você tinha medo: quando chegávamos lá em cima, você tinha um medo engraçado e subitamente agarrava meu braço como se eu não estivesse tão desamparado quanto você. Conversávamos pouco, ou não conversávamos nada - pelo menos antes disso nenhuma frase minha ou sua ficou: bastavam coisas assim como o seu medo ou o meu medo, o meu braço ou o seu braço. Coisas assim.
Foi então que, bem lá em cima, a roda-gigante parou. Havia uma porção de luzes que de repente se apagaram - e a roda-gigante parou. Ouvimos lá de baixo uma voz dizer que as luzes tinham apagado. Esperamos. Acho que comemos pipocas enquanto esperamos. Mas de repente começou a chover: lembro que seu cabelo ficou todo molhado, e as gotas escorriam pelo seu rosto exatamente como se você chorasse. Você jogou fora as pipocas e ficamos lá em cima: o seu cabelo molhado, a chuva fina, as luzes apagadas.
Não sei se chegamos a nos abraçar, mas sei que falamos. Não havia nada para fazer lá em cima, a não ser falar. E nós tínhamos tão pouca experiência disso que falamos e falamos durante muito e muito tempo, e entre inúmeras coisas sem importância você disse que me amava, ou eu disse que te amava - ou talvez os dois tivéssemos dito, da mesma forma como falamos da chuva e de outras coisas pequenas, bobas, insiginificantes. Porque nada modificaria os nossos roteiros. Talvez você tenha me chamado de fatalista, porque eu disse todas as coisas, assim como acredito que você tenha dito todas as coisas - ou pelo menos as que tínhamos no momento.
Depois de não sei quanto tempo, as luzes se acenderam, a roda-gigante concluiu a volta e um homem abriu um portãozinho de ferro para que saíssemos. Lembro tão bem, e é tão fácil lembrar: a mão do homem abrindo o portãozinho de ferro para que nós saíssemos. Depois eu vi o seu cabelo molhado, e ao mesmo tempo você viu o meu cabelo molhado, e ao mesmo tempo ainda dissemos um para o outro que precisávamos ter muito cuidado com cabelos molhados, e pensamos vagamente em secá-los, mas continuava a chover. Estávamos tão molhados que era absurdo pensar em sairmos da chuva. Às vezes, penso se não cheguei a estender uma das mãos para afastar o cabelo molhado da sua testa, mas depois acho que não cheguei a fazer nenhum movimento, embora talvez tenha pensado.
Não consigo ver mais que isso: essa é a lembrança. Além dela, nós conversamos durante muito tempo na chuva, até que ela parasse, e quando ela parou, você foi embora. Além disso, não consigo lembrar mais nada, embora tente desesperadamente acrescentar mais um detalhe, mas sei perfeitamente quando uma lembrança começa a deixar de ser uma lembrança para se tornar uma imaginação. Talvez se eu contasse a alguém acrescentasse ou valorizasse algum detalhe, assim como quem escreve uma história e procura ser interessante - seria bonito dizer, por exemplo, que eu sequei lentamente seus cabelos. Ou que as ruas e as árvores ficaram novas, lavadas depois da chuva. Mas não direi nada a ninguém. E quando penso, não consigo pensar construidamente, acho que ninguém consegue. Mas nada disso tem nenhuma importância, o que eu queria te dizer é que chegando na janela, há pouco, vi a chuva caindo e, atrás da chuva, difusamente, uma roda-gigante. E que então pensei numas tardes em que você sempre vinha, e numa tarde em especial, não sei quanto tempo faz, e que depois de pensar nessa tarde e nessa chuva e nessa roda-gigante, uma frase ficou rodando nítida e quase dura no meu pensamento. Qualquer coisa assim: depois daquela nossa conversa - depois daquela nossa conversa na chuva, você nunca mais me procurou".

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Quando um texto passa a ter três verdades...

Unhas roídas pela quinta vez em menos de uma semana. Por certo que não sei se era vontade de pintá-las de vermelho e acabar sendo igual à Carolina de “o que você queria fazer se ninguém pudesse te ver?”, ou se era só mais um atestado de fragilidade que as mãos estampariam nos próximos dias. Nem você nem eu seria, jamais, a solução dos nossos problemas, antes sim uma contravenção de toda regra. (Logo eu, que sei ser várias, mas vez por outra quero mesmo é ser nenhuma. Que não reconheço a natureza ou a essência de cada coisa ou de mim mesma). “Não quero beber o teu café pequeno, eu não quero isso, seja lá o que isso for”... Ou quero tanto que acabo em esquecer os limites. Seja assim, com efeito: Excessivamente adepto das suas próprias manias, trejeitos, sotaques. E me faça não reconhecer o que realmente quero.
É quando deixo a preocupação de lado que a sorte me vem completa, me elogiando porque quer, mas sempre tão contida. “Sinais do corpo eu sei ler, nas nossas conversas demoradas”... Ou não o sei, e apesar de querer tanto ser imparcial, uso o olhar inquieto como peso e a interpretação equivocada como medida. Sempre a meu favor.
Confundo, não nego, desconfundo quando puder...

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Do que são feitas as amenidades

Das minhas mãos
E das ternuras
E fantasias
De todo o resto que não compreendo
Do que fecha, do que abre
Do que encerra
Até do que não me permite
Um elo
E todo o mais
Que honestamente
Não sei dizer
Não sei conter...


*
*
*

Um C adverte:
Feriado pode ter gosto de poesia,
ainda que ela seja de quinta!

Porque há de se tomar para si certas coisas.

terça-feira, 13 de abril de 2010

O amor, sozinho, não basta.

Essa histórinha é mais ou menos o que há depois da minha ideia de felizes para sempre:
Todo sentimento duradouro tem prazo de validade. E não se assuste se eu disser que ele é curto. Pra durar, é necessário que seja constantemente renovado, é preciso que haja uma constante conquista, uma constante certeza, um perpétuo encantamento. Só não se esqueça que isso pode não acontecer. E quando o prazo acaba, o sentimento se esgota, o encantamento mofa?
Tudo pode se agravar se o prazo de validade foi previsto por alguns. Quando você se viu na obrigação de ser feliz pra sempre porque do contrário estaria cumprindo e fazendo valer aquela profecia a qual te incluíram. Vai reclamar pra quem, se foi escolha sua? Pra quem te alertou que era cedo, pra quem está em situação pior do que você ou pros amigos que você deixou de lado pra que o amor fosse vivido integralmente?
O prazer da intimidade pode não suprir os danos que ela causa. Os defeitos tão visíveis, as comparações. A necessidade de uma sentença imediata.
A perfeição, sozinha, não basta. Tanto menos o amor.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Pensando Clarice: "...depende de quando, e como você me vê passar."

Há semelhanças e diferenças entre o que sou e o que sou às vezes. Me ateria à coragem que o virtual me confere - se isso, na prática, não excetuasse minhas mudanças de comportamento diárias, quando submetida a dadas circunstâncias. No mundo virtual, minha vergonha na cara diminui, até mesmo porque no mundo virtual não tenho cara. Digo coisas que não diria pessoalmente. Ajo de acordo com o que meus impulsos me sugerem. Estranho isso, de mudar o que somos. No mundo virtual minhas mãos não suam. No virtual os paradigmas podem ser ignorados facilmente. Aliás, há paradigmas no virtual?
No virtual, escolhe-se mais facilmente demonstrar razão ou emoção a alguém. No mundo virtual somos cultos porque o Google existe, somos sempre bonitos porque o Photoshop existe e magoamos menos porque o Backspace existe pra ser usado antes do Enter. No virtual eu sou bem mais interessante do que no real, porque me basta ter um tantinho de inteligência e voilà: Sou o que desejo ser. No virtual as relações se constroem com uma rapidez incrível, contudo, ninguém sabe mesmo quem é quem. Ainda que a virtualidade me encha de virtudes - não há clique que substitua o que só o meu olhar diz, não há DEL que exclua o que há dentro do meu peito, não há TAB pra "pular" espaço de tempo. Eu prefiro a pele. O toque. A expressão. A incerteza. A imperfeição de meus traços, a sinceridade dos meus laços.
C-virtual é C-real com algo a mais. Ou, talvez, com muito a menos.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Eu preciso de um tempo...

E se você for convidado a enxergar o mundo de outra forma?
E se suas convicções forem testadas?
E se a certeza virar dúvida?
E se não existirem provas da sua culpa?
E se sua insensatez vestir capa de tristeza?
E se ignorar não for possível?
E se alguém te perguntar se há vida depois do felizes para sempre?

... pra pensar.

sábado, 3 de abril de 2010

Para que o momento não se perca

É como se aquele desenho que o carteiro trouxe - em um dezembro - guardasse minha reação alegre ao recebê-lo, como se o papel de chocolate carregasse consigo o doce do beijo que ganhei naquele momento, como se as pétalas de rosa, secas, ainda pudessem perfumar a casa inteira como no dia em que elas eram recém trazidas.
São detalhes semelhantes a fotografias. E apesar de não poder voltar no tempo, sinto presente quando os observo. Meus dias estão mesmo repletos de lembranças. São detalhes semelhantes a livros, que outrora vividos/lidos com muita voracidade, nos permitem sensações novas quando os relembramos/relemos com aquele quê de nostalgia.
Cartas, bilhetes, desenhos, papéis, embrulhos, roupas. São história. São o valor sentimental contido, que penso ser exatamente isso: O sentimento, intrínseco, em pequenos objetos que se transformam em marcos importantes só para dois.