domingo, 16 de abril de 2017

Eco [8]

Quando procurei a Laura pela primeira vez depois do término, eu receava que ela não fosse me responder. Foi apenas dois dias depois, numa terça, final de tarde. Havia tanta coisa mal resolvida em mim. A minha rotina havia mudado tanto em tão pouco tempo. E eu ainda tinha um carinho e uma esperança tão grandes.
Mandei mensagem perguntando a ela como foi o dia. É, pois é. Havia tanta, tanta, tanta coisa para ser dita, perguntada e ouvida, mas a única coisa que me saiu com naturalidade foi essa pergunta boba e trivial, para introduzir o assunto. Como quem ainda faz parte do cotidiano.
Veja bem! Dois dias antes, levei o resto do domingo para que a ficha caísse. Chorando e sem entender nada, como um bebê em cólicas (minto, minto, a ficha demorou muito mais que umas horas para cair, talvez ela não tenha caído direito até hoje ou caia um pouco mais e eu volto a ser esse bebê a cada vez que eu olho de relance o canto em que ela deixava os sapatos de salto assim que chegava do trabalho e eles não estão mais lá).
Na segunda-feira, depois de não ter rendido absolutamente nada no trabalho, tomei um porre homérico. No balcão de um bar no qual eu nunca havia entrado. Sem companhia. Pedi só que um amigo confiscasse meu celular até o dia seguinte, o que ele fez sem perguntas. Torci para que aquilo antecipasse a recuperação e me fizesse sentir menos, ou me desse uma nesga de consciência de como devia agir: ficar quieto, na minha, digerindo. Cheguei em casa três da manhã, sem saber como. Dormi bem naquela noite, ao contrário da anterior.
Na terça, eu estava um caco. O mesmo caco que continuou não rendendo nada no trabalho e nas interações humanas de modo geral, mas dessa vez com uma dor de cabeça e um remorso assombrosos. Eu precisava saber da Laura. Ver como é que tinha passado as últimas quarenta e oito horas a rainha da minha ruína. Eu não podia mais negligenciar aquela vontade profunda de discutir o término. Exclamar um pouco as interrogações. Berrar qualquer coisa em voz baixa, do coração para fora. Eu não podia mais perpetuar aquela atitude anti-natural de não interagir.

Foi então que mandei a mensagem.
Uma hora e trinta e sete minutos depois, ela respondeu. Não é que eu tenha cronometrado, até porque me ocupei tomando uns oito cafés nesse meio tempo, é só porque à noite, mais tarde, abri o aplicativo para reler tudo tantas vezes que acabei fazendo o cálculo e guardando a informação.
Ela respondeu. Fez um relatório em pormenores do que havia feito no dia até ali. Foi disparando minúcias dessas que a gente enfrenta todos os dias, sem esperar que eu respondesse. Que tinha saído a pé para o almoço e, quando voltou, o mundo desabou em água, ela sem guarda-chuva, aquela coisa toda. Que almoçou isso, fez aquilo, passou no banco, deixou roupa batendo, tinha ligado para o fulano para resolver tal situação. Contava tudo como num dia normal do nosso namoro, exceto pelo fato de que ela havia terminado comigo e eu não conseguia pensar em mais nada além de me concentrar em respirar e não morrer.
No final da sequência de mensagens, completou com um nada sutil "...e senti sua falta!".
Como assim sentiu minha falta, tá doida? Digitei mas não enviei. A minha cabeça fervia de alegria e confusão. E de raiva. E de ansiedade. E de ressaca. E da falta assustadora que eu sentia dela. Tudo muito misturado, mas quando vi a notificação, sorri.
Embora eu soubesse que um relacionamento não acaba indolor para alguém tão sensível, eu não esperava uma Laura tão receptiva e honesta. Que confessasse que também vinha tendo que se concentrar em respirar e não morrer. Eu esperava uma Laura linha-dura, como a de domingo. Sem chorar. Sem titubear. Eu esperava uma Laura que não me respondesse, ou me mandasse à merda, ou já tivesse até me bloqueado. Quem sabe isso facilitasse as coisas.
Ao contrário, descobri que ela também tinha tido uma espécie de ataque de pânico do primeiro para o segundo dia daquela semana, que tinha chorado horrores depois, e que não confessou porque não sabia como eu reagiria. Exatamente como eu, só que com o adicional gosto amargo de quem não pode dar o braço a torcer para não fazer o outro sofrer ainda mais. Ou para tentar não fazer.
Descobri que ela também estava confusa - infelizmente não o suficiente para voltarmos. Como será que as pessoas precisam estar se sentindo para permanecerem juntas? Mesmo passado o nosso carnaval, eu ainda me pergunto isso de vez em quando.

Naquele domingo, Laura pôs uma luz intensa no que havia de mais obscuro nos seus maus sentimentos em relação a mim. Minhas pupilas dilatadas não enxergaram nada direito. Em seu íntimo, a Laura via com nitidez coisas que eu não suspeitava sobre nós.
Naquela terça, Laura me deu a medida de quanto tempo aquilo foi remoído nas trevas de suas entranhas até se tornar tão definitivo. E então, subitamente, tudo me doía ainda mais. Saber que a Laura estava sentindo tudo tanto quanto eu - ou mais, ou há mais tempo -, apesar de ter terminado comigo, não me ajudava em nada. Não esclarecia nada. Era de uma dureza tão grande comigo. Conosco. Eu tenho certeza de que objetivamente chorávamos as mágoas mais fundas naquelas mensagens, embora tudo parecesse conforto.
Muitas terças mais tarde, depois de experimentar um sem-fim de conversas amenas ou viscerais, francas ou mal interpretadas, e de termos nos acalentado e ferido sempre mais, lembrei do óbvio sobre relacionamentos e seus finais: a Laura não poderia me ajudar a fechar as feridas que tinha me feito. O contato era nocivo. Suas mãos eram tóxicas. Seus abraços, mais ainda. Lê-la me fazia sangrar. Procurar seus vestígios virtuais me infeccionava todo.

A cada vez que eu procurei a Laura depois do término para contar a ela como me sentia e para ouvir como ela se sentia, eu mantive uma esperança incontrolável. Eu pedi e esperei satisfações. E receei a chegada do momento em que ela não me respondesse mais. Porque o silêncio significaria o temido novo amor, ou uma festa incrível, uma terapia bem sucedida, um esquecimento, a consumação dos meus presságios sobre o término. O silêncio significaria que ela decidiu que era melhor seguir do que olhar pra trás. O silêncio significaria a mais absoluta das desistências. Uma vontade de paz, como a que tivemos juntos. Sobretudo, significaria não haver mais nada que pudesse ser dito para remendar o nosso amor imediatamente, quer a gente ainda se amasse ou não.

Um dia o dia chegou. Não nos falamos mais. Eu não soube se a Laura ainda me amava ou não, quando se calou. Se fazia só por ela ou se fazia aquilo por nós dois. A partir de então, conjecturei muitos significados. O maior deles acabou sendo o de que os silêncios apaziguam os amores grandes demais para as palavras que sobram depois do fim.