sábado, 29 de dezembro de 2012

Sobre balas de morango e despedidas


Passeava entre as fileiras dos doces do mercado pra fazer as compras de natal quando encontrei uma marca de bala de morango. A promessa da embalagem era marcada por um estigma que, nessa vida, já serviu até para me caracterizar: Azedinha. Bala de morango azedinha. Era uma promessa e tanto e eu hesitei muito a me decidir por colocar o pacote no carrinho de compras.
Gostei da denominação porque, como tudo que é artificial, em regra as balas de morango não refletem a verdade da fruta. É comum que as balas de morango sejam doces. Gostei da denominação mas, ao mesmo tempo, aquela podia ser uma péssima surpresa.
E é curioso que eu a tenha encontrado - a bala de morango verdadeira, azedinha - apenas no último dos doze meses do ano, assim, em tom de retrospectiva. Cheia de todos os sabores predecessores. Foi quando, em poucos segundos mirando o pacote cheio de balas com embrulho vermelho, lembrei de tudo neste ano que me decepcionou e me encantou. De todas as apostas furadas, e das que deram certo.
Enfim. Escrevo essas palavras pondo na boca aquela que provavelmente será a última das quatro balas que separei para comer enquanto tomava coragem para escrever. Confesso que a honestidade (dos anos, que têm passado tão rápido, e também da vida) nem sempre é doce, e quase sempre nos mastiga.
Escrevo para aconselhar-lhes que encontrem, mesmo nas metáforas mais breves, alguma mensagem subliminar ou moral da história, mesmo que o autor seja fraco em mensagens subliminares, moral e histórias, como eu. Se não encontrarem, ainda vale o conselho mais óbvio: Comprem as balas de morango!

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Ignoro-te ou me devoras

Ignorando a existência do protagonista do filme Jesus Henry Christ, gênio das lembranças, está cientificamente comprovado que o ser humano não é capaz de lembrar-se de tudo que viveu. E se não está comprovado cientificamente, como suponho nas linhas anteriores, certo é que deveria estar. Isso porque não há espaço de armazenamento o suficiente para lembrarmo-nos de tudo, todo o tempo.
O prognóstico lógico, que faço sem nenhum embasamento senão o empírico, é o de que - com pouca memória e muito cotidiano pela frente - tudo se resume a uma questão simples: saber escolher o que ignorar. 
Assim, se durmo até dez e meia da manhã, como hoje, escolho ignorar a partida da semi-final do Mundial de Clubes. E ao fazer panqueca de brigadeiro para sobremesa, como hoje, escolho ignorar que terei de ir trabalhar sem secar o cabelo ou passar o batom vermelho que ando planejando há semanas. Pergunto ao senhor de meia idade que acaba de ficar em pé no ônibus, com um lugar vazio ao meu lado, se ele quer se sentar. É exatamente o momento em que escolho ignorar que ele pode simplesmente me dizer que passou o dia todo sentado, com a cara fechada e o humor cáustico.
O que escolhemos ignorar é que nos move, caracteriza, humaniza ou desumaniza e determina. Há pelo menos uma tonelada de exemplos a esse respeito. Se é que exemplo é coisa que se meça em tonelada... Mas que seja. Darei mais alguns exemplos fictícios e certamente serei entendida. 
É como decidir cortar metade da unha do dedão do pé porque está roxa e machucada. Você escolhe ignorar que passará o verão inteiro usando band-aids ou calçados fechados, em nome da expectativa de que as coisas melhorarão. É como decidir ter um déjà vu com o ex. Você escolhe ignorar que terá ciúmes como se o ex ainda fosse atual, e não terá um oitavo dos benefícios de um namoro. Nesse aspecto, aliás, você também decide ignorar que quererá matar qualquer vadia que se aproxime. Ainda que a vadia seja muito respeitável. Principalmente se a vadia for muito respeitável. Porque isso você também decidirá ignorar.
Eu posso dar outro exemplo, agora em terceira pessoa, pra você, leitor ou leitora, se colocar no lugar do meu eu-lírico e concordar comigo. Sabe aquela conhecida super desencanada e independente que se envolve com um cara inteligente, mas assustadoramente sacana e teatral? Pois é. Ela está escolhendo ignorar que em todos os espaços livres da agenda, ele estará com outras, talvez falando mal dela, inclusive, porque faz da cara o que quer.
Prossigo. É como decidir confiar em alguém muito rapidamente. Você decide ignorar que a pessoa pode estar simplesmente mantendo um jogo de conveniências em nome de outra amizade. E é como quase ir pra cama com um quase desconhecido. Você simplesmente decide ignorar que poderá se arrepender, mais de mês depois, ao cruzar uma rua qualquer, quando outra quase desconhecida investir a mais fina ironia camuflada de indiferença (ou o contrário!?) fazendo uma pergunta aleatória como quem não quer nada. É quando você, muito provavelmente, escolherá ignorar a ironia ou a indiferença, dependendo da forma que a identifique, em nome de ter ignorado toda a história para não ser devorada pela insanidade.
Em nome da coerência, admito publicamente que a ignorância não é assim tão terrível. Ao menos, não em todos os casos, já que podemos ignorar os humores maus, as ironias da vida, os bolos, as piadas sem graça e tudo o que nos faz mal, de modo geral. Facilita muito perceber que a ignorância do que não nos convém é voluntária. Se tenho vontade, posso ignorar as coisas ruins, na mesma medida em que, às vezes, ignoro as boas. Percebe agora o que eu digo? É realmente tudo, tudo, tudo uma questão de saber escolher o que ignorar.