quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Dias de montanha-russa

Por volta das 7:30h, talvez mais, talvez menos, fui acordada pelo meu pai, que avisaria sobre não almoçar em casa. Repetiu duas vezes para ficar acertada a informação e eu limitei a fazer um "uhum" preguiçoso, e não perguntei o motivo de sua ausência, dadas as circunstâncias. 30 minutos depois meu celular despertaria, irritante. Eu demoraria cerca de 15 minutos, os que seguiriam o alarme, para de fato fazer os primeiros movimentos no sentido de acordar, que consistiriam em ler uma mensagem de boa noite recebida no adormecer passado e respondê-la; e depois ajeitar os dois travesseiros contra a cabeceira da cama em qualquer posição entre o sentar e o "deitar-com-a-cabeça-na-vertical". Sem ideia de tempo, passei longos minutos formulando conspirações imediatistas para logo mais, com a certeza de que a ação não dependeria apenas da minha intenção, o que me intrigava. Conspirar pouco adiantaria, pois. Romantizei mentalmente um monólogo jusitificando a atitude, em vão, já que nem eu estava plenamente convencida, e por isto as chances de persuadir outrem se reduziriam para quase nulas. Enrolei os cabelos com a mão, em uma metodologia estranha que ensaiava um nó, exatamente do jeito que faço quando a situação me parece fora de controle. Alcancei o livro do Caco Barcellos na cabeceira, e percebi que o esmalte dos indicadores precisava de retoque. Devorei dezenas de páginas, tentando esquecer que o espaço da folha em branco entre um capítulo e outro bastaria para desviar a atenção muito além da história do traficante Juliano VP. A calça cor de rosa, de moletom, e a blusa vermelha estampada que serviram de pijama pareciam harmonizar perfeitamente com o ambiente tão conhecido, que se resumiria em alguns móveis rosa claro e objetos pessoais. Eram 10:30h quando abri as janelas do quarto para o ar de setembro invadir os pulmões e saudar o vizinho de chapéu de palha varrendo o quintal. Foi quando decidi que nenhuma história é monótona o suficiente para ser esquecida e que até o tédio e a indecisão, inofensivos, são matéria do que escrever.
*
Sentada no banco de madeira com acabamento em cimento, olharia para os carros estacionados longe do portão principal e sorriria, tímida, esperando o telefone nas mãos tocar. A chamada seria previsível como as outras, movida pela mesma intenção e eventualmente pelos mesmos gracejos e codinomes. O destino próximo, conhecido há poucas semanas, pareceria aguardar silenciosamente pela visita que intuia ser breve, breve como as costumeiras perguntas de como foi a semana e breve como a inusitada e descabida explicação: - Cinco minutos para a doçura, Cinco pra você me ouvir. - Diria. Despreparado e sem respostas prontas, como ela previra, ele faria alguma gracinha para amenizar o clima tenso. Eram semanas na iminência de que aquilo ocorresse. Pediu calma e usou, como de hábito, de pequenas doses de zombaria e risos que a subestimavam para garantir que fora apenas mais um surto e de que passaria em instantes, como os outros. Segura, ela o alertaria para o fato de que dois dos seus minutos preciosos, capazes ou não de convencê-la, já haviam transcorrido. O que faria - em tese - com que ele acreditasse na franqueza da conversa de alguém tão irredutível. Os três minutos seguintes são de fato como um espaço em branco, possivelmente surpreendentes, possivelmente enfadonhos. De qualquer forma, a segunda parte do plano estava muito clara, onde declararia a decisão da manhã anterior e esperaria a reação dele, da qual fosse derivar a explicação detalhada e teatral de suas causas, ou a pura simplicidade da despedida ensaiada. - Sentirei sua falta. - Pronunciaria, com um sorriso satisfeito e soberano de quem tem absoluta certeza da recíproca ser verdadeira. Calado e atônito, ele a observaria afastar-se sem olhar pra trás e lamentaria, a cada segundo de carência daquele instante e calmaria dos meses seguintes, por não ter pago qualquer preço que uma montanha-russa humana - tão inconstante - fosse capaz de exigir para permanecer em sua vida.

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