sábado, 22 de outubro de 2022

Tempo de podar

Vivo para ser amada. Por mais que eu diga que não, cada relação que estabeleço na vida é um plantio e um cultivo de onde espero colher amor. E respeito. E a vantagem de crescer junto. Da família ao casamento, do trabalho a sorrir para a moça do caixa da cafeteria: quero desesperadamente ser amada por cada um e tenho dificuldade em aceitar o contrário. Talvez a Claudinha da infância busque mesmo companhia pra brincar ou subir em árvore. Ou talvez ela só saiba que merece o amor que é capaz de entregar aos outros. Por isso talvez me custe tanto sobreviver em tempos como estes, nos quais é necessário lembrar que nem todo mundo é feito de temperança, bom humor e civilidade. Nos quais é necessário podar. Amizades, amores, colegas e até família. Para diminuir a sombra, para poder enxergar o sol. Podar. Tirar as folhas secas, os galhos que cresceram na direção extrema e errada, aquela cochonilha branca mofada e infeliz que não se combate nem com água e nem com seca. Estabelecer limites. Permitir que o que é bom tenha espaço para respirar e alcançar a luz. Sem se encolher por trás da sombra do que é mau. Podar. Não arrancar pela raiz, para que morram ou desapareçam na minha vida, mas justamente o contrário: podar para que haja uma mínima chance de que sobrevivam depois, com a saúde das relações que duram porque se respeita o tempo de brotar de novo, vindo de outro lugar que não o que secou ou apodreceu e agora merece ser podado.
Sou cheia de amigos e amores. Mas solo nenhum sobrevive ao excesso de ervas daninhas. Muito menos à ignorância e à estupidez. Tenho podado muito, e queria poder dizer que é quase sem notar. Mas eu noto. Às vezes dói um pouco. Às vezes me sinto culpada. Desculpe, amiga de infância, não quero ser complacente com a sua hostilidade, nem sei fingir que não conheço a sua história. Desculpe, doutor, o cabresto comigo nunca vai funcionar. Desculpe, incompetente, não vai dar pra te ver me chamar de burra e fingir que não vi. Desculpe, fundamentalista, eu cresci e ainda estou pensante. E agora estou te podando, para não adoecer por completo. Que a sua incapacidade de ser vida um dia renasça como adubo. Porque quero ao lado hoje só o que floresce - não para ser medo, mas para ser amor.