segunda-feira, 25 de novembro de 2013

O melhor de mim

Ônibus é matéria infinda do que escrever. Já falei, mas preciso repetir.
Sento sempre do meio do ônibus pra trás. Quando estou lírica, como hoje, prefiro um banco perto de uma janela que abre, pro vento bagunçar o cabelo e organizar as ideias. Acontece muita coisa num ônibus. Tem sempre muita gente diferente num ônibus. Preciso falar assim pausado pra processar bem todas as informações que me ocorrem.
Hoje uma velha me tirou do sério. Sou muito doce com idosos. Se eu digo velha, não é assim que eu chamaria uma avó ou qualquer idosa que fizesse valer a minha cordialidade e merecesse todo o meu apreço. Se eu digo velha, não é, tampouco, porque não a respeito, é só porque não são usuais os termos "idosa caduca" ou "idosa coroca". Eu digo velha porque a velha embarcou reclamando do atraso, bastante rabugenta, e veio o corredor inteiro torcendo o nariz de amargura. Não tinha banco duplo vazio, ela precisaria sentar com alguém e aquilo, como a vida, de modo geral, azedava-lhe infinitamente. Aquela velha devia amar muito a própria solidão.
Mas o caso nem é esse. Meu umbigo acharia ela só mais uma idosa que endureceu ao envelhecer, se o que aconteceu não tivesse acontecido: A velha me desprezou. Parou no corredor, do meu lado, por uns vinte segundos, olhou no fundo dos meus olhos, recebeu um sorriso, torceu o nariz e ficou procurando outro banco, bem no fundo do ônibus, em que pudesse se sentar. Em algum lugar que não fosse comigo. Rejeitar parceiros de banco de ônibus é recorrente, quando se pode escolher, mas a mim isso acontece sempre de maneira aleatória e certeira, não com a crueldade daquela velha. Não depois de olhar fixo por tanto tempo.
A velha sentou atrás de mim e desandou a falar alemão com a moça que lhe acompanhava como se eu não fosse entender. Eu de fato não entendi, uma vez que não falo alemão, mas a situação toda foi suficiente pra eu ter certeza de que reclamava da minha jovialidade, dos meus cabelos escorridos sobre os ombros, da minha frivolidade imaginada, talvez do castanho escuro dos meus olhos. Velhas como aquela fingem não se importar com o mar de possibilidades que se encerra na juventude, mas na verdade o detestam.
Incrédula, não olhei pra trás. Não vi quem foi o infeliz que tomou a companhia da velha como se fosse melhor que eu. Não quero a mágoa amarga de ter sido preterida, porque talvez seja exatamente essa mágoa que me tornaria igual aquela senhora. O que a velha não sabe é que ser rejeitada por quem vale pouco faz valorizar quem vale muito. E que amanhã, pra vingá-la como se deve, dou a quem sentar comigo o maior sorriso, a mais sincera atenção... O melhor de mim.

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