domingo, 3 de novembro de 2013

Feromônica

Fui mais feliz quando não sufoquei, quando lancei mão do instinto possessivo e deixei que o pronome fosse ao meu lado se quisesse, inteiro e próprio, sem amarras. Fui mais feliz quando não fui assombrada pela possibilidade da perda, já que não se perde o que nunca se teve, e eu desejaria que nunca me tivessem tido de verdade. Fui mais feliz quando ignorei as grades de um sentimento, de um relacionamento, de um pensamento. Quando fui toda minha, quando estive livre para ir e vir, tanto, que já não cobrava as vindas dos outros. Quando as vindas me vinham, vinham vidas inteiras, em breves frações todas minhas. Fui mais feliz quando lembrei para sempre das cenas do filme mesmo sem guardar os bilhetes do cinema. Sem esperar que eles subvertessem na história que eu contaria aos netos e ao mesmo tempo convertendo-os na história de desapego que eu desejaria que lessem em mim. Fui mais feliz quando dei importância às coisas certas sem ignorar as coisas que tinham importância por sua própria natureza.
Fui mais feliz quando o amor nascia do que quando durava, do jeito que durava. A paixão sempre comportou melhor minha concepção de efemeridade diante da vida, a paixão sempre correspondeu melhor às expectativas que aprendi a não ter para surpreender o outro, para ser imprevisível como sempre desejei que fossem para mim. Fui mais feliz quando a corda firme que segurava leve era extensão dos meus braços, quando depois dela havia um partner habilidoso que girava só, girava ao meu redor, enrolava-se todo por desejar estar perto e desvencilhava-se com facilidade sem ferir minhas mãos. Tinha consciência da possibilidade de sua partida e soltava a corda sempre que precisasse, sempre que o braço doesse, sempre que não aguentasse a hipótese remota de prendê-lo e consequentemente de estar presa, engessada no nó de um passo de dança desajeitado. Eu queria era ser o exercício constante, a ginástica artística, festival de sucessivos movimentos graciosos, ciranda dos meus excessos.
Fui mais feliz quando minha felicidade esteve além da ideologia fixa, quer do amor tradicional, quer do amor moderninho. Porque fui feliz quando admirei um Cazuza exagerado e jogado aos pés de quem quer que seja e quando me identifiquei com uma Simone de muitos corações. Mas principalmente quando transitei no limiar, quando não precisei conceder ou pedir alvarás de soltura porque estar solta era uma questão de perspectiva, a perspectiva que eu mesma sempre me concederia. E que também queria que os outros concedessem a si mesmos. Já fui feliz porque tive reconciliações depois dos ciúmes que sempre foram desnecessários, e já fui feliz porque não sofri com o desejo da reciprocidade de uma fidelidade irrestrita em que não se pode olhar para os lados. Fui feliz porque confiei que meu jeito, torto como fosse, encantaria. Porque confiei que minha personalidade, em permanente construção como fosse, atrairia. Fui mais feliz quando me acreditei feromônica. Encaminhando-me a todo tempo para aprendizados que me acompanhassem. Para ideias que me permitissem, para pessoas que se permitissem. E que só voltassem para transbordar a completude que minha própria companhia trazia para mim. Fui mais feliz quando não estar presa me pareceu afrodisíaco.
Conjugo no passado uma felicidade que me parece futura, que nasce do desprendimento, do encanto transcendental, da identificação, da leveza, da atração e sobretudo da liberdade.

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