segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Policlichê

Não é o poliamor como eu o concebo, eu saberia se fosse. Esse é apenas mais um policlichê. E sua pretensa alternatividade subterfugia a carência desmedida e agressiva que sentimos todos. À margem, alguns de nós viram estas carências-arestas para dentro, e suportam. As arestas de vocês, policlichês, são ofendículos. Falo assim, a toda uma categoria, pois sou erudita no tema do quanto o caos desorganizado pode ser ofensivo e um tanto ridículo.
Nessa brincadeira passam todos, politicamente incorretos, à conclusão de que o amor é livre e não faz cobranças. À conclusão de que finalmente haverá em amores multifacetados contemporâneos a subserviência de não interferirem e não impossibilitarem um ao outro. À dedução ilógica de que o amor se prestará às conveniências, invirtudes e desverdades. À falha cognitiva de pensar que o amor, por ser plural, aceitaria menos que o máximo. Esquecendo-se de que ele é amor antes de tudo, e poli só lhe prefixa por um lapso subversivo, um desvio ortográfico.
Aceno a cabeça incrédula com a ignorância na interpretação. É claro que o amor é livre, mas o clichê não. Tsc tsc, na-na-ni-na-não. O clichê aprisiona, é cotidiano puro, escorre líquido, medo exponenciado, ojeriza densa, banho que não purifica. O clichê se aquece com o cobertor surrado enquanto a possibilidade de qualquer amor entra em hipotermia. O clichê não merece nem o mínimo, mas se contenta com ele. O clichê é limitado, vai até o momento em que o estalo acorda o sonâmbulo.
Estalo os dedos, aponto o indicador, com um sorriso contrafeito sentencio cínica: - Policlichê, doçura, só poliama quem está acordado. Mas ele retorna ao sono, pseudotranse, dormir de pé e seguir rumos aleatórios parece sua especialidade. O coletivo múltiplo do clichê é detentor da fórmula que faz as coisas darem errado, é a surda e prostituta prova de que o cano sempre esteve rachado, testemunha de que o único conserto possível é inutilizá-lo.
Senta aqui. Ouve bem. Travestir a canalhice em colorido hedonismo é piada laranja, vermelha e verde. Não é poliamor. Estamos hepaticamente verdes, mesmo curados, porque a culpa não amadurece o policlichê, tampouco o digere, apenas o romantiza. Amadurecer seria incumbência do amor que, quase sempre, não aceita fazer a trajetória mais curta, a trajetória da rotina. O poliamor bem direcionado é a exceção. O atalho tomado mata-o antes mesmo de nascer.
Teria mais tempo de ser fantástica se não tivesse motivos tão claros para me perder. Se eu não estivesse agora, nesse exato instante, em apressada fuga. De um policlichê.

Um comentário:

Daila disse...

Um beijo de batom vermelho, pra marcar mesmo.