quinta-feira, 29 de abril de 2010

O nome do meu bicho

- Mas não é só você que tem histórias curiosas com bichos. Deixa eu te contar a minha:
Lá pelas tantas um bicho resolveu se amigar comigo. Eu era criança, acho que ele também. Veio manso. Rolava, sentava, fazia graça. Eu chegava a abominar tanta adulação. Mas estranhava quando todos diziam que ele não era muito boa companhia, porque apesar da atenção excessiva que ele precisava, era bom tê-lo por perto. Convidei pra morarmos juntos. Chamava-lhe pelo diminutivo. Ele me fazia bem. Eu o havia domesticado com tanta maestria que ele acabava por me ajudar a tomar decisões. Funcionava assim: Quando eu estava em dúvida entre duas coisas, solicitava-o. Se ele rosnasse, era sinal de que eu não tinha razão no que estava fazendo. Se ele consentisse, assentia com a cabeça, se aquietava ou me convidava para passear. Rosnava pouco, mas estava sempre lá. Ele gostava de brincar, por isso acho que nessa época era criança como eu. Às vezes brincava de esconder comigo, e eu simplesmente adorava. Vez ou outra até me cansava de procurá-lo. Ele se escondia tão bem que parecia não estar em lugar nenhum... E se no esconder ele era bom, no pegar melhor ainda! Se eu corresse, me pegava. Mais tarde fui saber que se eu ficasse, ele me comia.
Um belo dia, ele começou a ladrar quando estranhos se aproximavam de mim. Se enroscava nas pernas dos meus novos amigos até eu não saber o que era amigo e o que era bicho. Diagnostiquei nele a adolescência. Intempestivo, indigesto, inconveniente. Um bicho pra chamar no aumentativo. Me queria só para ele. Queria ser visto e ouvido. Quando eu pedia para que ficasse calado, me retrucava. Resolvi me afastar. Ou melhor, resolvi o afastar de mim. Eu não tinha mais paciência para domar tamanha falta de educação. Levei o bicho até a floresta mais próxima, e pedi para que se contentasse em eu não matá-lo de vez. Iria abandoná-lo ali. O bicho fingiu que não ouviu, e saiu andando vagaroso. Acho que percebeu a minha voz falhando, denunciando que eu não tinha coragem, muito menos armas capazes de lhe causar algum dano.
O tempo passou. É claro que ele não se acostumou a viver na floresta, como eu não me acostumei com a ausência do tempo onde éramos crianças e ele ser manso era, por si só, motivo de uma união benéfica entre nós. Minha relação com o bicho, hoje em dia, é de atrito. O que não impede, porém, que ele me visite de vez em quando. Ora de cara limpa, ora disfarçado durante a noite. Sinto saudade do tempo em que éramos grandes amigos. Alimentei o bicho por todos aqueles anos. Algumas vezes com mais comida, outras com menos. E isso foi fundamental para sua independência. Dei a ele minha atenção, meu respeito, minha consideração. Podia tê-lo chamado Bolinha, Rex, Totó, Ton Ton, Didi, Penélope. Mas na pressa de escolher um nome, me precipitei e batizei-o Medo. E essa deve ter sido a causa mortis da nossa amizade.

Um comentário:

Anônimo disse...

nem todos os bichos nos alimentam com as mesmas razões...!