sábado, 24 de abril de 2010

Dona das verdades

A verdade é que eu esperava impaciente que algo ou alguma coisa ou alguém aparecesse por mágica e nos salvasse daquela situação que inventei. Que nos tirasse daquilo. Que salvasse a parte que sobrou inteira de mim e levasse pra outro lugar onde tudo fosse confortável. Não era justo comigo nem com ninguém continuar. Eu esperei um carro da cor do seu pra me consolar de que a gente não acabava ali, eu esperei um sorriso do tamanho do seu pra me acolher, eu esperei uma ligação de alguém como você antes de ir dormir, porque me sentir viva era imprescindível. Mas de repente não esperei mais nada, porque amanheceu e a direção da cena não era mais minha. Trocamos de turno. A cena era das minhas três personagens.
A verdade é que enquanto as pessoas dormiam, ou algumas festavam, trabalhavam, namoravam, estudavam e as outras continuavam dormindo, eu só conseguia pensar em escrever. Em escrever pra lhe mostrar o que eu era e o que eu queria ser depois que as tempestades, as chuvas, os furacões passassem pela minha vida. Pensava eu em escrever muitas páginas ou algumas linhas, em escrever que tudo, tudo o que eu mais admirava e que mais me surpreendia agora não fazia outra coisa que não me consumir. A verdade é que todos eles nos consomem. Consomem a nós, as personagens. E justifico. É como fragmentar a letra C em três. É como se sem as demais partes, uma só não fizesse mais o mesmo sentido. É como se uma tivesse nascido porque a outra foi frágil e não soube cumprir seu papel. Nós sabemos que tudo aquilo era verdade demais para ser esquecido. Os sorrisos de verdade, as ligações de verdade, a atenção de verdade. Minhas sapatilhas guardavam alguma verdade sobre o que sou, os brincos que coloquei antes de sair de casa eram verdadeiramente próprios de elogios e minha roupa era tão verdadeira quanto os brincos e sapatilhas, ou mais. Porque ambos me protegiam de uma análise mais minuciosa. Eram superficiais. A verdade é que eu queria tirar, com as mãos, tanto quanto fosse possível. Não os sorrisos, as ligações, as sapatilhas, as roupas. Queria tirar o que estava sendo levada a sentir, tudo que eu guardava para mim, tudo que eu queria esconder e não conseguia. Aí nós iríamos colocar o que fosse tirado em cima da mesa. Para comparar. Ponderar, avaliar, medir, escolher. E abstrair.

E então a vida voltaria a ficar como sempre foi. Eu voltaria a ser uma ao invés de três. Mas... A verdade é que depois da primeira verdade, todas as outras são inúteis. Nem algo, nem alguma coisa, nem ninguém me salvou daquilo. Porque não se pode fazer mágica. Então nós ainda somos três. Ou quatro. Ou seis. Ainda pensamos ser capazes de discernir as coisas. Pensamos em como é bonito e intrigante deixar as coisas como estão. E ainda acreditamos – todos – que exatamente porque os começos foram incrivelmente coerentes, os finais nunca farão sentido.

"Quero me encontrar, mas não sei onde estou. Vem comigo procurar algum lugar mais calmo. Longe dessa confusão, dessa gente que não se respeita. Tenho quase certeza que eu não sou daqui (...) Vai ver que é assim mesmo e vai ser assim pra sempre: Vai ficando complicado, e ao mesmo tempo diferente... Estou cansado de bater e ninguém abrir! Você me deixou sentindo tanto frio...

Não sei mais o que dizer! Te fiz comida, velei teu sono... Fui teu amigo, te levei comigo, e me diz: Pra mim o que é que ficou? Me deixa ver como viver é bom! Não é a vida como está, e sim as coisas como são (...) Então, a culpa é de quem? A culpa é de quem? Eu canto em português errado, acho que o imperfeito não participa do passado; Troco as pessoas... Troco os pronomes..."

Legião Urbana

Um comentário:

Anônimo disse...

...o que se inventa juntos, certamente não se esquece sozinho - verdade singela, sem donos.