segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Tramear


Estendo a mão e toco. A última falange de um dedo, os outros, as outras, o dorso, a palma, os movimentos suaves. O toque é um mergulho e aproveito a lentidão do sono para também me esquecer de respirar. Eu tão invasiva e tão aberta e terna, encho os pulmões, estendo a mão e toco. Um toque de camaleoa, para decorar a cor. Elogiá-la em silêncio. Para confirmar a mesma temperatura: a pele quente como o primeiro raio de sol da manhã. Para tramear os cabelos e imitar o cheiro... Para despir um sonho bom.
O toque se avizinha e me adivinha. Sim, o habitat me convida. É em segundos como este que planejo cuidadosamente os discursos e ensaio um tom de surpresa para quando forem repetidos. Eu quero me confundir sempre ali, mas não confesso verbalmente e nem preciso. As referências que o digam por mim.
Permito e aceito e desejo que os meus frontes de guerra sejam transpostos de um jeito arrasadoramente doce. Incansavelmente adorável. Desarmo as defesas e deixo o desvario ir se acomodando, penetrado no meu tom de independência e liberdade, que já nem faz mais sentido, já que, ao que parece, agora a vida depende daquele gesto. Constante, certeiro e retilíneo. Se eu não tocar, não serei eu, tão uniforme, sendo invadida. Não serei eu.
Quando dei para admitir, um impulso incontrolável e difuso já tinha se listrado em mim. Foi como ser feliz de novo.

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