quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Epitáfio de indigente

"Gosto de você" é quase inexpressivo. A gente gosta de comida, de filme, de cor, não de gente. "Dependo de você", por outro lado, nem consigo pronunciar, tendo ainda casa materna, comida na mesa, conta bancária de quatro dígitos e vivendo no século XXI. "Venero você" esbarra no meu feminismo. Lá sou eu mulher de venerar alguém? Falta-me o senso hierárquico, o temor reverencial para com a autoridade do outro. "Adoro você" tem uma direção: a santidade. Deus que me livre de querer beatificar um relacionamento, qualquer que seja ele. "Simpatizo com você"? Casimiro que me perdoe, mas também não dá conta.
Atravesso essa dificuldade com paixões arrebatadoras: tudo parece tão insuficiente para expressar. E "amo você" - representação máxima do que é sentir muito, para uma pessoa que não se detém na reflexão - pressupõe um peso. Há tudo que já foi escrito lido dito cantado dirigido interpretado antes sobre o amor. E a referência filial, certeira desde que nascemos. E todas as vezes que eu mesma já disse e escrevi amar antes. Em absoluto, nenhuma nunca se confunde.
O que eu sinto é então um epitáfio de indigente. Que diz muito, sem palavra alguma. Careço de habilidade para redigir os rótulos. Todas as vezes em que fica difícil me despedir por falta de predicado para o que está sendo para mim é porque estou, ao lado do outro, inquietantemente em minha própria companhia.
Confundi-lo comigo é o melhor elogio que nos posso fazer. 

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