segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Inconfissões

Gargalho jogando a cabeça pra trás, como a vó Cecília, e acho uma delícia. Não gosto de usar ponto de exclamação quando a frase termina com as letras I ou L. Nunca assisti a um filme completo da trilogia Star Wars, porque sinto sono. Sou hipocondríaca, embora deteste tomar remédios. Quando pinto as unhas de cores que não as quentes, parece-me que estão sempre mal feitas. No dia seguinte ao de uma noitada de salto alto, o pé calejado é um troféu contra o piso gelado. Adio conversas ao telefone enquanto tenho outras tarefas possíveis. Quando eu durmo de bruços, quase sempre ergo as pernas do joelho pra baixo. Invariavelmente, eu ronco. Meu cabelo cai mais do que é normal. Contabilizo derrotas na esperança de me tornar invencível. Prefiro me render e gostar de personagens egocêntricos do que detestá-los porque me enxergo neles. Também por isso adoro os vilões. Conservo um tom de empáfia todo especial pra quando me sinto ameaçada ou pra revidar quando ralham comigo sem necessidade. Às vezes, ensaio diálogos em frente ao espelho mesmo sabendo que o interlocutor não vai seguir o roteiro. E, finalmente, tenho um estilo de vida onde todas essas assertivas estão contidas.
Há muitas coisas sobre mim que, por um motivo ou por outro, não confesso pra início de conversa, em entrevistas de emprego ou na fila do banco. Não porque as rejeito segundo os padrões éticos, nem porque não me orgulho delas, mas porque não quero ser desmascarada com idiossincrasias tão banais e inexplicáveis, até mesmo pra mim. Só quando alguém percebe é que vem o confronto: eu sou! Estou sendo idiossincraticamente banal. A gargalhada da vó Cecília, a paranoia com a pontuação, o ronco.
Sem me esforçar ainda sinto o cheiro, de encrenca, e reprovo o gosto. Sem muito esforço, percebo que nada será como antes e ainda não sei se realmente comemoro ou lamento a máxima. A peculiaridade do outro soca na cara de quem chega, produto de tudo que ele é e viveu, e sob pena de ser injusto a gente precisa olhar, quando menos espera, pro próprio rabo em vez de apontar o dedo. Pro quanto a nossa singularidade nos é cara, ainda que ela confronte ou agrida a do outro. Precisa refletir quão elásticas não devem ou devem ser as concessões pra possibilitar a convivência.
No cinema, protagonista esbarra em alguém e aquele momento sutil de depois que os primeiros livros foram recolhidos do chão determina o felizes para sempre. Na vida real, a gente se depara com uma porção de inconfissões, depois do primeiro capítulo. Todas fazem parte de um todo que podemos tranquilamente desgostar e largar, porque não nos é cópia fiel. Ou usar de antítese.

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