terça-feira, 8 de outubro de 2013

Tatuagem

A mulher assinava a folha de papel com a mão esquerda, descuidada. Nenhuma aliança, apenas um nome indigesto com caligrafia grosseira. Um nome sobre a mão, tatuagem difícil de disfarçar e de se desfazer. Incrédula, eu me perguntava quantas coisas Mayckon já havia ajudado e impedido aquela mulher de executar.
Quanta assinatura, comida, peça costurada, quanta cama desarrumada, portas fechadas com violência, cigarros fumados, escovações de dentes e cabelos Mayckon presenciou mesmo que sua figura não estivesse materializada ao lado daquela mulher, inibindo-a ou concedendo-lhe força preênsil. Não estando ao lado dela, ele ainda assim, imagino, conduzia-a pela mão.
O que leva alguém a tatuar um nome, se é que aquele era o nome de um amante? Que traço da personalidade dele o eternizou naquela mulher? Não imagino um Mayckon fino no trato, não imagino um Mayckon parecido com ela. Invento um Mayckon exigente. Eu o traduzo pelas poucas letras grafadas com desleixo, naquela tatuagem mal feita mas indiscutivelmente feita. Mayckon passou a representar, na minha nada generosa representação, o estigma do amor bandido, dificultoso, guiado pela aproximação carnal e uma subordinação(?) tão silenciosa que se converte em agradavelmente silenciosa, apesar de gritante.
Sei disso tudo só de olhar aquela mulher assinar o próprio nome. Ali, sem aliança, sem o sobrenome dele, parecendo tão independente. Sei disso por todos os meus próprios conceitos antecipados. Sei disso porque sei que depois de um pecado original que fica, todos os outros parecerão um tanto falsificados, derivados, sem autenticidade, fáceis de se desfazer. 
Depois de um tempo, acredito, deixou de ser uma questão de destatuar Mayckon. Suas marcas eram indeléveis. Sei disso porque já tatuei em mim alguém, mesmo sem tinta, porque já identifiquei um mestre hors concours dos meus desejos, diante do qual todas as comparações são desnecessárias, quase obsoletas. Não porque o Mayckon da minha vida fosse o melhor homem do mundo, mas porque me tatuei de motivos para dizer sim a ele.
Aquela tatuagem demonstrava o desprendimento que seria necessário a todos os homens que pretendessem amar aquela mulher depois de Mayckon, depois de uma ruptura, depois de todas as marcas que ele deixou nas mãos, nos padrões, na bagagem emocional e intensa daquela mulher. Por tudo em que Mayckon foi impecável e por tudo em que deixou a desejar... Seria necessário a outro homem muito discernimento, segurança, muitas virtudes e consciência da capacidade de superá-lo.
Uma mulher que já foi muito amada, ou já amou muito, como aquela, não se contenta com marcas menores ou mais fracas do que a que Mayckon deixou, para o bem ou para o mal. Sei disso quando sinto a mão teleguiada para falar de amor e pensar em prazer. Sei disso porque depois de experimentar um pecado capital muitos outros se tornaram para mim interioranos, distritais, suburbanos. Muito mais do que uma tatuagem na mão possa parecer.

Um comentário:

Anônimo disse...

E são esses "pecados capitais" que magoam muitos, muitos que muitas vezes nem fazem parte da sua vida, mas te marcam como uma tatuagem ruim pro resto da vida!