sábado, 14 de agosto de 2010

Metamorfose

Mesmo com cara de nome próprio exclusivamente feminino, todos foram ou serão Sônia um dia. Mas prefiro falar só de minha Sônia. Um egoísmo justificado: Corro risco menor de errar falando de algo sobre outro algo com que convivo de perto do que sobre os algos dos outros. Sônia é quando todos adormecem, menos você. A cidadezinha inteira se apaga, menos você. Sônia é ausência de bocejos. Não se contenta com o travesseiro, sempre alto ou baixo demais. Reclama. Mesmo no escuro, Sônia vira para um lado e vê a parede branca, rola para outro e consegue saber onde está cada móvel, cada objeto. Para cima Sônia já se cansou de olhar porque conhece cada falha imperceptível, que só vai atingir a estrutura do teto daqui pelo menos dez anos. Sônia gosta muito de relógios, mas em noites de Sônia o tempo passa com uma lerdeza que é, digamos, o dobro da lerdeza habitual dos ponteiros. Reconhece os latidos dos cães de cada vizinho e sabe com precisão quando uma das poucas motos ou dos poucos carros passa pela rua principal, e passa de um a dois deles a cada meia hora nas madrugadas médias, porque já fez as contas. Sônia é tudo no que se pensa ou não se pensa em horas de vazio noturno. Sônia é o tédio que as insônias me causam.
Já disse, no início, que todos foram ou serão Sônia um dia, mas não se assuste, não. Às 5:15 o primeiro galo canta, às 6, com sorte, a cidade começa a amanhecer e as chaleiras dos mais apressados, fervendo água para o café da manhã, são como megafones informando que é chegada a hora de Sônia partir, porque não faz mais sentido. O próximo dia dissipando a última noite parece fazer com Sônia exatamente o que faz com as estrelas... Toma-lhe o status, a importância, o fundamento. É hora de levantar e se camuflar em meio a quem nem sonha que alguém foi Sônia, a quem não tem noção dessa metamorfose que ocorre vez em quando. Quem já se transformou num insone, Sônia ou não, não se esquece... E pra ser franca eu até lhe sou grata por pôr os pensamentos em ordem enquanto eu estive sabe-se lá aonde. Até mais, minha cara...

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