quinta-feira, 18 de abril de 2019

Efeitos colaterais

Amanhã de manhã bem cedo tua boca vai prender o filtro branco entre os lábios. A barba feita contornando o rosto, impregnada de toda a ansiedade do dia anterior. Cê vai me perder porque nem sabe o quanto pode me ganhar. Cê não vai abrir a guarda. Eu não vou confessar. Não era esse o jogo? Vou surtar sozinha. Em silêncio. Lembrando que podia ter sido diferente, igual a tantas coisas na vida. Mas sem ter muita certeza. Engole esse mal entendido mais uma vez como se não importasse. Vai endurecendo aos poucos. Não vai ser a primeira vez que a gente confunde orgulho e desinteresse. Esperando a resposta de uma mensagem que, se reparar bem, nunca foi enviada. Ficou pelas tabelas. Assimilamos com essa força magnética dos corações partidos, ora atrativa e ora repelente. No fim do dia vai ser de novo só você e esse monte de pensamentos profundos na cabeça, que ninguém acessa. Que cê não quer mais tentar explicar. Que parece inútil tentar resolver. Sei porque é assim comigo. Os caras ao teu redor jogando sinuca no bar, que não são "petistas" nem um pouco sensíveis, nunca vão entender. Quem puder te ver, vai te ver acender outro cigarro e se confundir no meio das pessoas. Ninguém vai suspeitar que no fim do dia esse aperto no peito te dói mais. Que o ar falta mais. Que o estômago reclama mais. Cê não vai deixar eles saberem. Cê vai pedir outra cerveja pra evitar os olhos de se cruzarem. Eu vou atravessar a rua, apressada no salto quinze. Ninguém vai prestar atenção. A gente não vai saber o que aconteceu depois de nada acontecer. Cê vai achar que vacilou. Eu também. Depois vou lembrar de ti com o corpo em guerra: coragem e sabotagem, efeitos colaterais. Essa melancolia de hormônio sintético e essa introspecção de uma hora pra outra. A nuvem cinza que se recolhe no peito. Metamorfose inversa, como uma borboleta que se fecha no casulo até ficar feia e tosca igual lagarta. Cê vai fumar mais um. Eu vou abrir a janela do carro, porque não consigo respirar direito só de me lembrar. Eu vou abrir a janela do carro. Mas não vou me abrir. O dia vai terminar igual a tantos outros. Não era esse o jogo? Cê vai suspirar fundo lembrando que eu fui embora, como quem perdoa o que eu não digo. Eu acelero. Eu tô fugindo. Da armadilha de repetir a história, de você e de mim.

Nenhum comentário: