sexta-feira, 5 de abril de 2019

Aviões de verdade

A flexão é um ato kamikaze. Você estica os cotovelos com os pés em posição de prancha ou joelhos apoiados e se projeta contra o chão com uma coragem absurda, confiando que os músculos dos braços darão conta de te botar para cima novamente, repetidas vezes. Porque dão. Eles sempre dão.
O movimento tonifica o corpo. Se você contrair o abdômen, melhor ainda. Quanto mais flexões você faz, mais fará da próxima vez. Mas precisa se dispor a ir e voltar do nível mais baixo que a gravidade permitir, de preferência sem soltar o peso todo, num mergulho contra o solo que adianta a cabeça muito para a frente das mãos. Dá um pouco de medo no início, mas passa. Depois da primeira vez só melhora, porque você adquire a autoconfiança de saber o que está fazendo e passa a fazer conscientemente. Às vezes sem querer fazer. Às vezes com os braços tremendo, como se tivessem medo de sair da inércia, a condição mais confortável. Às vezes você vai descansar exausto, com o rosto encostado no tatame, e tudo bem. Porque isso ajuda no processo de se dar conta de que envergará todo muitas vezes, mas não quebrará nunca.
Os ombros também precisam dar conta do recado, porque guardam uma das articulações fundamentais para que tudo aconteça. É preciso esquecer do quanto pesa. É preciso botar a matéria à disposição da metáfora. E se na gramática as palavras se contorcem em flexão para virarem outras no pretérito imperfeito, no futuro ou no presente e no imperativo, a verdade é que para fletir na vida é preciso confiar em si mesmo com toda a dedicação, de absolutamente todos os músculos. Inclusive do coração. Para fazer uma flexão que te torne mais forte com sucesso, você vai precisar de um corpo e de coragem para usá-lo para emergir.
A flexão é uma verdade que vem à tona. Você se reconhece humano e em constante progresso. A flexão exige força e, ao mesmo tempo, te faz cada vez mais forte. É como finalmente substituir aviões de papel por aviões de verdade.

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