sexta-feira, 26 de abril de 2019

Big bang

Tudo está no seu lugar. Ainda que o amor seja um peixe escorregadio, um corpo ensaboado ou um docinho coberto de gelatina que nos escapa sempre que tentamos firmá-lo entre os dedos. Tem no mundo esta mocinha bem loira de cabelo cacheadinho caminhando com uma sacola de compras e um abacaxi saltando para fora andando na minha frente. Tem o cara dos malabares no sinal e esta barata correndo pela calçada à procura de ser imortal resistindo ao próximo big bang, que é o sapato número quarenta e dois deste idoso lendo o jornal com o pé apoiado na parede da loja de eletrodomésticos. Tudo está onde deveria estar e nessas horas há uma calmaria que vem não sei de onde e cai vacilante como uma folha de outono no assoalho interno da gente. É quando a gente não se importa demais. Não espera demais. Não se detém demais. Não firma as rédeas demais. E flui com o tempo, que afinal é nosso aliado. A gente dá de ombros pra tudo, mas repara e aproveita este pequeno momento de agora, que o desinteresse de depois não tem fresta nem deixa espaço para retroceder. Por ele não passa a luz. Não vamos cortar a ponta da orelha da vida e nem esperar que enrede o rabo embaixo das pernas de quem estiver sentado na mesa de jantar. A gente cobre a aposta. E é curioso que para que esta constatação me venha leve muito leve seja necessário tanto contorcionismo. Ser amado é tão bom que a gente esquece que não é tudo. A sorte é que não há nada em desordem neste mundo. Tudo está no seu lugar.

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