quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Impreciso


No banco ao lado e no que transpõe o corredor, as senhoras conversam sobre economia e política. Me encolho no meu banco, ombros retraídos. Parece poeira de vidro entrando pelos poros. Não era eu que queria conversar sobre coisas diferentes ao longo da vida? São oito da manhã de uma quarta-feira que ainda não decidiu se será de sol ou de nuvem cinza. Preciso mesmo dar a minha opinião? Decidir o que quero para o futuro do Brasil? Falar sobre a Dilma e os meses de um ano que usamos pra pagar os impostos, parlamentarismo e todo o mais? Ensaio o discurso que ouvi toda a vida, para agradá-las, mas não abro a boca. Não quero agradar ninguém. Na verdade, estou pensando micro. Na praticidade que quero ter para conviver sendo chefe de estado e de governo de mim. Cuidar das relações e das decisões como se fosse redutível, incansável, pragmática. Preciso ser todas essas coisas? Preciso ocupar o tempo com coisas úteis e com o bem-estar geral da nação? Preciso fazer da vida um case? O que eu gosto e o que eu finjo que gosto, porque esperam isso de mim? Quero mesmo essa beatificação dos dias? Ser canonizada porque sou uma boa menina? Estou perdendo tempo? Posso me permitir ir e voltar com a maré? Eu tô cansada. Cansada de não saber, de correr atrás do prejuízo. Dessa busca que não acaba. Não quero mais ser a melhor aluna da sala. Melhor: não quero o peso de sentir que preciso sê-lo. Preciso? Precisar, que verbo ingrato. O que eu fiz de mim, que ansiedade é essa? Estaria leve, não fosse estar sempre precisando. Desembarco e os saltos, vermelhos, sincronizam com alguma máquina usada para construção perto dali. Preciso de óculos de grau, de um notebook, de um celular menos anacrônico, para atender às demandas da vida de solteira. Preciso? Invento essas desculpas para ter algum horizonte. Para me lembrar sempre que exagero no contato com as pessoas e no desespero de compreendê-las, correspondê-las, ser correspondida. Quero ficar ali, no parado. Sem olhar para o celular que não toca, sem a pressa que atrasa os dias. Encolhida em silêncio, sem precisar de nada e de ninguém. As vitrines estão cheias de botas na promoção e, em algumas delas, já há biquínis e mini-saias, em preços exorbitantes. O tempo não para. "Você precisa disso?" - a vida exige resposta, a pergunta faz eco na minha cabeça. Que tamanho a necessidade precisa ter para que se precise? Quanto de perdão há em mim e quanto de desespero? Eu quero um beijo de amor ou um tapa na cara, que me acorde de vez? Quanto da minha vida é marketing? Quanto de repetição, requentando velhos hábitos e velhas pessoas? Quanto de desespero e quanto de atropelo? Sei o que não quero, mas quero o impreciso. Isso é um peso e um alívio.

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