terça-feira, 21 de agosto de 2018

Eu Maria e João

Estou sentada nesta poltrona confortável de veludo vermelho tentando aprender que abrir só as pernas pode ser muito diferente de abrir os braços e as pernas. Dizendo assim parece vulgar. Não importa. Eu abro as duas coisas. Eu abro mais os braços do que as pernas. Com coragem, abro as pernas. E sempre que eu abro as pernas, eu acabo abrindo os braços. Mas não é como se você se importasse. E se você não vem, eu abro os olhos e as orelhas. Fico atenta, sentada na frente desta tela de cinema. Buscando sinal. Não passa um filme. Em preto e branco, quem sabe? Não entendo de filmes. Sei falar, quando muito, da fotografia. Eu gosto quando me toca. Eu odeio ter que explicar por que me toca. Que impressão te causa aquele do David Lynch, que eu nem lembro o nome? Você é capaz de apreciar um argentino do Darín? O quê!? Aquele da vaca!? Eu adoro aquele da vaca! E a pele que habito? E o mais arrastado de todos do Woody Allen? Ensaiei mil perguntas inteligentinhas. Guardei na bolsa. Tomei mais um gole de guaraná. Fez barulhinho. Acabou. Eu sei quando acaba pelo barulho que faz quando vai embora. Não há trilha sonora que dê jeito. Vasculhei um riso nos créditos. Não era filme bobo de herói, dessa vez. Era daqueles que a gente não entende nada, mas prefere não falar sobre e nem entender. Mas não é como se você se importasse. A luz tá acesa agora. As fileiras vão descendo. O cinema vai esvaziando. Você não veio. Você não vem. Esse lixo todo sendo deixado pra trás outra vez e eu estaqueada nesta ideia fixa. Eu Maria e João. As pessoas descendo as escadas comovidas. Os passarinhos comeram o caminho? O bruxo mau não quis os ossinhos, só as carnes? E riu a risada malévola. E impregnou tudo de dúvida. Lançou maldição? Volta um dia um príncipe para quebrá-la? Quererei um príncipe, quando ele chegar? Duvido muito. Abri só as pernas. O que é muito diferente de saber fingir que os braços também não estivessem inteiramente abertos.

Nenhum comentário: