terça-feira, 28 de julho de 2015

Na medida


Entro no Café quase todos os dias, sempre pontualmente, às 08h25min. É o tempo de descer no terminal e vir andando em direção ao escritório. Não importa que esteja de salto ou no raso: minhas pernas habituaram ao ritmo.
As atendentes me sorriem. Uma ou duas, pela incredulidade, ainda me perguntam se o pedido é o mesmo. Todas as outras já tomam o saquinho do pão de queijo nas mãos quando me veem apontar pela porta. Não somente o pedido, o ritual é sempre o mesmo: vou até o balcão, miro os pães de queijo, falo alguma amenidade. Se estou feliz, são amenidades felizes. Depois me dirijo ao caixa. Se eu tenho só notas graúdas, elas reclamam que vou deixá-las sem troco, observam enquanto eu ajeito as notas do troco todas por ordem e tamanho pra por na carteira, sorriem mais uma vez (às vezes fazem um comentário qualquer como "me arruma que eu te arrumo, né?", em relação ao meu cuidado com o dinheiro) e me deixam ir. Se tenho trocado, sorriem agradecidas e me deixam ir.
Hoje eu não disse amenidade nenhuma e a moça do caixa foi demasiado solícita: perguntou se tudo ia bem comigo. Na medida do possível, eu digo. Aquilo é um não. Aquilo com certeza é um não. Aquilo é um não mais certeiro que o meu pão de queijo matinal. Não é tudo que vai bem comigo. E ela visivelmente não sabe o que responder. Não sabe se me pergunta o que houve - se é que temos intimidade para isso, depois de tanto colesterol adquirido - ou se segura a minha mão enquanto alcança a nota de dois, dizendo genericamente que vai passar.
Tenho narrado a vida como um roteiro policial há algumas semanas, minha senhora. Sei o quanto isso parece estranho, mas é como se não pudesse deter. Metaforicamente, dessa vez foi uma espécie de emboscada. Ele jura que espreitava me esperando para uma surpresa, eu juro que estava prestes a ser morta. Pisquei os olhos e estava lá, apontando as minhas flechas, as minhas pedras, as minhas armas, afinal, em legítima defesa. Sei todos os passos do quanto seria ferida de cor. Então não, tudo não vai bem comigo. Não fez sentido, porque estou ferida de qualquer jeito. E tendo que caminhar, de qualquer jeito. Ninguém mais aguenta ouvir.
Estamos em silêncio e a senhora do caixa um minuto inteiro parada, me vendo sair, sem saber se o pão de queijo de ontem foi indigesto, se algo empedrou entre as minhas costelas, dando um peso perto do coração, ou se estou delirando. Paro embaixo da soleira da porta de vidro e viro em direção a ela. Sorrio. É a rotina. E é o que mais fazemos ali, no fim das contas. Sorrimos umas para as outras como se perguntar se tudo vai bem bastasse para que tudo vá bem.

Depois do café da manhã, cogitei me ocupar com o impossível.

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