quinta-feira, 15 de agosto de 2013

"Factum sur la contingeance"

Foram raras as vezes em que me privei de algo em nome da moral, dos bons costumes ou da conveniência de modo geral, nos últimos tempos. Sempre deixei de lado as coisas que eu não queria o suficiente, ou que, a olhos vistos, não faziam bem na mesma proporção da angústia que me causavam. Nesse aspecto, alguns sofrimentos nunca pude prever e outros femininamente intuí. Investi muitos esforços em coisas vagas, mas tenho ciência de que foram as coisas que realizei e também as que preferi deixar de lado que me trouxeram até aqui. Digo isso com a convicção de uma confissão póstuma. Por toda a minha vida, eu fui convicta e mudei de ideia. Estranhamente, uma coisa não impedia a outra.

Não, nós não namoramos. Porque não. E se essa não é a resposta esperada, é ao menos a situação consolidada. Não namoramos. Nem presos, nem amarrados, nem enlaçados, nem alinhavados. Nada. Não temos nada. E teríamos tudo que se pode querer, se fosse o caso, mas não nos preocupamos se haverá razão de ser para um "ainda" ou um "e nem o faremos" algum dia.
Nós não namoramos porque não. Ou porque poderíamos, se houvesse razão de ser, a qualquer hora. Porque sabemos a dedicação que um namoro requer e as nossas escolhas nos fazem, nesse momento, livres demais e portanto dispostos de menos para o esforço desgastante da tentativa precipitada. Porque ultimamente desejamos todos os dias uma situação que se prolongue no tempo com as mesmas características. Amizade quase irrestrita. Autenticidade. Porque deixando de ter o que todo mundo pensa que temos, estamos próximos do ideal.
Não, nós não namoramos. Porque não. Ou porque desejamos a confiança na imparcialidade dos conselhos amorosos, porque estamos sempre ansiosos pelas pessoas surpreendentes que os contos de fada modernos ainda podem trazer. Porque somos bons demais juntos para nos desperdiçarmos em qualquer designação que nos assuste.
Nós não namoramos porque não. Ou porque simplesmente existimos de uma maneira que não nos impõe a necessidade de ter algo mais em comum ou de tomar qualquer decisão. Porque ele é exato enquanto divago, e porque sou complexa ao tempo em que ele descomplica. Porque nos conhecemos muito, mas mais ainda porque já conhecemos os caminhos para chegar ao outro sem cerimônias. 
Não, nós não namoramos. Porque não. Ou porque sou Caio Fernando, Kafka, Dan Brown, Hemingway, Carpinejar e também sou Sartre com notas de Beauvoir e, como se vê, não me detenho o suficiente para, a fundo, ser algo disso. E porque ao ser, não sou. Ou porque ele compreende o quanto essa miscelânea contribui para que eu seja eu exatamente do jeito que estamos. Porque a paz que me oferece só a falta de comodismo me dá. Porque nos lemos melhor do que nos descrevemos (e esse é o mais perigoso dos nossos comportamentos!) e porque, não sendo nada, absolutamente nada, estamos condenados a uma liberdade absurdamente aproximadora.

Um comentário:

Anônimo disse...

"Não sei, não sei, não sei... Você(s) também é (são) muito complicado (s)"

(Adaptação da frase do "Rei Gelado")

Kamikasianami...