terça-feira, 3 de novembro de 2015

Ninguém contesta

A segunda-feira começa com o rastro da espinha enorme na testa e uma ferida por começar no lábio inferior. Não ligo. Se bobear, dou uma piscadinha pro espelho, enquanto ajeito a franja comprida em cima do redemoinho. Cabelo que eu não seco. Tô achando lindos os fios todos fora do lugar porque estiveram molhados sobre o travesseiro.
Eu me flagro intervindo quando deveria calar, mas a própria consciência tardia do ocorrido já serve de tranquilizante, quiçá de aprendizado. Tenho comido como um búfalo e pago o preço de engordar dois quilos num mês. Vejo a idade chegar sem fazer muita cerimônia. Mais do que eu gostaria, falta-me o tino para deliberada e reiteradamente fazer o bem, mas quando eu faço é sem olhar a quem. Artista de rua. Ex-namorado. Velhinho no caixa do supermercado.
O mau humor alheio não me confunde a fé de que o dia vai ser incrível. O sal grosso, no fundo, não me tira do sério. Reclamo um pouco pra não ousar o disparate de bradar que tá lindo e leve, diria mesmo perfeito, tá dez, não tem crise. Um coração cintilando só tira tempo pra bom agouro.
Não aprisiono o elogio, nem intimida a falha. Tenho sorrido pra câmera frontal. Pro reflexo no aparador do escritório. Nas vitrines. Até quando forjado pra não mostrar ao mundo, é bem sincero. Não sou mais mártir do que me dá prazer. No fim do dia eu durmo e ronco tranquila, perdoando todas as imperfeições. Deixo claro que essa disposição pra ser feliz é a minha evolução, particular e paralela, mas a paixão se incrusta no que é bonito da vida. Se atribuir a nós, ninguém contesta.

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