Estou correndo no escuro, ofegante, cena de uma tomada só, olhando pra trás de pouco em pouco. Tenho mais medo de olhar pra trás do que de seguir em frente a esmo nesta velocidade. Com certeza algo lá atrás me persegue. Eu sou a mocinha burra de um suspense ruim, que escolhe sempre o caminho do beco. Ela luta contra o perigo do jeito mais patético possível: primeiro, fugindo. Pinga uma gota de suor na têmpora, a bochecha cora e falta o ar. Tosse. Tropeça. Levanta e corre, agora mais lenta. Ela grita com uma voz fina irritante e horrorizada, num idioma inaudível, como se fosse adiantar. E precisa desacelerar pra não cair de exaustão, eu sei, mas agora acostumou a correr pra não ser alcançada. Nem que seja para o beco. Correndo, quase não pensa. Sente câimbras e um cansaço, mas não pensa. E ela corre, teimosa, todo dia e tarde da noite. E corre na rua e na esteira, pra ganhar condicionamento físico. Corre de mil maneiras que não consegue explicar. Corre em círculos. De moto. Dentro do globo da morte de um circo mequetrefe. Acelerando e fazendo barulho com a descarga aberta. O motor ronca altíssimo. Wrong. Wrooooong. Acelera de novo. Parece esporte. Mas chega sempre a hora em que alguém ou algo a alcança. E ela confronta de perto a patifaria de se defender com algum instrumento imbecil como um cotonete, uma pantufa ou, para melhorar a metáfora, um pedaço de gelo.
O suspense é a triste espera por mais. Viver um suspense constante é desejar um susto pior do que o do silêncio tranquilo da própria companhia. E adiar o confronto imediato, ainda em pleno vigor físico e mental, com o vazio por baixo do capuz.