terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Baque surdo

Quando eu era criança tinha medo do escuro e, por isso, eu me habituei a dormir de luz acesa e porta aberta. Eu acredito que possa ser por conta da luz acesa da infância que eu tenho muita facilidade para dormir de modo geral, e meu sono é muito pesado. 
Somos só nós três aqui em casa e nos habituamos a dormir de portas abertas para o caso de qualquer emergência como medo de monstros embaixo da cama. Não deixei de dormir de porta aberta quando, adulta, compreendi que a maioria dos maiores perigos da vida pode ser vista à luz do dia, nem quando compreendi que sentiria medos caleidoscópicos para sempre e que, embora seja muito eficiente ter gente confiável na tarefa de espantar monstros e medos por perto, algumas coisas precisariam ser resolvidas das portas para dentro.
Penso que a primeira vez que senti a necessidade de fechar a porta do meu quarto para sentir menos medo, e não mais, foi quando comecei a querer ler de madrugada sem acordar meus pais. Mais tarde usar o computador ou algo assim. Não era uma necessidade propriamente dita, mas era mais confortável e me livrava da sensação incômoda de ser flagrada falhando em ser boa menina.
Lembro também de quando fechei a primeira porta da minha vida, aos treze. Meu primeiro "nunca mais". A primeira vez em que, mesmo mais megalomaníaca, melodramática e teatral do que necessário, disse e tive certeza de que não voltaria e que era melhor assim. É curioso que, muito cedo, o que até pouco antes me dava medo foi enfim a medida mais acertada da minha pré adolescência, noto agora.
Outros "nunca mais" vieram. Alguns eu disse por convicção, outros me obriguei a dizer depois que fecharam portas para mim. Não me arrependo. Se é de serem fechadas, que as portas se tranquem no baque surdo que nos ensina a ser gente grande isolando o que não nos faz bem em território longe de nossas fronteiras.
Às vezes me confundo, mas na maioria delas concluo que, bem... Não é que tenham sido monstros... Não é que a gente seja o monstro de alguém. É só porque às vezes tudo que o medo precisa para ser combatido é a ousadia insana de fechar as cortinas e apagar a luz, e o impulso certeiro em direção ao "nunca mais". Nunca mais medo, nunca mais fantasma que assombra, nunca mais o que me fez mal.
Durmo de portas abertas, na prática, mas já aprendi que grande parte dos fantasmas só nos ronda se deixarmos. Depois do fim, certa ou errada, fechar a porta com rispidez é o modus operandi que eu mais conheço. Não sei se tenho razão. O que eu sei é que, do contrário, certamente eu ainda teria os medos da infância. De monstros, de fantasmas. E do escuro da falta ou quase presença de alguém.

Um comentário:

Maria Carolina S, disse...

Bom texto!
É de portas fechadas que conhecemos os medos e somos obrigados a enfrenta-los por estarmos sozinhos

beijos