segunda-feira, 27 de maio de 2013

Sempre nova


Sei fingir que a minha memória é péssima. Ainda bem. Não conseguiria fazer uma série de tarefas diárias se demonstrasse rotineiramente que me detenho nas minhas lembranças. Ainda menos se escrevesse um pouco melhor. 
É que eu já vivi tantas coisas. As memórias boas fazem o impossível pra me conter, porque fazem crer que nada se compara. E há tantas delas...
Já as ruins me impossibilitam. Lembrar do que de bom não foi, do que deixou de ser e do que já não será é um obstáculo intransponível, porque nada se pode consertar em um pretérito que poderia ter sido menos imperfeito.
Só o que se pode fazer é dar espaço pra reflexões absurdas... - de condicionais que nunca farão verdade ou lógica em nossas vidas - de modo que sempre que sofro por antecipação ou supervalorizo uma pequena tristeza passada, é como se estivesse eternizando o falso momento de purgar os meus defeitos e pecados esquecendo completamente.
Azar da folha em branco, que é o estopim para a desordem e a todo o tempo, nos últimos tempos, é uma chama fugaz, corriqueira, incontinente. É uma catástrofe que se adivinha, nostálgica, nos relatos do que eu já não sou. É uma forma de explicar ao futuro que o passado me deu experiências que, mesmo que não sejam lembradas, estão acomodadas entre as costelas, comprimindo os músculos e evitando o impulso de aceitar, permitir ou descansar.
Estar aqui é perder tempo com lacunas que influenciam o que sou e o que será, sem que se possa preenchê-las. É invocar as pontas, pra reviver os icebergs. É sentar à beira de um vulcão que já adormeceu e, sem entender como os monstros adormecem, torcer pra que enterneçam acomodados pra sempre dentro de nós.
Ao me esforçar pra que minha memória não seja boa, sei fingir que sou sempre nova.

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