terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Um delírio otimista

"O que mais me encanta em você, 
é (...) tua inteligência moleque, 
de pernas tortas...
Teu delírio otimista, à beira da sorte."
(Frejat)


Amanheci com os dentes do juízo doendo - o que era, no mínimo, sugestivo, depois do dia que houvera tido. Talvez por isso, tarde da noite, passando da hora de dormir, depois da despedida e com chuva fina batendo contra a janela do quarto e o clarão distante de alguns trovões, resolvi brincar de me perder mentalmente.
Uma louca desvairada e genuína imaginando loucuras tristes, porque alguém já disse um dia que a inspiração é prima-irmã de um pouco de melancolia. E já que a vida vinha sendo generosa comigo, eu precisava inventar uma tristezinha que fosse pra conseguir raciocinar e escrever.
Nesse inventado devaneio pessimista, o mundo virava um deserto distante em que todos aqueles que me arrancam sorrisos estavam por perto. Menos um. E naquela brincadeira mental (pra lá de cruel!) em que eu me imaginava distante de um só, daquele ser específico, eu fui sufocando aos poucos daquela ausência, insatisfeita por não ter podido descobri-lo, afagar-lhe a nuca, vê-lo corar de timidez ou cantar com o som do rádio num dos últimos volumes mais uma vez.
E naquela invenção eu fui querendo tanto... E deixando de conseguir negar que esta era uma prova muito além de real de que prefiro viver os delírios otimistas, ainda que o juízo me doa ou a inspiração pra escrever me falte. Pois a de viver me sobra.
É possível que se apaixonar pela terceira, quarta, quinta vez, faça com que a gente tema delírios tão loucos e negativos quanto esse meu, de inventar o deserto que o mundo se tornaria com a falta do outro. Então eu lembro que o juízo me dói, mas não deve me censurar. Porque é só neste agudo ponto de maturidade em que percebemos que se apaixonar pode ser, afinal, o fato de otimizar os melhores e mais insanos delírios, fazendo equilibrar-mo-nos - certeiros feito Tom Cruise na última cena de Vanilla Sky - na tênue linha entre a liberdade e o que nos tira o sossego.
E permitir-se insistir, docemente, conhecer uma ponta do espanto e descer inteira na falta de fôlego que as coincidências e afinidades nos provocam, fazendo permanecermos à beira. À beira do outro, de sua boca, de seus desejos, de seus traumas, de seus encantos, de suas verdades, da sorte. E depois mergulhar nisso tudo, sem medo, seja lá o que essa sorte nos reserve.