Amar o perdido
deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.
Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.
(Memória - Carlos Drummond de Andrade)
Frigi mais de hora sobre a cama, enquanto embrulhava e punha um quadro dos Beatles no correio mentalmente. Escrevi o endereço dezenas de vezes - ora em papel pardo, ora em caixa decorada, ora com tinta de sonhos. Passado o desespero que me povoou os últimos dias, sobrou reflexão. De algumas coisas, não se pode fugir. De algumas coisas tangíveis... E de algumas coisas findas. Se é que Drummond me autoriza a paráfrase.
Hoje, nessa madrugada, minha decisão faz aniversário. A gente sabe que um mês é tempo demais porque já viveu muitos outros antes desse. Porque olha pra trás e percebe quanto detalhe importante aconteceu nessas quatro semanas. Trinta dias é uma vida. Mas uma vida, antagonicamente, não passa de um piscar de olhos. Aí está a tragédia de Santa Maria, que não nos deixa esquecer.
Ainda sobre o poema e tudo que ele me provoca: Amar o perdido confunde. Que o diga todos aqueles que ainda amam algo que já não existe, mas um dia existiu: Um bom humor que se perdeu no tempo, uma paixão que se esvaiu. Amar o perdido distante confunde tanto mais... Porque há, junto da perda, a confusão de um esquecimento que, aos poucos, deixa de ouvir os apelos.
As conhecidas exceções que me perdoem, mas minha geração não aprendeu a consertar as coisas. Eu me flagrei, ainda hoje, deixando clara a opção de partir antes mesmo de começar. Depois me senti profundamente envergonhada. O fato é que repetimos amizades e amores tangenciando à distância com os seus defeitos até que as próprias qualidades nos pareçam descartáveis. É triste admitir que abandonamos os barcos de papel que ajudamos a dobrar porque, um dia, descobrimos sua fragilidade no curso desse rio que está aí, pra ser navegado.
Que fiquem as coisas findas que foram muito mais que lindas, sim, Drummond. Porque o passado nos trouxe até aqui e, só por isso, já teria valido a pena. Mas que fique também a certeza de que usamos de nossas sensibilidades ao máximo, enquanto não findou. Que tenhamos tentado identificar as fraquezas do outro e tentado lhes curar as feridas nos limites de nossas forças, à exaustão, sem pensar duas vezes. Pra só então desistir.
Nós merecemos atenção. Sabemos o quanto precisamos uns dos outros. Que antes de terminar (a vida, o amor, a paixão, a amizade, o plano, o entusiasmo, o relacionamento) a gente batalhe pra manter de pé o barco de papel dobrado com tanto esmero, quase como faziam nossos avós e alguns de nossos pais, sem esquecer de tudo que nos fez dobrá-lo, vinco por vinco, pra chegar ao que se tornou, depois de tantas tempestades, quase naufragado. Pra que quando formos coisa finda, tenha-nos sobrado mais amor doado e coisa linda do que quadros dos Beatles empoeirando na estante.
Nós merecemos atenção. Sabemos o quanto precisamos uns dos outros. Que antes de terminar (a vida, o amor, a paixão, a amizade, o plano, o entusiasmo, o relacionamento) a gente batalhe pra manter de pé o barco de papel dobrado com tanto esmero, quase como faziam nossos avós e alguns de nossos pais, sem esquecer de tudo que nos fez dobrá-lo, vinco por vinco, pra chegar ao que se tornou, depois de tantas tempestades, quase naufragado. Pra que quando formos coisa finda, tenha-nos sobrado mais amor doado e coisa linda do que quadros dos Beatles empoeirando na estante.