Em frente às mesmas portas
E meus sapatos estão rotos
De dar voltas
Fazendo buraco no chão
Fazendo que vão e não vão
Saio pra ver o movimento da cidade
Só pra ver no que vai dar
E dou.
E dou num muro de tijolos. Lindo, forte e tosco. Tão extenso que não se sabe qual dos lados protege. Dividindo todas as coisas em continentes de antes e depois de uma grande beleza. Um divisor entre nós, os líricos inveterados e enfastiados de dançar sempre o mesmo tango em frente às mesmas portas, e aqueles que sofrem um sofrimento desconhecido, porque sem eco na literatura. Passo as bolinhas gordas do lado de baixo dos últimos dedos pequenos do pé contra esse muro. Não é desprezo. É um flerte. E penso apenas: venha cá. Desdivida-nos. Equilibre-nos. Tu és tão bonito. E eu tenho sede para dois. Quero ralar os meus joelhos para te alcançar e transpor. Como se não importasse. Alcançar. Quero ficar de barriga para cima, do lado de lá, contemplando a grande beleza. Não a tua, mas a deste gesto. Sem cigarro. Sem subterfúgio. Numa simplicidade infantil e tosca e hábil, como a tua. Forte. Casco de tartaruga. Ninja. Justo aquela da qual ninguém se lembra do nome, porque não estudou arte o suficiente. Tão bonito, tão bonito que só podia mesmo estar do outro lado esse tempo todo, ignorando os preceitos mais básicos da noção de profundidade.
Quero alcançar meu inferno e tu
Teu céu.
Cavo um abismo cada vez mais fundo
E tu te amontoas,
o Everest.
É sempre o mesmo tango
Em frente às mesmas portas
E meus sapatos estão rotos
De dar voltas
Fazendo buraco no chãoQuero alcançar meu inferno e tu
Teu céu.