terça-feira, 30 de julho de 2024

Eco [29]


Quando uma relação tem fim, não se perde automaticamente o amor - perdem-se as piadas internas, a certeza de persistir o encanto mútuo, confissões de admiração e reconhecimentos, a decisão coordenada sobre cumprimentar ou atravessar a rua, todos os rituais de doçura e conforto inventados a dois, as senhas de acesso a estes rituais, todas as servidões de passagem aos traumas, às dores, às reinvenções e encaixes nas faltas mais encravadas e o direito irrestrito aos contatos e provocações aleatórias no meio do dia. São grosseiramente arrancados os selos de qualidade pelos quais tudo que passasse pelo filtro do outro tinha a graça de um interesse e, enfim, removidas as placas de patrimônio que antes pareciam pirografadas na pele. O que parece, gradualmente, dar quase na mesma - porque é disso que se alimentava o amor. Quando uma relação tem fim, ficam apenas as marcas. Da cola e do resto.
Quando Laura foi embora eu ainda sentia a presença vultuosa dela enquanto voltava, teimoso, a mergulhar nos meus oceanos escritos de caos, como um explorador, com muita dificuldade de abrir os olhos. Queria ter podido entender junto com ela o que prendia meu pé nos corais desse mar de identificação - imenso e nosso - ao qual ela de repente foi capaz de atear fogo. O poeta me ensinou: Confia no teu coração se os mares pegarem fogo. Não ensinou, porém, o que fazer com a dificuldade de confiar em mim e no meu coração sozinho e de novo. Laura dividia tão, tão, tão bem comigo a nossa profundidade. Parecíamos estabelecer uma transfusão do mesmo ar - que passava de um pulmão a outro em beijos virtualmente submersos, sem que nunca precisássemos tomar o fôlego da superfície.
Precisei me convencer de que, no fim, eu saberia o que fazer - mesmo que todo o meu aparelho respiratório estivesse desacostumado a funcionar com naturalidade e a minha mandíbula tensa tivesse desaprendido a mastigar, falar e sorrir. Se a apneia fosse uma modalidade olímpica, haveria para mim um prêmio de consolação. Destinado a quem falhou mas desejava sobreviver sem precisar do oxigênio das praticidades rasas. E depois arcou com todos os danos dessa privação no cérebro.
Um eco solitário, uma bolha que se propaga na água na certeza de não haver resposta: é a minha própria voz que volta. Sem que ninguém a tenha absorvido do outro lado.